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31 de julho de 2006

A CÚPULA DO PRAZER

Continua a ser um dos maiores écrãs de cinema que já vi: o Pacific Arclight Cinerama Dome em Sunset Boulevard, entre as ruas Vine e Ivar, "pedra de toque" do complexo de 14 salas Arclight no centro de Hollywood, mantém a extraordinária arquitectura de cúpula geodésica muito anos 1950 (mesmo que, entretanto, a sala tenha sido rejuvenescida e renovada). É um écrã monstruoso, construído em 1963 para o 70mm primitivo que era o Cinerama, frente a um anfiteatro circular de 900 lugares que lembra o nosso Planetário Gulbenkian. Gostava de ter lá visto um filme verdadeiramente espectacular em termos visuais — tive de me consolar com "A Scanner Darkly", de Richard Linklater, mas a experiência de ver mesmo um "pequeno filme" num écrã verdadeiramente "grande" (de 26 metros de comprimento por 10 de altura, como já não há em Lisboa) é algo que não se esquece por nada.

30 de julho de 2006

A COMIDA AMERICANA EXISTE?

É, estou seguro, uma pergunta válida. O conceito de comida americana existe no "diner": a sanduíche, o hamburger, a dose industrial, a panqueca, o pequeno-almoço. E a verdade é que os restaurantes de Los Angeles são, quase todos, restaurantes de "outras" culinárias.

Four Seasons Hotel Los Angeles at Beverly Hills (300 South Doheny Drive, Beverly Hills): lulas panadas com maionese rémoulade, salada de feijão verde, cogumelo shiitake e corações de palma e tartelete de queijo ricotta e limão.

Chin Chin Grill (8618 Sunset Boulevard, West Hollywood): massa chinesa com frango e camarão em molho de tomate e manjericão.

French Quarter (7985 Santa Monica Boulevard, West Hollywood): camarão panado ("popcorn shrimp") e "wrap" de galinha e legumes em molho pesto.

29 de julho de 2006

A CIDADE DA AUTO-ESTRADA

Quanto mais tento explicar aos amigos e à família porque estranhei tanto Los Angeles, mais compreendo que Los Angeles não é, de todo, uma cidade como nós, europeus, estamos habituados a conhecer (o que, depois de ter conhecido em São Francisco uma cidade "à europeia" construída na América, apenas sublinha como os EUA não são "um país" mas sim muitos países aglomerados).

Los Angeles é como se Lisboa não acabasse às Portas de Benfica, ao Parque das Nações, à travessia da Ponte 25 de Abril ou à entrada de Algés, mas continuasse até Cascais, até Sintra, até Almada ou Barreiro ou Alcochete, mas sem os troços de descampado, de serra ou de praia ou de verde, substituidos por uma linha constante de estradas e casas e escritórios e armazéns e lojas e centros comerciais. Los Angeles é uma espécie de enorme dormitório que se estica a perder de vista, cujas vias rápidas de cinco faixas de rodagem e entradas e saídas constantes são autênticas "veias" que a alimentam, e onde cada bairro é de tal modo perfeitamente auto-suficiente (com as suas lojas, os seus supermercados, os seus centros comerciais, os seus cinemas, os seus restaurantes) que é perfeitamente possível passar o tempo todo ali sem ter de descer à Baixa ou ao centro da cidade. Los Angeles é uma cidade que não tem alma de cidade: é uma conveniência, um sítio onde se vive e se trabalha e se passam duas horas por dia ou mais ao volante.

28 de julho de 2006

MANTEIGA DE AMENDOIM

Não sei bem explicar isto, mas estou a dar por mim fã da manteiga de amendoim. Não é sequer um fenómeno relacionado com as minhas visitas a solo americano (porque não comi manteiga de amendoim uma única vez enquanto lá estive), e nunca sequer costumava gastar da coisa por cá.

Mas, aqui há umas semanas, uma improvisação de massa chinesa com camarão implicava um molho, e por sugestão de um amigo experimentei um molho que levava manteiga de amendoim (o molho ficou bom, por sinal). Fiquei com um frasco de manteiga de amendoim pouco usado e decidi-me a experimentar a coisa em pão de forma. E não é que fiquei fã?

26 de julho de 2006

25/07/2006: AF 069, LAX 18h25 - PARIS CDG 14h00

À entrada para o voo, ouço a senhora que está a chamar que “as filas 28 a 48 podem embarcar pelas duas filas”. À esquerda (classe económica), há um engarrafamento causado por um grupo numeroso e ruidoso de adolescentes italianos; à direita (primeira classe), está tudo vazio. Tendo ouvido a senhora dizer que o embarque está aberto nas duas filas, dirijo-me à fila vazia, a segurança diz-me que “não é aqui” e eu digo-lhe que acabei de ouvir no altifalante que sim. Aparece a agente de embarque que, com muito maus modos, me diz “eu é que sei e não pode embarcar por aqui”. Não gosto que me façam passar por parvo. Volto para a fila, que entretanto engrossou.

Durante o voo, percebo que o grupo italiano, ruidoso, barulhento, numeroso, está sentado nas filas atrás de mim. São nove da noite em Los Angeles e São Francisco, cinco da manhã em Lisboa, seis em Paris e eles continuam com o gás todo, mesmo depois das luzes de cabina terem baixado e de haver gente que deu a entender que quer dormir, queixando-se até às hospedeiras. Sem resultado. Para os italianos, é como se estivessem sozinhos no avião, até nos gritinhos que lançam quando a aterragem em Paris prova ser mais turbulenta do que o esperado.

25 de julho de 2006

ELOGIO DO CROISSANT DE AMÊNDOA

Quem vos avisa, vosso amigo é: se estiverem por Los Angeles, dêem um pulo ao café e salão de chã La Conversation (638 North Doheny Drive, em Beverly Hills), e provem os bolinhos extraordinários que o Steve Carson faz. O brownie coberto com morango fresco é pecaminoso, as panquecas de abóbora servidas ao pequeno almoço são divinais, mas o croissant de amêndoa (massa folhada fresquíssima coberta com açúcar glaceado e lascas de amêndoa) é uma das mais extraordinárias tentações que já provei. Com o excelente sumo de laranja e o café aceitável, o pequeno-almoço fica pelos 15-20 dólares (12-16 euros), mas garanto que é dinheiro bem investido, porque a comida é tão boa e a dose tão generosa que dificilmente vão ter vontade de comer à hora de almoço.

24 de julho de 2006

TRANSMISSÃO AUTOMÁTICA

Em Los Angeles, não vale a pena andar à procura dos transportes públicos (apesar de existir uma rede abrangente de autocarros, e um embriónico serviço de metro). Toda a gente conduz carro, e se se quer ir a algum lado na Grande Los Angeles o carro é inevitável. Tal como os engarrafamentos nas "freeways" que cortam e rodeiam a cidade e mudam de nome a cada dezena de milhas, e as enormes estruturas de parqueamento e parques privativos de lojas que surgem a intervalos regulares.

Em Roma, sê romano, e alugamos um carro (na Enterprise, dez dias de aluguer com quilometragem ilimitada e depósito cheio à entrada de uma viatura do escalão mais barato ficam-nos por 280 dólares mais 60 dólares de gasolina - 270 euros ao todo). Como todos os carros americanos, é um carro de transmissão automática de um modelo que não existe na Europa: um Chevy Cobalt de quatro portas, definido como "compact" na tabela de preços (é o equivalente deles de um citadino como o Renault Clio ou o Seat Ibiza, só que com as dimensões de um Ford Focus ou de um VW Golf). A habituação ao sistema americano de guiar - a caixa automática dispensa a alavanca das mudanças e a necessidade de mudar manualmente a mudança, e dispensa o pedal da embraiagem, pelo que o condutor só precisa de se preocupar com o acelerador e com o travão - é rápida, embora, como o David diz entre risos, perceba à distância que eu estou sempre a levar a mão à alavanca inexistente das mudanças.

O motor do Cobalt não é a coisa mais potente que já guiei, mas o carro guia-se bem, porta-se melhor e gasta pouco aos cem (apesar da maior onda de calor em Los Angeles em anos, na base dos 40 graus para cima, exigir o ar condicionado ligado permanentemente). Quando devolvemos o carro à Enterprise, fizemos 800 milhas (1300 km) sem nunca sair da grande área metropolitana de Los Angeles, apenas a fazer a "commute" diária entre Pasadena e Beverly Hills, com duas passagens por Long Beach e a ida à Disneylândia, em Anaheim, como excepções.

23 de julho de 2006

SERRA DO CALDEIRAO

Antigamente, quando se fazia Lisboa-Algarve de carro, muito antes da auto-estrada, era quase obrigatório fazer as curvas e contra-curvas da Serra do Caldeirão. Laurel Canyon Road são duas faixas de rodagem em mau estado que serpenteiam por entre o desfiladeiro Laurel, cortadas a meio, no topo do desfiladeiro, por Mulholland Drive. A estrada, que leva 10-15 minutos a percorrer a um máximo de 20 milhas por hora, funciona como um atalho ao qual se acede por Cahuenga Boulevard no lado de Studio City (perto do complexo de estúdios da Universal - é a zona em melhor estado da rua) e por Crescent Heights no lado de West Hollywood (com uma ligação quase directa a Sunset Boulevard, mas com o asfalto completamente maltratado). São vários quilómetros de curvas e contra-curvas por entre árvores e casas que literalmente desafiam as inclinações da natureza e que projectam a imagem perfeita do Verão californiano.

692 WOODBURY ROAD

Los Angeles não é uma cidade; antes uma federação de comunidades, um aglomerado de “cities” que parece ser um único subúrbio contínuo ligado por intermináveis vias rápidas de quatro, cinco faixas de rodagem, formando a Grande Los Angeles. Pasadena é uma dessas comunidades, um subúrbio afluente que fica a 30 minutos do grande centro (se o trânsito estiver bom), que se pode percorrer por inteiro sem nunca encontrar um arranha-céus ou um prédio de muitos andares. Somos convidados numa espantosa mansão restaurada ainda em processo de redecoração no estilo da renascença espanhola e ficamos no que é aqui chamado uma “casa da sogra” junto à garagem e com acesso ao jardim: uma casa separada usada para receber hóspedes com cozinha, casa de banho, frigorífico e máquina de lavar próprias. Há muitos proprietários que alugam estas casas e quem construiu a casa devia gostar muito da sogra para lhe dar uma casa destas.

A ARTE DA FILA

A maior parte das atracções da Disneylândia implicam esperar numa fila. Mas nada daquelas confusões à antiga portuguesa de filas ao deus dará: a própria arquitectura da atracção já inclui a fila, numa série de corredores serpenteantes que procuram garantir que ninguém passa à frente de ninguém (pormenor importante: a saída fica sempre longe da entrada, para manter o “suspense” junto de quem nunca visitou a atracção e garantir que o ambiente cuidadosamente construído na fila não é quebrado por quem acaba de sair e pode contar as surpresas).

As atracções mais concorridas, em dia não, podem obrigar a uma ou duas horas de fila; nesta quinta-feira quente de Julho, o máximo que esperamos é 40 minutos, que se passam bem a observar o comportamento do americano médio, tão barrigudo como o português médio, e da sua prole enquanto esperam. Muitos deles trazem a família toda e poucos têm só uma criança.

Na fila para a Haunted Mansion (30 minutos a serpentear pelos jardins de uma mansão colonial sulista que se revelará uma espécie de casa assombrada light que percorremos num sofá rotativo montado em cima de um tapete rolante), esperamos a seguir a duas trintonas que entre si trazem três crianças, duas meninas e um rapaz, que terão os seus sete-oito anos. Nos jardins, a fila passa junto a um gradeamento elevado em cima de tijolos – praticamente não há nenhuma criança na fila que resista à tentação de subir para o gradeamento e, contra os protestos dos pais, andar em cima dele. O rapaz está irrequieto, começa por queixar-se que se calhar vai ter medo, enquanto as miúdas (primas? Irmãs?) lhe dizem que não, não mete medo nenhum. A certa altura, cansado de estar na fila, o miúdo começa a deixar-se ficar para trás; a mãe começa a perder a paciência e arrasta-o. Recebe uma chamada telefónica e começa-se a queixar do mau comportamento do filho (presume-se que ao pai). Um pouco mais à frente, o miúdo começa a dar pontapés no chão, como um touro que se prepara para a investida sobre o matador; um dos seus pontapés acerta-me na canela, a mãe, que estava distraída, ouve o meu “ai” e pede-me desculpas acabrunhadas. Finalmente, o miúdo começa a queixar-se que quer ir à casa de banho. A mãe não é de modas e decide que, pronto, já chega, não vamos à Haunted Mansion, e na primeira ocasião saí da fila.

21 de julho de 2006

PASADENA BY NIGHT

Descer a Lake Avenue no banco de tras de um descapotavel aberto a brisa de uma noite perfeita de Verao.

DISNEYLAND

A cerca de 25 milhas da baixa de Los Angeles, a Disneylândia original, que celebra este ano o 50º aniversário, anuncia-se como “the happiest place on Earth”. Por um preço: 50 dólares de entrada (para um bilhete de um dia que dá acesso apenas ao parque original, sem acesso ao mais recente parque de diversões mais radicais, Disney’s Califórnia Adventure), mais 10 dólares de estacionamento, mais o preço da comida nos restaurantes (dificilmente menos de 20-25 dólares por pessoa) e das águas e refrescos nos stands (dois dólares e meio), etc, etc, etc. Pelo direito de passar um dia inteiro no meio de uma multidão de gente vinda de todo o mundo, muita dela em excursão-rodarte familiar, dentro de uma feira popular elevada à potência 15, por baixo do calor tórrido do sol californiano, de passar meia hora em algumas filas para algumas atracções.

Mas, pelo meio de tudo isto, o “happiest place on Earth” é, mesmo, o “happiest place on Earth” porque o preço dá-nos também o direito de, nem que seja por um momento fugaz (e, neste dia passado no parque, foram muitos momentos fugazes), reencontrarmos a criança escondida dentro de nós. Quer seja nas montanhas-russas primitivas do Matterhorn Bobsleds ou da Big Thunder Mountain Railroad ou na maior sofisticação da Indiana Jones Adventure, ou na ingenuidade mal disfarçada de algumas atracções que transpiram o tempo em que foram concebidas (Mr Toad’s Wild Ride ou a Enchanted Tiki Room, velha de 40 anos e tão para lá de kitsch que já quase exige uma categoria própria para si só), há de tudo para todos na concepção sanitizada deste parque onde o mundo real fica à entrada e só volta a aparecer quando o carro sai da enorme garagem de estacionamento e regressa às auto-estradas infindáveis que correspondem à essência de Los Angeles. E nesse momento sentimos uma pequena tristeza por termos de deixar aquele parque de diversões a transbordar de gente e de calor e de dinheiro em caixa, porque a Disneylândia é um sonho em que queremos todos acreditar, mesmo depois de sabermos que é um sonho um pouco bafiento, prisioneiro de um tempo que já não existe.

20 de julho de 2006

SUBURBIA (outra vez sem acentos)

Los Angeles parece ser um longo suburbio que se prolonga ad infinitum ao longo de quilometros e quilometros, em que e preciso pelo menos meia hora de carro para se chegar a qualquer lado. Nao tenho estado ligado a rede (apenas uma vez por dia), mas nao faltam historias para contar - quando tiver um bocadinho de disponibilidade, prometo que as conto.

17 de julho de 2006

ESTRADAS PERDIDAS

Los Angeles é uma federação de bairros, uma interminável cidade de estradas com casas e lojas e centros comerciais pelo meio do asfalto ladeado por palmeiras e árvores. Los Angeles é, como diz o David, uma "cidade incorporada", composta por zonas (West Hollywood, Pasadena, Beverly Hills, Studio City, Glendale, e por aí fora) que, todas juntas, formam a "Greater Los Angeles". Mas, ao contrário de São Francisco, não se sente tanto a vivência de bairro, talvez porque o carro é aqui meio de transporte essencial - o sistema de transportes públicos é relativamente ineficiente e só os autocarros cobrem a maior parte da rede (há uma rede de metropolitano, mas não é exactamente grande) - e as pessoas não andam realmente a pé (a regra é o "valet parking", em que os restaurantes e lojas têm empregados que se encarregam de arrumar o carro do cliente em parques privativos ou públicos próximos, ou o "customer parking", pequenos parques exclusivos para os clientes nas traseiras de restaurantes ou lojas).

KLM 0601: AMS 13h15-LAX 15h15: 15/07/2006

O que é que se faz quando se têm dez horas de vôo pela frente e um espaço útil de assento de coxia apertada que não foi feito para 1m90 de altura (porque todos os espaços feitos para 1m90 de altura estão já ocupados por pessoas que também têm 1m90 de altura), ainda por cima num vôo cheio de fim de semana que parece transportar uma espécie de "excursão rodarte" de holandeses a caminho de férias em Los Angeles, com dois bebés de colo na fila da frente e dois outros na fila de trás?

Às tantas, há miúdos a correr pelos corredores acanhados, não dá sequer para os mandar bugiar para outro lado. Este Boeing 747 é de modelo bem menos moderno que o meu vôo de Londres para São Francisco em Janeiro, e as hospedeiras de bordo têm qualquer coisa de educadoras de infância, a julgar pela paciência com que brincam com os miúdos.

Por mais que tente, não dá mesmo para dormir; nem sequer consigo ter espaço para descalçar as botas e passear pelos corredores. E estes vôos transcontinentais implicam sempre uma extensão do dia da pessoa, prolongando-o para uma espécie de directa, com as ligações a obrigarem-nos a levantar cedo e a deitar tarde (é impraticável que alguém durma realmente bem na véspera de um dia passado entre aviões que nos obriga a levantar às cinco da manhã e nos atira para a cama às sete da manhã do dia seguinte no sítio de onde partimos - embora sejam apenas onze da noite em Los Angeles).

16 de julho de 2006

SCHIPHOL IN TRANSIT

Schiphol, Amesterdão, é um aeroporto extraordinariamente organizado, perfeitamente sinalizado, mesmo acolhedor (partindo do princípio que um aeroporto é um sítio acolhedor). É um mundo onde as lojas não têm uma única marca; são identificadas apenas pelos produtos que vêem (perfumes, cosméticos, electrónica, jornais e revistas, diamantes, jóias). O tapete rolante, junto à porta onde aguardo o embarque para Los Angeles, repete, todos os cinco segundos, "mind your step" - sinto-me no metro de Londres, sem o mínimo risco de me perder. Para trás, nesta manhã de sábado, duas horas e meia de vôo desde Lisboa, à minha frente dez horas e meia até Los Angeles. E, como sempre que estou em trânsito num aeroporto, pareço sentir-me fora do mundo.

15 de julho de 2006

STRESS

Somem lá, s. f. f., o calor que está (30 graus dentro de casa à uma da manhã), o incontornável stress pré-viagem (ah pois) e a necessidade de levantar cedo. Receita infalível para dormir pouco e mal.

14 de julho de 2006

O DISCO DO DESASSOSSEGO



Passar ao lado deste disco (e parece-me que anda muita gente a fazê-lo) é passar ao lado de uma das mais notáveis reinvenções sonoras dos últimos anos: 20 anos depois de "Graceland" (e a comparação nem sequer é aleatória - ouça-se "Another Galaxy" ou "Outrageous"), Paul Simon convoca Brian Eno para desenhar as "paisagens sónicas" que fazem de "Surprise" um álbum que não se revela nem à primeira, nem à segunda, nem mesmo à terceira audição da praxe. Começa por parecer um híbrido desconjuntado onde Eno se impõe a Simon, depois lentamente percebe-se como tudo faz sentido e encaixa na perfeição: "Surprise" é um álbum que traduz na sua arquitectura sonora milimetricamente descontínua o desassossego do americano moderno, um disco onde tudo faz sentido precisamente porque não o parece fazer. Simon fez o disco que quis fazer e não o poderia ter feito sem Eno: a sua poesia líquida e as suas melodias enganadoramente simples estão lá intactas. O mundo é que mudou, e o modo de elas se enquadrarem nele também. "Surprise" é uma surpresa — das boas.

(Com a mais valia de ter uma capa de primeira água, assinada por um mestre do design, o grande Chip Kidd, mais conhecido pelos seus trabalhos para livros — visíveis aqui)

13 de julho de 2006

ADELAIDE! METE OS PUTOS NA BARRACA QUE VAI HAVER PORRADA

Não sei quem foi que decidiu que, este ano, o selo do carro dispensava o habitual impressozinho e passava a ser emitido directamente no sistema informático das Finanças. Teria sido uma ideia interessante, claramente, preparar o sistema informático para a avalanche que se iria seguir, o que teria evitado resultados como aqueles a que assisti ontem na minha repartição: ao fim de uma paciente hora de fila (banda-sonora, para os interessados: "X&Y" dos Coldplay), o sistema foi pura e simplesmente abaixo. Num dos guichets, a funcionária que atendia mostrava-se tão irritada com o bloqueio do sistema como os clientes — e explicava que acontecia o mesmo de manhã cedo, às nove da manhã, e a seguir ao almoço, pelas duas da tarde, quando toda a gente ligava os computadores ou regressava do almoço.

O problema é que havia quem não estivesse na fila para tratar do selo do carro (eu incluido) e houve quem se chegasse à frente, explicando o caso à funcionária que, cheia de boa vontade, se prontificou a resolver a questão. O problema é que a senhora que se chegou à frente tinha acabado de chegar e havia quem estivesse à espera há muito mais tempo - e eu tive a feliz ideia de perguntar como é que uma senhora 50 números a seguir a mim já estava a ser atendida. "Ah, mas eu não estou aqui para o selo do carro." "Pois, mas eu também não. E não devo ser o único." (E não era.)

Não foi preciso mais para cair o Carmo e a Trindade e haver quem partisse para a ignorância, acusando a senhora de ser amiga dos funcionários, de ser favorecida, etc, etc. Ou seja, havia quem estivesse irritado por lhes terem passado à frente, e havia quem estivesse irritado por não ter sido chico-esperto e ter feito o mesmo que a senhora tinha feito. E havia ainda quem protestasse, mas quisesse manter a moralidade.

Às tantas, a funcionária já dizia que não tinha culpa do sistema do selo do carro não funcionar (verdade) e que às tantas começa a ser preciso haver polícia para regular a confusão. Não por acaso, tinha havido um polícia à espera na fila (não sei para tratar do quê), mas entretanto tinha-se fartado e ido embora.

12 de julho de 2006

11 de julho de 2006

O PRIMEIRO SEGREDO DE BERLIM

A bolsa de apostas sobre o que terá Materazzi dito a Zidane para que o jogador francês se vá a ele como touro arfante a diestro de capa vermelha começa a parecer-se perigosamente com o célebre Terceiro Segredo de Fátima: toda a gente tem uma opinião mas ninguém sabe o que realmente foi dito.

10 de julho de 2006

CONTINUANDO O SEMPRE BEM-VINDO TÓPICO PLANTÍGRADO

Não gosto tanto de pandas como dos ursos menos "kiduchos", mas aqui confesso que também não consigo resistir.

9 de julho de 2006

MUNDO DE AVENTURAS

Já não é a primeira vez que passo pela loja na rua da Misericórdia e fico a olhar para a montra e para o seu interior, mas foi a primeira vez que entrei na Loja das Colecções — no fundo, nada mais do que um alfarrabista mais organizado do que a média, onde em tempos existia um McDonald's — , onde coexistem alegremente, lado a lado, discos de António Mourão e Amália Rodrigues, literatura revolucionária do 25 de Abril e traduções do Portugal salazarista do "Mein Kampf".

Ao fundo, mesmo em frente à porta de entrada, estão as bandas-desenhadas. E aí, com grande surpresa, dei por uma série perfeitamente organizada de colecções do Falcão, Mundo de Aventuras e outros Selecções, entre os quais, numa breve passagem, reconheci as capas de inúmeros números de que me recordo em casa dos pais, passadas de mão em mão dos meus irmãos mais velhos (números posteriores, já dos anos 1970, eram comprados mais pelo meu pai e por mim próprio). Alguns deles ainda os tenho, guardados em minha casa num arquivo de cartão. Folheando as caixas, deliciei-me com as traduções "às três pancadas", letradas à máquina de escrever e que pareciam muitas vezes deturpar o sentido das histórias e ocupar mais espaço que os próprios desenhos. E regressei a uma época em que havia outra ingenuidade e outro maravilhamento no modo como criávamos e líamos a "pulp fiction" descartável.

8 de julho de 2006

7 de julho de 2006

6 de julho de 2006

O CLIENTE TEM SEMPRE RAZÃO

No banco, depois de levantar cheques na máquina automática, para a qual está uma fila de três pessoas atrás de mim, dirijo-me para a caixa multibanco da qual acaba de se afastar uma pessoa. O senhor de T-shirt amarela e pochette castanha toca-me no ombro e, com excessiva e melíflua educação, diz-me que "é fila única", nem me dando tempo para meter o cartão à máquina. Surpreendido, cedo-lhe o lugar e digo-lhe que não sabia que era fila única — naquela sucursal, o habitual é filas separadas. A senhora que estava atrás dele, com um sorriso "que é que se há-de fazer?", diz que qualquer pessoa acharia que eram filas separadas.

Logo a seguir, no posto de correio, dirijo-me ao balcão para solicitar um impresso de registo e um aviso de recepção para ir preenchendo enquanto espero a minha vez. A empregada pede com maus modos para esperar enquanto fala com um colega, puxando dos impressos e mantendo-os na mão enquanto conversa mas só mos entregando depois de terminar de falar.

5 de julho de 2006

MARIA ALBERTINA COMO FOSTE NESSA DE CHAMAR VANESSA À TUA MENINA

Na interminável série dos nomes-que-se-não-existissem-tinham-de-ser-inventados, numa loja do Colombo que estava com uma mão-cheia de currículos de potenciais empregados em cima da mesa, vi no topo da pilha o seguinte nome: Vilma Solange.

4 de julho de 2006

CARREIRA 28 (slight return, a pedido de várias famílias)

É domingo, meio da manhã. O eléctrico vem relativamente vazio dos Prazeres, mas é na rua da Conceição que começa genuinamente a encher, maioritariamente com turistas. Uma jovem gorda, com um bebé ao colo, faz sinal a um casal estrangeiro sentado na frente do eléctrico apontando com o dedo o letreiro vermelho que indica que aqueles lugares devem ser cedidos a idosos, grávidas ou acompanhantes de crianças de colo; não percebo se o casal não queria ceder o lugar ou, face à enchente, não se conseguia levantar antes do eléctrico parar num sinal ou numa paragem.

Algures também pela Baixa, um senhor de meia-idade, cabelo branco, camisa aos quadrados largos, calças de fazenda, sacos de plástico na mão, posiciona-se em pé ao meu lado. A certa altura, começa a cantarolar em voz alta com requebros fadistas, não sei se inventando a letra ou cantando quadras soltas, intercaladas com o assobiar da melodia. O concerto imprevisto e não solicitado, que ainda pensei se dever à forte presença turística continua no entanto depois do eléctrico se esvaziar consideravelmente no Castelo de São Jorge, e continua ininterruptamente — quando saio no Bairro das Colónias, o senhor continua a trautear impetuosamente.

3 de julho de 2006

DESCONTEXTUALIZAR POR AÍ

"Emagreci sete quilos desde que comecei a fazer de vaca num musical" - Mafalda Sacchetti, cantora, a Micael Pereira, na revista Única do Expresso, sábado, 1 de Julho.

2 de julho de 2006

PODER MATERNAL

Ameaça da mãe à criancinha que não pára de se portar mal na loja. "Olha, estás a ver o McDonald's? Já era."

1 de julho de 2006

NATUREZA MORTA NAS ESCADINHAS DA RUA DE S. BERNARDO

1 de Julho, duas da manhã: uma garrafa de meio litro de cerveja, vazia, de um lado do corrimão; uma lata de Fanta limão, vazia, do outro lado do corrimão, no mesmo degrau; uma caixa de cartão, de pastelaria, vazia, por baixo do corrimão, dois degraus abaixo, com alguns guardanapos de papel amarrotados.