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31 de dezembro de 2003

PEQUENO MOMENTO DE INTELECTUALIDADE CARTESIANA CINÉFILA

O mal de muito do cinema português - e, também, de uma geração de cinéfilos e de críticos - parece-me bem ser a sua excessiva colagem a um modelo de cinema de autor europeu tal como fixado nas palavras da "bíblia" cinéfila dos Cahiers du Cinéma. Não haveria nada de mal nisso se houvesse o outro peso da balança - uma produção corrente mais acessível, mais virada para o público - que, como sabemos, continua a ser francamente minoritária (quando não de fraca qualidade) face à avalanche de "autores" que o cinema português insiste em querer atirar para a frente.

Uma das razões pelas quais leio os Cahiers du Cinéma é precisamente porque é uma revista consciente de que está presa na armadilha que ela própria criou de servir de "bíblia" de uma certa concepção do cinema, mas que não deixa que isso se transforme num dogma paralisante, nem deixa por isso de relançar a discussão sobre o que é ou pode ser o cinema. Exemplo disso tem sido a atenção que a revista tem dado, em números recentes, à redescoberta de clássicos perdidos possibilitada pelo DVD, ou às séries televisivas como laboratórios de experimentação de novas formas de contar histórias.

Melhor exemplo ainda é, na edição de Novembro, um excelente artigo de Thierry Jousse onde ele desmonta um ensaio de Jean-Louis Comolli publicado no número anterior. Nesse ensaio, defendia-se um "cinema pobre" (entendido como "de autor", feito à margem dos sistemas estabelecidos) como via única para a salvação do cinema face à proliferação de "inimigos" massificadores como o dinheiro, a televisão e o espectáculo (entendido como "entretenimento").

Com apreciável (e muito pouco francófona...) lucidez, Jousse delicia-se (e delicia-nos) a provar que o cinema feito com grandes orçamentos pode (também) ser estimulante e que o cinema feito por tuta e meia pode (também) ser medíocre; que a relação entre o cinema e a televisão se tem feito, desde os anos 50, de um diálogo constante e de um jogo de influências mútuas; que o cinema é uma arte aberta ao mundo e, como tal, não pode recusar nenhum dos supostos "inimigos" sob pena de cair numa intolerância muito pouco propensa à evolução. Ou seja: o cinema de autor não é, nem tem de ser, o único cinema do mundo, nem deve recusar aquilo que o pode enriquecer e tornar mais acessível. Seria tão bom que tantos cineastas portugueses já o tivessem compreendido.

PEQUENOS IRRITANTES QUOTIDIANOS #4

Os cartazes que pululam imoderadamente por aí a apelar ao consumo imoderado de cerveja, com o pequeno, discreto e hipócrita "disclaimer" "seja responsável, beba com moderação".

O DESEJO (segundo António Variações)

porque eu só estou bem aonde não estou
porque eu só quero ir aonde não vou


É a história da nossa vida: aquilo que queremos esfuma-se quando o atingimos. No exacto momento em que o caminho está feito e não é possível voltar para trás. O que nos levou lá pode ter sido a ambição, a fuga em frente, a boa intenção. Mas, quantas vezes, não é o desejo a real motivação? O desejo carnal, puro e simples, a vontade de conquistar mesmo que apenas para provar a nós mesmos que somos capazes? E, uma vez ganha a batalha, nos desinteressamos do troféu ganho a tanto custo e procuramos a próxima meta, na insatisfação permanente de animais que pensam que não o são?

E se esse desejo fosse apenas instinto; se o desejo fosse apenas mais uma palavra que inventámos para mascarar a urgência de nos completarmos, de não estarmos sozinhos, nem que apenas por um breve instante, fora das inevitáveis consequências?



30 de dezembro de 2003

AS DELÍCIAS DO EXERCÍCIO FÍSICO #2

Os laterais oblíquos são tão fodidos como os lombares. Ai.

PEQUENOS IRRITANTES QUOTIDIANOS #3

Dar três voltas ao bairro em vã procura de sítio para arrumar o carro, finalmente encontrar lugar a um quarteirão de distância e perceber, quando metemos a chave à porta, que três lugares acabaram de vagar mesmo à porta.

PUBLICIDADE DESAVERGONHADA #2

Já comprou a sua "Escrítica Pop" hoje?

(não é por nada; é só que o raio do livro é mesmo das melhores coisinhas que o Miguel Esteves Cardoso fez na vida, e eu só o consegui comprar anos mais tarde na Feira do Livro, já num resto de edição à beira de esgotar, e tornou-se numa autêntica cartilha do bem escrever com ironia em língua portuguesa; tudo o que ele fez a seguir tem valor, não duvidemos, mas a surpresa, a originalidade, a invenção, estão todas aqui, no ponto zero da escrita moderna sobre cultura em Portugal; e mesmo que eu não escrevesse no Blitz e que o jornal não fizesse mil números na edição de hoje e não trouxesse como value-added-buy "Escrítica Pop", valeria a pena recomendar o livro pelo estatuto seminal que tem no colunismo contemporâneo; todos nós, a certa altura, quisemos escrever como Miguel Esteves Cardoso. E nunca o conseguimos. E nunca nos deveríamos esquecer disso)

BILL GATES SERÁ O MONSTRO DAS BOLACHAS?

Pequena experiência sobre os rastos que as nossas viagens pela internet vão deixando: liguei no meu browser a função que me permite aprovar ou rejeitar os "cookies" que os sites por onde passo me vão infiltrando no computador. Em seguida visitei os dois sites onde tenho contas de correio electrónico, o Hotmail e o Yahoo!.

Para aceder à conta do Hotmail tive de validar uma média de 15 cookies antes de aceder à caixa, quase todos ligados ao portal msn.com onde o Hotmail está já embutido, todos à excepção de um em desactivação automática após o log-out da visita. O reenvio automático para o msn.com mais próximo à saída do Hotmail pede-me um cookie relativo ao correio e meia-dúzia deles relativos ao msn.com, onde não tenho interesse nenhum em ir.

Para aceder à conta do Yahoo bastou-me validar cinco, sem para isso ter de ir buscar conteúdos ao portal Yahoo.com, todos à excepção de um em desactivação automática após o log-out da visita, e à saída não sou reenviado imediatamente para o Yahoo.com (sê-lo-ei, contudo, se ficar alguns momentos sem saber para onde ir).

Tirem as vossas conclusões.

BLOGO, LOGO EXISTO #1

A propósito de um post do Alexandre Monteiro no arame ("Straight Pride", 28/12/2003), discutia-se nos comentários o facto dos blogs "intervenientes" (no caso, os de temática GLBT) parecerem muitas vezes esgotar-se num "circuito fechado" restrito àqueles de idênticas preferências. A questão mais abrangente levantada pelo post e pelos vários comentários feitos parece-me pertinente: quem lê um blog espera o quê? E quem o escreve quer dizer o quê?

Quem lê procura o quê? Uma janela para o outro, de certo modo; espreitar para dentro da cabeça do outro, entrar nela um pouco, perceber até que ponto nos reconhecemos (ou não) no que o outro pensa ou diz. Há algo de voyeurista neste jogo, mas é um voyeurismo que de certo modo é até reivindicado, mesmo procurado, por quem escreve; quem escreve abre-se ao outro, quer como experiência desapaixonada (como reagirá o outro a mim?) quer como ambição, mesmo necessidade de reconhecimento. Uma espécie de ensaio de socialização, um tactear da validade da nossa máscara face ao mundo que nos rodeia.

Mas quem escreve procura também deixar um rasto da sua passagem, um pouco de si, sem outras intenções que não desabafar, soltar o que lhe vai na alma. A democratização da diarística que o blog manifesta pode ter o efeito perverso dos quinze minutos de fama de Andy Warhol. Mas eu prefiro pensar nele como um "blog de notas" diário onde se vão deixando pequenos berlindes, marcadores para sabermos onde estamos na vida que quase sempre procuramos organizar como se fosse uma narração.

Ou, porque não?, talvez o blog seja apenas uma conversa connosco mesmos.


29 de dezembro de 2003

PEQUENOS IRRITANTES QUOTIDIANOS #2

Os passageiros que têm tanta pressa de entrar na carruagem do metropolitano que impedem a saída de quem quer sair ou empurram quem quer entrar. Curiosamente, são quase sempre pessoas de meia-idade ou idosos - precisamente aqueles que resmungam acusações de falta de civismo por dá cá aquela palha.

MUNDOS SECRETOS

Peter Gabriel, velho, gordo, cansado, mas capaz de arrancar "Here Comes the Flood" lá do fundo da alma (na abertura do DVD "Growing Up Live", Warner Music Vision 2003), capaz de sustentar duas horas e meia de um concerto fisicamente exigente sem nunca ceder. É um daqueles momentos que se guardam na memória. Outros que se devem ao mesmo P.G.: "It Is Accomplished", a fechar "A Última Tentação de Cristo" de Martin Scorsese; ouvir "Blood of Eden" na imponderabilidade azul da viagem aérea de "Até ao Fim do Mundo" de Wim Wenders; descobrir "Wallflower" nos headphones da minha aparelhagem, ainda em casa dos meus pais, há muitos anos atrás (como é que ninguém nunca descobriu esta canção?); a primeira vez que ouvi "Plays Live", numa cassete mal gravada, e fiquei siderado com as imagens que se abriam à minha frente; o crescendo xamânico de "In Your Eyes" (a felicidade existe); a catarse abnegada de "Biko"; a pungência triste do último e tão mal-amado "Up"; as minhas longas conversas com o João Gobern a propósito daquele que era (ainda será?) um dos nossos gurus em comum, a par de Lloyd Cole; acima de tudo, a surdina oceânica e turbulenta e contudo esperançosa de "Secret World", sobre os universos que se escondem dentro de cada um de nós. Gabriel está lá sempre, teima em não se ir embora. O meu mundo secreto passa por ele, sempre.

28 de dezembro de 2003

PEQUENOS IRRITANTES QUOTIDIANOS #1

Os burgessos que acham que guiarem um Mercedes ou um Audi topo de gama os torna automaticamente em bons condutores e lhes permite andarem a conduzir em cima dos "outros" carros, os da ralé, e fazer-lhes montes de sinais de luzes para sairem do caminho, como vingança do tempo em que também guiavam um Opel Corsa ou um Renault Clio e tinham que ranger os dentes enquanto os Mercedes e os Audis lhes faziam o mesmo.

O REGRESSO DO FILHO PRÓDIGO

O Luís Guerra regressou à blogosfera: o Pop Limão abriu hoje as portas. Declino qualquer responsabilidade no assunto, mas fico contente por poder lê-lo mais vezes.

A MENINA JULIA & AS MENINAS DE WELLESLEY

A minha amiga Isabel e eu puxámos ao lustro aos nossos cartões de Fãs Empedernidos de Julia Roberts e lá nos metemos a caminho do Corte Inglés para ver "O Sorriso de Mona Lisa" e quebrar um jejum demasiado longo sem filmes da nossa actriz preferida. Sim, eu reconheço que Meryl Streep é muito melhor actriz, mas isso não faz de Julia Roberts uma má actriz (que se veja "Erin Brockovich", por exemplo, para o confirmar) e Meryl Streep não tem o charme nem irradia o glamour de "movie star" que La Roberts parece ter quase sem dar por isso.

O filme é um "Clube dos Poetas Mortos" para gajas (passe o chauvinismo, dito sem ofensa), passado numa universidade americana dos anos 50 que finge ser progressista mas é basicamente uma escola de economia doméstica, fotografado luxuosamente por Anastas Michos. Ao pé de Julia, particularmente bem nos momentos mais vulneráveis, está uma coterie das melhores jovens actrizes americanas (Julia Stiles, Maggie Gyllenhaal e Kirsten Dunst), todas muito bem. Pena é o argumento mal resolvido, as personagens deixadas pelo caminho e a tendência para o lugar-comum melodramático, mas é uma fita simpática para preencher duas horas, e os fãs de Julia sairão certamente satisfeitos (os de Tori Amos também, que a mocinha aparece por lá a fazer de cantora de big band); é claro que o cinema que nos toca cá dentro é outra coisa, mas este também faz falta para descansar a cabecinha.

TROMPE L'OEIL

O acesso à estação de metro do Rato junto à esquadra do Rato, para quem vem da Álvares Cabral, tem aquela que julgo ser uma das mais longas escadas-rolantes de Lisboa que cria um estranho efeito de desorientação. De facto, os azulejos do poço da escada estão não na horizontal mas sim perpendiculares ao corrimão, parecendo que estamos não a subir ou a descer mas sim a percorrer um tapete rolante de aeroporto. Olhar para quem sobe ou desce na outra direcção sugere, então, que entrámos de repente num qualquer filme futurista, "2001: Odisseia no Espaço" ou "Espaço 1999", ali mesmo no meio da lufa-lufa quotidiana do centro de Lisboa. Quem sofra de vertigens que feche os olhos.

ENQUANTO ISSO, NO MUNDO REAL

Delicio-me com a leitura da edição especial de Natal/Fim de Ano do The Economist. O venerando semanário de economia e informação é coisa que nunca esperei dar por mim a ler, face à sua aparência sisuda, mas descubro-me cativado pela combinação de espírito - aquela variedade britânica de humor seco, certeiro e espirituoso conhecida por "wit" -, concisão, poder de síntese e clareza informativa, colorida por um certo tom altaneiro mas não raras vezes sensato de "nós-é-que-sabemos" herdado decerto da esmerada educação privada dos cavalheiros vitorianos. No Economist os textos não vêm assinados, o anonimato reina e é difícil encontrar marcas pessoais de quem escreve; o único estilo é o do próprio jornal (chamar-lhe "revista" é capaz de ser redutor, face à densidade do conteúdo). Não há protagonismos, o que cairia mal a algumas figuras políticas que bem conhecemos.

Seja como for, o meu amigo Rui tinha razão e é mesmo iluminante ler o Economist. Ainda por cima, o especial de fim de ano é particularmente refrescante na sua recusa em embarcar nos mesmos comboios que todos os outros órgãos de informação sobrecarregam nas edições de Dezembro: nada de figuras e factos do ano, nada de listas dos melhores, antes uma colecção/selecção de ensaios mais alargados sobre tópicos de sociedade, cultura, educação, memória, história que não têm forçosamente a ver com a ocasião. Ou como aproveitar sensatamente um momento em que as pessoas arranjam um bocadinho para estar sentadas calmamente a ler para lhes propor algo que não é apenas mais do mesmo. Parece-me inteligente.

O MUSEU DA PORRADA

Inspiradíssima, a edição desta sexta do Inimigo Público, o caderno satírico do Público, com uma genial entrevista aos agressores de Felgueiras que desmonta meticulosamente uma certa mentalidade provinciana de que Portugal talvez não se queira realmente desfazer.

O mais inquietante, contudo, é que muitas das notícias que ando a ler nos jornais, ouvir nas rádios e ver nas televisões estão cada vez mais parecidas com as charges que leio à sexta no Inimigo Público. A política, em Portugal, parece realmente estar cada vez mais uma comédia, desde o folhetim da GNR às veleidades presidenciais de Santana Lopes. E não é preciso muito para passarmos da comédia à tragédia. Não deve ser por acaso que somos o país do fado e da revista (mesmo que esta última esteja já a cair de podre).

27 de dezembro de 2003

A PÁTRIA RUSSA

Descobri a informação no Diário de Notícias hoje, já que não costumo "frequentar" muito o Arte. Ainda por cima, os clientes TV Cabo só têm o Arte à noite (à tarde é La Cinq). Mas, se ainda for a tempo, vale a recomendação de descobrir "Russian Ark" (2002), de Aleksander Sokurov, fita que nunca estreou comercialmente em Portugal mas passou num ciclo da extinta Zero Em Comportamento.

Por um lado, é um prodígio técnico: o filme foi rodado num único plano-sequência contínuo de 90 minutos, só possível com uma câmara experimental de alta definição, gravando a imagem directamente para um disco rígido. A câmara percorre os corredores do museu do Hermitage, em S. Petersburgo, acompanhada por um "guia" que nos apresenta episódios da história da Rússia. Como se assistíssemos em tempo real a uma peça que decorresse por todo o museu.

Confesso que não partilho do entusiasmo de muitos outros sobre o filme - as intenções de Sokurov são voluntariamente oblíquas, sente-se ali alguma nostalgia de uma Rússia imperial, alguma saudade de um mundo menos complexo, a par com uma meditação amarga sobre a psique nacional neurótica e depressiva. É um pouco filme de "velho do Restelo". E há também um lado de "visita guiada" promocional do Hermitage que não deixa de ser irritante.

Mas "Russian Ark" tem também algo de esfinge que não se desvenda à primeira, cala mais fundo do que as primeiras impressões deixam entender, e isso não se deve apenas à proeza técnica que o sustenta. Fica, por isso, o desafio a quem o quiser aceitar: é no Arte, às 22h35 (hora de França, creio que será mais cedo em Portugal). Mais à frente, segue-se-lhe um documentário sobre as rodagens.

POLAROID BONJOUR #1

A senhora era uma daquelas matronas lisboetas com ar de guarda-republicano antigo (sim, porque hoje em dia os GNR já não têm aquele ar bovino e barrigudo do antigamente, muitos até têm um aspecto perfeitamente normal e até já há meninas GNR muito estimulantes apesar do carrapito - diz um amigo meu, que eu não vejo muitas meninas GNR) e levava atrás o esposo com o seu ar de camponês tresmalhado na capital. Claramente, ali quem manda é ela; ele só vai atrás, até no toque de ela estar na fila da caixa e pedir-lhe a ele o dinheiro, que ele tirou de um daqueles velhos porta-moedas negros.

Entraram no supermercado (enfim, mini-mercado) ao mesmo tempo que eu e percorreram pausadamente todos os corredores como se estivessem num centro comercial a ver montras ou numa boutique de que não gostassem muito a tentar arranjar alguma coisa para levar. Estiveram lá tanto tempo quanto eu e a senhora, na fila da caixa à minha frente, levava apenas um saquinho de plástico com duas mangas. Como não lhe cheiravam a nada, perguntou à menina da caixa se podia depois vir trocá-las. A menina da caixa fez um ar muito surpreendido e disse-lhe que não sabia. "Também não faz mal", diz a senhora.

Presumo que não terá sido por isto que a menina da caixa não lhe deu o calendário 2004 de oferta.

CROQUETES & RISSÓIS #1

A propósito do "69 Love Songs" dos Magnetic Fields, escrevi há uns anos no Blitz, semanário onde, aliás, continuo a escrever, para aqueles que não me conhecem de lado nenhum; o número mil sai na próxima terça-feira, façam favor de comprar, traz um facsimile do livro seminal do Miguel Esteves Cardoso "Escrítica Pop" que está fora de mercado há anos, estarão a fazer um favor a vocês próprios e de caminho ajudam a pagar-me o ordenado, a mim e a toda a equipa do jornal; obrigadinho; e também colaboro com a edição portuguesa da Première...

Dizia eu então que há uns anos escrevi no Blitz, a propósito do "69 Love Songs" dos Magnetic Fields (e, antes, do "Selmasongs" da Björk"), que a vertigem dos prazos impede-nos às vezes de ouvir/ver/ler as coisas com o cuidado e a disponibilidade que elas merecem. Nem sempre é o ideal ter cinco filmes para ver numa semana e ter de escrever logo sobre eles (até porque, nesse caso, a atenção da opinião se dilui com o tempo), nem ter em casa uma dezena de discos para criticar com prazo de entrega. São as regras do jogo, e não me estou a queixar, mas por vezes acontece passar ao lado de qualquer coisa que se ouviu mal ou nem sequer se ouviu.

No meu caso, as pausas festivas são geralmente oportunidades para fazer arrumações no escritório e pôr em dia os discos e os filmes e os livros aos quais a voragem do tempo não permitiu dar a devida atenção. Ontem, por exemplo, debrucei-me sobre dois discos que fizeram correr rios de tinta e me vinham bem recomendados por pessoas que considero.

"So Much for the City", dos irlandeses Thrills (Virgin/EMI, 2003), é mais uma manifestação da choninice intrínseca de muita da actual pop britânica. Gosto do lado aéreo e trauteável de canções como "Big Sur" ou "Deckchairs and Cigarettes", mas no geral não vejo ali a pérola que muitos apregoaram. São simpáticos, mas por enquanto inconsequentes (não é bem esta a palavra que quero usar, mas para já fica).

Já "Room on Fire", dos americanos Strokes (RCA/BMG, 2003), me pareceu bem mais interessante do que a mui badalada estreia "Is This It". Tenho absoluta noção que não houve um grande salto em frente - é apenas mais do mesmo que o grupo tinha apresentado no primeiro disco - mas, desta vez, aquela pop angular e retro, muito no-wave, muito anos 80, agradou-me sobremaneira mais do que anteriormente. Gosto sobretudo das guitarras-a-fingir-de-sintetizador-monofónico-primitivo.

Descoberta mesmo foi o excelente álbum do grupo vocal acapella Canto Nono, "O Porto a Oito Vozes" (Capitol/EMI, 2003), registo de um concerto ao vivo dirigido por José Mário Branco. Ao contrário dos outros, foi um disco que não fez correr rios de tinta e é pena, embora reconheça que é um trabalho que exige da parte do ouvinte uma disciplina e uma atenção que hoje em dia poucos estarão dispostos a dar. Apetece-me voltar a ouvir este disco - e a falar dele.

AS DELÍCIAS DO EXERCÍCIO FÍSICO

Os lombares são fodidos. Ai.

26 de dezembro de 2003

AINDA A PROPÓSITO DO FANICO IMPROVÁVEL

Boa nota de Mário Jorge Torres no Y de hoje sobre "O Fascínio", aproveitando para fazer o ponto da situação do desinteresse do público face ao cinema português. Ele só se esquece que alguns dos filmes que defende - e estou a pensar especificamente no "Xavier" e no "Quaresma" - não são feitos para o grande público (para além do facto do "Quaresma" não ter ponta por onde se lhe pegue).

Além disso, é importante reflectir um pouco nos acabamentos. "O Fascínio" é o exemplo de um filme que não prestou igual importância a todas as evidências e se esqueceu que há argoladas que quebram o "fascínio" do espectador. Ana Bola a fazer de madame de bordel pode ser uma boa ideia de casting mas, vista no écrã, não estamos a ver uma madame de bordel mas sim Ana Bola a fazer de madame de bordel, salta fora da continuidade do filme, a "suspensão de descrença" que o filme exige é interrompida. "O Fascínio" está cheio de gaffes dessas, e é pena; Fonseca e Costa parece não ter aprendido com o sotaque das berças de Vítor Norte em "Cinco Dias Cinco Noites", que ia e vinha sem que ninguém da produção se tivesse dado conta disso.

O FANICO MAIS IMPROVÁVEL DA HISTÓRIA DO CINEMA

...acontece a certa altura de "O Fascínio", de José Fonseca e Costa (estreia hoje). Creio que é Sylvie Rocha quem o dá. Num flashback no qual a esposa de um latifundiário fascistóide é obrigada a vê-lo degolar o seu amante republicano. Ela, num resplandecente vestido verde-esmeralda, atira a cabeça para trás, num gesto teatral eleva as costas da mão à testa, entreabre a boca, fecha os olhos, fica ali parada um instante, em periclitância (a palavra existirá?), e deixa-se cair como um saco de batatas. Fanicos destes só deveriam ser permitidos em récitas de sociedades amadoras. E é pena, porque o fanico, mais o inenarrável sotaque espanhol dos actores portugueses (ai, aquela bichona arquetípica... ai, aquela madame de bordel rechonchuda...), maculam indelevelmente um filme escorreito e bem feito.

Nota muito mais para a soberba música de António Pinho Vargas. Por onde andas, que há demasiado tempo não ouvimos a tua melancolia?

25 de dezembro de 2003

O MEU ABRIGO

Quando cheguei a casa da consoada, a SIC Notícias estava a dar um programa dedicado a Mafalda Veiga e aos seus concertos de há alguns meses no Coliseu. As canções de Mafalda Veiga são um bálsamo pessoal e intransmissível, têm o condão de me devolver um semblante de normalidade em momentos por alguma razão mais complicados. Muitos amigos meus pasmam incrédulos perante este meu gosto que acham aberrante face às coisas que costumo ouvir; e eu já desisti de lhes tentar explicar.

Acontece, apenas, que as canções de Mafalda Veiga conseguem cristalizar em palavras simples e acessíveis toda as complexidades das emoções que nos atravessam no quotidiano. São canções construídas segundo as melhores regras clássicas do songwriting - uma letra e uma melodia em exacto equilíbrio, em perfeita coabitação criativa. Quando ouço as canções de Mafalda Veiga, revejo-me nelas; reencontro as contradições e os prazeres simples que povoam a minha vida. Se eu soubesse escrever canções, gostaria de as escrever como ela.

Há uma que me toca particularmente. Sei que algumas pessoas a acharão poesia adolescente de pré-universitário - é um erro em que por vezes ela se deixa cair, mas isso apenas engrandece os momentos em que ela se transcende - mas, para mim, é uma das mais perfeitas definições daquelas noites que nos marcam para sempre, por vezes até com pessoas que raramente vemos depois, com amigos que se perdem de vista ou amores que nunca o chegam a ser. Chama-se "Cúmplices" e ela escreveu-a para os fãs que a seguem; mas prefiro pensar que ela a escreveu a pensar nas noites que todos nós vivemos a espaços, que acabam cedo demais mas ressoam para sempre, onde parecemos descobrir o segredo do universo nas coisas mais simples. Está no álbum que ela lançou no início do ano, "Na Alma e na Pele", um dos melhores 30 discos que ouvi em 2003. Com a devida vénia, aqui deixo a letra.


a noite vem às vezes tão perdida
e quase nada parece bater certo
há qualquer coisa em nós inquieta e ferida
e tudo o que era fundo fica perto

nem sempre o chão da alma é seguro
nem sempre o tempo cura qualquer dor
e o sabor a fim do mar que vem do escuro
é tantas vezes o que resta do calor

se eu fosse a tua pele
se tu fosses o meu caminho
se nenhum de nós se sentisse nunca sozinho

trocamos as palavras mais escondidas
que só a noite arranca sem doer
seremos cúmplices o resto da vida
ou talvez só até amanhecer

fica tão fácil entregar a alma
a quem nos traga um sopro do deserto
o olhar onde a distância nunca acalma
esperando o que vier de peito aberto

se eu fosse a tua pele
se tu fosses o meu caminho
se nenhum de nós se sentisse nunca sozinho



Faz-me bem ouvir esta canção.

O SOM MAIS TRISTE DO MUNDO

Até nem estava a ser um mau Natal, apesar de tudo. Mas a caixinha de música veio estragar tudo.

A caixinha de música é o som mais triste do mundo. É o som do paraíso perdido que nunca mais se vai recuperar. É o som de tudo o que se quis ter e nunca se teve. É o símbolo eterno do inatingível. É o sonho da felicidade impossível de realizar. É o som da inocência que se perdeu no momento exacto em que se compreendeu. É o som de tudo aquilo que se perdeu para sempre no passado que não volta mais.

A caixinha de música é o som de quando somos crianças, e não sabemos que o mundo é grande e difícil, e acreditamos que o futuro será risonho e radioso. Por isso, não o quero ouvir; não porque queira esquecer que fui criança, mas porque sei que o fui e não o posso resgatar.

E quando ouvi o som da caixinha de música que a minha mãe recebeu este Natal, os meus olhos marejaram-se de lágrimas, porque vi que para ela este também é o som mais triste do mundo.


24 de dezembro de 2003

23 de dezembro de 2003

LISBOA MENINA E MOÇA

A minha amiga Isabel percebeu que eu andava a namorar o livro de fotografias do Eduardo Gageiro, "Lisboa no Cais da Memória 1957/1974", e decidiu-se a oferecer-mo como prenda de Natal, daquelas que não têm como se retribuir. É uma sumptuosa recolha de instantâneos de uma cidade que já não existe, fotografados com a graça aérea e a urgência intensa de quem sabe que aquele instante não volta mais. E que navega, com uma agilidade impressionante, entre os vários níveis de um país que, já então, andava fora do mundo e atrás do tempo.

Não me recordo desta Lisboa, que já se desvanecia enquanto eu cresci, mas é como se a conhecesse desde sempre, fixada nas memórias que leituras e visões se foram encarregando de me construir. E Gageiro fotografa-a em tudo o que ela tem de mítico e de mesquinho, de terno e de brutal. Esta Lisboa que já não existe em corpo continua presente em espírito em cada um de nós, e neste livro reconhecemos algo de tão nosso como o código genético, uma espécie de atavismo local passado de geração em geração.

É a mais bela e a mais terrível das Lisboas que aqui se vê, registada com o amor que só quem muito a ama lhe consegue ter. E registando na transiente eternidade do papel fotográfico, mesmo a preto e branco, a luz mediterrânica e telúrica que em mais lado nenhum do mundo existe.

AFORISMO INÚTIL #2

Desculpem insistir em "Play Time". Mas, em conversa com o Gonçalo, acabei de me lembrar que o filme de Jacques Tati é uma espécie de versão em movimento dos livros do "Onde Está o Wally?". Com a diferença de que, aqui, o Wally é o gag que tem de se procurar e de se descobrir no meio daquela fervilhante floresta de invenção visual.

A FADIGA DOS MATERIAIS

Ao passar ontem de carro pela praça de Alvalade (não perguntem), fiquei escandalizado quando vi um buraco onde costumava estar o cinema Alvalade. O choque instantâneo só foi possível pelo papel que aquela sala teve no meu imaginário cinéfilo, embora, anos mais tarde, também lhe admirasse a arquitectura volumosa e arejada. Há muito que ouvia que o espaço ia sofrer uma reconversão em multi-salas, mas se for verdade nunca pensei que fosse preciso demolir o que já existia. Ou terá também ele sucumbido à voragem imobiliária?

Não quero sequer entrar na patetice velho do Restelo do "antes é que era bom", nem cair nos lamentos tardios de quem nada fez para impedir as coisas, nem nas demagogias baratas de quem salva as coisas para depois não saber o que fazer com elas (porque é que a Câmara, ainda nos tempos de João Soares, comprou o São Jorge se agora não sabe o que fazer dele e o deixa a ser programado ao Deus dará?). Limito-me a constatar, com algum desencanto, que tudo se desmorona com o tempo e somos impotentes para o impedir. Um cinema como tudo o resto.

21 de dezembro de 2003

O MELHOR AMIGO DO HOMEM

Não há muito tempo, o meu irmão perguntou-me porque é, que sempre que eu saía de casa dos meus pais, parecia ter um ar acabrunhado, com os olhos no chão. Respondi-lhe prosaicamente que era para não pisar as prendinhas que os cãezinhos da vizinhança, superiormente educados, deixavam nas ruas do bairro das Colónias. E, de facto, talvez não haja mais lacónico sinal da educação dos portugueses do que a insistência em levar os cães a conspurcar aquilo que deveria ser de usufruto público - e a teimosia em deixar as coisas como estão. Quem não tem cão manda vir por os cãezinhos dos outros sujarem a rua, mas quando passa a ter cão faz exactamente o mesmo que antes condenava. Enquanto isso Pedro Santana Lopes gasta fortunas a dizer o que é que anda a fazer por Lisboa, embora eu francamente não tenha dado por isso (a não ser no trânsito na zona das Amoreiras, que piorou significativamente).

É por essas e por outras que eu continuo a preferir, de longe, os gatos.

MILAGRES POR SMS

E não é que as cartas em cadeia já chegaram ao SMS? Parece que em alturas de crise as pessoas agarram-se mais a estas coisas. Há quem jogue no totoloto, há quem prefira esperar que a felicidade lhe baterá à porta por ter querido espalhar uma mensagem de paz e amor. "Faz bem sem olhar a quem", dizia o provérbio -- mas então porque é que as "instruções" apenas pedem para a mensagem/carta ser enviada apenas a pessoas de quem gostamos? Porque é que só havemos de desejar a felicidade para os nossos próximos e não para os outros todos? O lado simbólico da questão é interessante, mas raramente sobrevive a uma análise desapaixonada. O porquê do fenómeno, esse, há sempre de escapar à minha compreensão. Há uma teoria, assinalavelmente cínica, que as cartas em cadeia são invenções dos correios para aumentar o tráfego. Será que os operadores telefónicos também já começaram a fazê-lo?

PUBLICIDADE DESAVERGONHADA

Confesso que houve três razões que me deram vontade de começar este blog.

A primeira, a falta que o Forum Sons (www.forumsons.com) me andava a fazer. A segunda, a vontade de fixar algures as palavras que vou deixando perdidas por n blocos de notas. A terceira, o blog do Alexandre Monteiro (alexandre-monteiro.blogspot.com). Chama-se "No Arame" e cheguei lá por acaso, através de uma discussão no Forum Mergulho (www.forum-mergulho.com - mais sobre isso em breve). E descobri alguém que já estava a fazer aquilo que eu queria fazer com um blog: uma espécie de diário aleatório onde vale tudo. Fiquei invejoso e quis fazer o meu. Fiquei deslumbrado e continuo a visitá-lo diariamente. Fiquei com vontade de fazer um tão bom como o dele -- e ainda falta muito para lá chegar. Mas temos tempo.

Menções honrosas, de qualquer modo, para a paixão do Vítor Junqueira (Juramento sem Bandeira, juramentosembandeira.blogspot.com), do Nuno Proença (A Ampola Faz Pop, ampola.blogspot.com) e do Álvaro Costa (Via Rápida, viarapida.blogspot.com), aqueles que visito mais assiduamente. O Luís Guerra tinha um bom mas acabou com ele. Reconsidera, por favor. A nação ficar-te-á reconhecida.

VÁ, DÊEM LÁ UMA OPORTUNIDADE AOS MOÇOS

É sempre curioso ver o que é que uma revista "de referência" como a americana Time faz quando decide escrever sobre música moderna. Na edição desta semana, Josh Tyrangiel, o colunista habitual da área pop/rock, dá uma página aos meus bem-amados Fountains Of Wayne, a quintessência da pop veraneante falsamente idiota. O pretexto é o inesperado sucesso pelos States de "Stacy's Mom", single retirado do álbum "Welcome Interstate Managers" (S-Curve/EMI, 2003), terceiro longo do grupo e primeiro após um interlúdio de três anos. É bom ver a Time a defender as minorias -- e até a mandar bocas à artrose galopante do júri dos Grammies. Afinal, Tyrangiel até já disse mal de Jewel e, na semana anterior, achava que Rod Stewart devia ter ficado calado em vez de andar a gravar standards que lhe ficam mal. Só é pena é que o interesse chegue agora -- é que os discos anteriores até eram melhorzinhos...

20 de dezembro de 2003

UMA PERGUNTA

É impressão minha ou ter a Grande Reportagem como suplemento do Diário de Notícias ao sábado é bem mais estimulante do que a grande entrevista do DNA?

FRANCOFONIA #2

Etienne Daho é uma das figuras-chave da pop francesa dos últimos vinte anos, e tem um disco novo ao qual não se tem prestado grande atenção, "Reévolution" (Virgin/EMI, 2003). Percebo porquê: Daho por cá é mesmo um gosto adquirido de minorias francófonas, e o álbum carrega muito num tom hedonista muito pouco politicamente correcto, paredes-meias com a perversão mainstream. Apenas Miguel Cunha, no Blitz, Nuno Galopim, no Diário de Notícias, e Jorge Lima Alves, no Expresso, lhe prestaram atenção -- e dos três só o Miguel gostou realmente do disco. Confesso que, mesmo sendo incondicional de Daho há longos anos, "Reévolution" parece-me longe de ser um grande disco, mas o seu tom borbulhante e blasé parece-me ideal para contrariar a neurose reinante. Que precisa de ser contrariada, a todo o custo.

FRANCOFONIA #1

Termino a leitura da fantástica "memória descritiva" que François Ede e Stéphane Goudet criaram para acompanhar a versão restaurada de "Play Time" (infelizmente, o livro apenas existe em francês, lançado pelos Cahiers du Cinéma). É um luxuoso álbum de 200 páginas, apenas ligeiramente mais pequeno que um velho LP, repleto de imagens do filme em grande formato. Traz uma espécie de diário de rodagem, seguido por um espantoso ensaio (por uma vez, muito pouco hermético, como é hábito da intelligentsia francófona) que é uma espécie de "chave de interpretação" de muitas das pistas e dos gags alinhados por Jacques Tati. E, o que é melhor, é um ensaio que não "fecha" o filme. Antes pelo contrário: abre-o para vermos nele aquilo que quisermos. Porque o sonho de Tati era que o filme apenas começasse no exacto momento em que saímos da sala.

19 de dezembro de 2003

PLAY TIME

Rendição incondicional: João Lopes, no Diário de Notícias, e Vasco Câmara, Manuel Graça Dias e Luís Miguel Oliveira, no Y (Público), sucumbem ao charme obsessivo da obra-prima de Jacques Tati, a partir de hoje no cinema Nimas, em Lisboa. Resta desejar que o povo acorra e, nesta época natalícia, se deixe iluminar pela magnificência de "Play Time - Vida Moderna".

AFORISMO INÚTIL I

Se o silêncio é de ouro, porque é que o disco é de platina?

17 de dezembro de 2003

NÃO BOM I

Diz o cartaz de promoção que Lisboa vai-se ver do espaço na passagem do ano na Praça do Comércio, referindo-se ao espectáculo com os Santos & Pecadores e Luís Represas. O problema não é que se veja do espaço - convirá é que não se ouça. Seria demasiado humilhante que esses fossem os nossos cartões de visita.

16 de dezembro de 2003

MANIFESTO RODA LIVRE

Porque sim. Porque me apetece. Porque tenho ideias em roda livre na cabeça que se perdem em pedaços de papel que nunca mais redescubro, que guardo mentalmente e depois perco para sempre. Porque nem sempre sei o que fazer com elas. Porque nem sempre as quero perder. Porque um blog não tem de ter uma lógica. Basta que tenha palavras. Marcamos encontro?

A CANÇÃO DE EMBALAR DA SRA. POTTER

well I woke up in mid-afternoon
cause that's when it all hurts the most
I dream I never know anyone at the party
and I'm always the host
if dreams are like movies,
then memories are films about ghosts
you can never escape,
you can only move south down the coast

well, I am an idiot walking a tightrope of fortune and fame
I am an acrobat swinging trapezes through circles of flame
if you've never stared off into the distance,
then your life is a shame
and though I'll never forget your face, sometimes I can't remember my name

hey mrs. Potter don't cry
hey mrs. Potter I know why but
hey mrs. Potter won't you talk to me

there's a piece of Maria in every song that I sing
and the price of a memory
is the memory of the sorrow it brings
and there is always one last light to turn out
and one last bell to ring
and the last one out of the circus
has to lock up everything

or the elephants will get out
and forget to remember what you said
and the ghosts of the tilt-a-whirl
will linger inside of your head
and the ferris wheel junkies
will spin them forever instead
when I see you a blanket of stars covers me in my bed

hey mrs. Potter don't go
hey mrs. Potter I don't know but
hey mrs. Potter won't you talk to me

all the blue light reflections
that color my mind when I sleep
and the lovesick rejections
that accompany the company I keep
all the razor perceptions that cut just a little too deep
hey I can bleed as well as anyone, but I need someone to help me sleep

so I throw my hand into the air
and it swims in the beams
it's just a brief interruption
of the swirling dust sparkle jet stream
well, I know I don't know you
and you're probably not what you seem
but I'd sure like to find out
so why don't you climb down off that movie screen

hey mrs. Potter don't turn
hey mrs. Potter I burn for you
hey mrs. Potter won't you talk to me

when the last king of Hollywood shatters his glass on the floor
and orders another
well, i wonder what he did that for
that's when I know that I have to get out because I have been there before
so I gave up my seat at the bar
and I head for the door

we drove out to the desert
just to lie down beneath this bowl of stars
we stand up at the Palace
like it's the last of the great Pioneertown bars
we shout out these songs
against the clang of electric guitars
you can see a million miles tonight
but you can't get very far

hey mrs. Potter I won't touch and
hey mrs. Potter it's not much but
hey mrs. Potter won't you talk to me

(Counting Crows, "Mrs. Potter's Lullaby" in "This Desert Life" DGC/Geffen 1999)

Adam Duritz é um poeta e ninguém reparou. Confirma-se que anda tudo surdo.