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31 de janeiro de 2006

PEQUENA MEDITAÇÃO

Quando estou de férias, tenho tendência a dormir menos do que em horário normal de trabalho. Isto é estranho porque a tendência seria para dormir mais.

ATM

As caixas multibanco americanas (conhecidas por ATM - "automatic teller machines") têm todas as funcionalidades das caixas multibanco portuguesas, com uma diferença importante. Onde o sistema português é, como o nome indica, uma rede "multi-banco" onde é indiferente se quem levanta dinheiro é ou não cliente do banco desde que pertença a um banco da rede, nos EUA a rede só é "multi-banco" em termos de funcionalidade. Cada banco opera as suas próprias caixas, e qualquer cliente de qualquer banco pode levantar dinheiro em qualquer caixa - mas, se levantar dinheiro numa caixa que não pertence ao seu banco, tem de pagar uma taxa de transacção (habitualmente de $1.50, pouco mais de €1), taxa que desaparece se for cliente do banco onde está a levantar dinheiro. Não sei se estão a ver o que isto pode significar para um banco e para a bolsa do consumidor médio.

30 de janeiro de 2006

PONTES

Toda a gente sabe que São Francisco tem a ponte Golden Gate, a "gémea" da nossa ponte 25 de Abril, vermelha e tudo, que faz a ligação da enorme península que é São Francisco com o resto do estado da Califórnia e, mais prosaicamente, com o condado (já suburbano) de Marin. Mas há uma outra ponte, uns quantos quilómetros mais abaixo, que é, se quiserem, o equivalente da nossa Vasco da Gama, inclusive no tamanho: a Bay Bridge (literalmente, ponte da Baía). A equivalência é literal: acede-se à Golden Gate, vindo de São Francisco, por entre o verde que rodeia a zona do Presidio (Monsanto, se quiserem) e na margem Norte, antes de virar para Sausalito, há um miradouro que dá uma vista extraordinária para a baía; à Bay acede-se pelo meio do trânsito citadino e a travessia termina por entre o bulício suburbano de Oakland. Só que a Golden Gate pode ser atravessada a pé, pelas laterais para isso pensadas de raiz; é ver os turistas (e não só japoneses) parados a cada poucos metros com as câmaras na mão.

TiVo

Imaginem o que é terem uma caixinha mágica que vos permite gravar tudo o que vocês quiserem da televisão para ver depois, eliminando todos os anúncios, guardando apenas o programa, sem precisarem de cassettes, DVDs ou o que quer que seja. Isso existe aqui; chama-se "digital video recorder" - porque é um disco rígido com uma capacidade assombrosa - , mas é mais conhecido pela marca TiVo, uma de duas companhias (a outra chama-se ReplayTV) que têm o quase monopólio do sistema, que está ligado pela internet a um guia de TV permanentemente actualizado. Liga-se o televisor e ele fornece informação sobre o programa que está a dar, quando começou e até que horas está a dar, quem entra, quem dirige, quando foi feito, em que canal está a dar e o que vai passar a seguir.

Só é pena que a televisão americana tenha tão pouco em que valha a pena usá-lo.

SCION xB

Um dos automóveis mais estranhos que se pode ver nas ruas de São Francisco é o Scion xB. Não perguntem exactamente qual é a atracção de uma combinação de miniatura de brincar, táxi londrino e Mini, sobretudo num país que adora banheiras, porque eu não a consigo detectar e os meus amigos locais também não a percebem. Mas ele existe. E não se vê assim tão pouco como isso.

NÃO CAI NEVE EM SÃO FRANCISCO

Parece que está a nevar em Lisboa. E eu que vi neve pela primeira vez há dois dias, em Yreka: grandes flocos a flutuarem em direcção ao chão, como uma chuva em câmara lenta de algodão. Aqui em São Francisco está como Lisboa estava há pouco mais de uma semana: ameno e encoberto, ameaçando chuva a espaços.

29 de janeiro de 2006

PEQUENO GUIA DE COMPRAS

Umas calças Levi's custam em Lisboa qualquer coisa como €80. Em São Francisco, dependendo das lojas, entre $30 e $40 (€24 a €32).

A ARTE DA GORJETA

Nos EUA, a gorjeta obedece a regras específicas e pré-definidas. Num restaurante, a gorjeta que se deixa ao empregado deve ser equivalente a 15% da conta - se partirmos do princípio que estamos a pagar uma conta de 15 dólares, deveremos deixar mais um de gorjeta para o empregado (gorjeta que pode ser incluída no talão do cartão de crédito ou separadamente em dinheiro). O que ninguém diz é o que se faz quando não estamos satisfeitos com o serviço prestado. Hoje, à saída do pequeno-almoço (ou, melhor, do "brunch" reforçado que passa por pequeno-almoço aos fins-de-semana) num restaurante local que estava de tal modo a abarrotar que tivemos de esperar 15 minutos por uma mesa, em que a comida foi pouco menos que indiferente e o serviço praticamente inexistente, o David chegou-se ao gerente do restaurante e fez questão de lhe dizer que não tencionava voltar a pôr lá os pés. Aparentemente, o senhor não fez muito bem ideia do que responder. Eu não deixei gorjeta e o David também não, mas o Jack quis deixar algum dinheiro porque o empregado não tinha culpa da incompetência do gerente.

UNITED ARTISTS STONESTOWN

A experiência americana de ir ao cinema, descubro, não é afinal tão diferente da portuguesa pré-multiplex. O United Artists Stonestown Twin é um cinema dos anos 60 ou 70 que fica no bairro de (adivinharam) Stonestown, junto a um grande centro comercial ancorado por uma loja Macy's e outra Nordstrom (armazéns tipo Cortefiel ou Corte Inglés), mas é-lhe claramente anterior. São duas salas gémeas de 450 lugares num edifício separado com estacionamento próprio, bilhetes por computador e um ar de sala-estúdio que pertence a outra era do cinema - a projecção e o som são bons, mas nada do outro mundo; o átrio alcatifado rodeado por portas de vidro acede às duas salas e às casas de banho; a bilheteira fica do lado de fora, não há arrumadores na sala nem porteiro (entra-se depois de comprar os bilhetes). Claro que não poderiam faltar as proverbiais pipocas e doces e refrigerantes (juro que a cola mais pequena é meio litro de gasosa), o que é curioso para um cinema que exibe nas duas salas, em sessões desfasadas, "O Segredo de Brokeback Mountain" e passa os trailers do filme palestiniano "Paradise Now", "Memórias de uma Gueixa", "Os Produtores" e do mais recente James Ivory, "The White Countess" - e não tem cadeiras modernas com recipientes para bebidas mas sim cadeiras de cinema forradas a tecido esverdeado, como antigamente. Lá dentro, contudo, a sala é uma barbaridade: pensem no velho Londres (quando era só uma sala)... não, risquem isso: pensem no actual Londres, tripliquem-lhe o comprimento, dobrem-lhe (pelo menos) o pé direito e imaginem um King mais bafiento. Ou, para quem mora no Porto, imaginem um Nun'Álvares ao cubo. Ou seja: desenganem-se se achavam que só há multiplexes nos States. Eles também têm cinemas com personalidade.

28 de janeiro de 2006

ANCORA

No intervalo da "Oprah", anúncio ao disco dos Il Divo. "O presente perfeito para o Dia dos Namorados", dizem eles. E eu que pensava que eles estavam livres da praga.

DIAS DE CÃO

Kelsey e Shadow são os dois cães - melhor, as duas cadelas - do Michael. Shadow é preta, luzidia, enérgica, frenética, activa, brincalhona. Pega na sua bola de ténis quase desfeita e persegue toda a gente para brincar com ela, está sempre a correr corredor acima corredor abaixo. Kelsey, mais velha, é castanha, discreta, muito digna. Não anda atrás de ninguém e fica à espera que a venham tratar bem, na sua grande almofada ao canto da sala, mas de vez em quando, quando ninguém está a ver, faz-se à festa. De vez em quando, as duas mostram a dentuça arreganhada uma à outra e engalfinham-se de brincadeira na carpete da sala. E gostam muito de lamber. Sobretudo quando temos as mãos a cheirar a comida.

I-5

325 milhas (pouco menos de 500km) separam São Francisco de Yreka, no Norte da Califórnia, terra de veados e ursos e montanhas que é também a verdadeira "heartland America" que vota Bush, caça ao fim de semana e está mais próxima do homem da fronteira do que os urbanos sofisticados que habitam as cidades costeiras. 325 milhas (vezes dois, ida e volta, em 24 horas) feitas inteiramente em auto-estrada de visita relâmpago a um amigo do David, responsável pela manutenção das locomotivas e de alguns quilómetros de linha férrea regional na Yreka Western Railway. 325 milhas que desenham, sem precisar de palavras, a dimensão desmedida e desmesurada deste país-continente, com montanhas majestosas de cumes cobertos de neve rodeados de nuvens altas mesmo ao lado de auto-estradas de três faixas impecavelmente sinalizadas e percorridas pelos enormes camiões articulados que nos habituámos a ver nos filmes.

325 milhas ao longo das quais se define a cultura automóvel deste país demasiado grande e demasiado individualista para ser percorrido de outra maneira. A intervalos regulares, passamos por "rest areas" - áreas de repouso onde apenas há estacionamento, casas de banho, telefones públicos e bancos para descansar, mas nada de serviços - e, a intervalos muito mais regulares, sempre ao lado da estrada, "plazas" ou "landings" ou "courts" repletos de lojas, restaurantes, serviços, hotéis. Denny's Diner, Taco Bell, Black Bear Diner, Casa Ramos (restaurante mexicano), Hilton Garden Inn, Days Inn, Travelodge, Best Western, KFC, McDonald's, Raley's, Safeway, JC Penney, Wendy's, Olive Pit, Pizza Hut (mas poucos Starbucks). Umas atrás das outras atrás das outras, até fazerem parte da paisagem. Até tudo isto, e a própria auto-estrada, ser ela própria uma paisagem tão válida e tão americana como as montanhas majestosas. Até os carros - parte marcas asiáticas que conhecemos com modelos que nem sempre temos cá, parte marcas americanas com modelos que nunca cá vimos - serem eles próprios quase habitantes a tempo inteiro deste universo.

26 de janeiro de 2006

É A CULTURA, ESTÚPIDO

Absolutamente a não perder: o Museu da Diáspora Africana, um edifício recente de extraordinária arquitectura com uma fachada aberta à cidade, à esquina das ruas Mission e 3rd, perto dos jardins Yerba Buena, do hotel Marriott com a sua "lounge" com vista para a cidade, do multiplex Metreon e do Museu de Arte Moderna da cidade. Na exposição do terceiro andar, sobre a qual podem saber mais aqui, há uma quantidade extraordinária de grande arte moderna, como os falsos frontispícios de Glenn Ligon, "Narratives", e uma instalação assombrosa de Mildred Howard, "Open House", com um esqueleto de casa inteiramente construído em facas de cozinha. Não há bilhete de entrada: apenas um autocolante que se cola no casaco e se retira quando se sai.

À VONTADE DO FREGUÊS

Os americanos são, objectivamente e sem intenção de ofender, uns alarves. Alarves no sentido em que comem muito. Mesmo muito. É isso que torna a relação quantidade/preço vantajosa para o consumidor local, que pode perfeitamente pagar $10 (€8) por um prato principal. Só que o prato principal deles a $10 tem facilmente 50% a mais de comida do que o nosso prato principal a €8.

Um bom exemplo. O pequeno almoço é aqui uma refeição mais reforçada do que em Portugal. A nossa torrada e galão não os convence minimamente. Encomendar pequeno-almoço num café ou num diner implica, logo para começar, uma caneca de café acabado de fazer (que podemos pedir para voltar a encher sem pagar mais por isso). O sumo de laranja fica à discrição do cliente, mas há muito quem peça. Depois, a "pièce de resistance": uma pratada de comida que, por exemplo, ontem consistia de duas fatias grandes de pão "sourdough" (uma espécie de pão tigre local) torrado, dois ovos mexidos (que podem ser estrelados ou cozidos consoante o cliente desejar), duas fatias de bacon (ou duas salsichas) e batatas fritas (que podem ser substituidas por legumes ou aros de cebola ou outra coisa qualquer). Quase um almoço às dez da manhã pela módica quantia de $8.50, ou seja, €7.

Outro bom exemplo. Um almoço leve num café da Castro - pensei eu quando pedi uma sanduíche de peito de galinha. Mentira: cada metade da sanduíche trazia um autêntico bife de frango grelhado em fatias grossas de pão caseiro. E mesmo só uma fatia de pizza comprada para comer à mão numa tasca qualquer tem o dobro de uma das fatias que comemos à mesa do Pizza Hut. (Pizza Hut que, acreditem ou não, aqui praticamente não há. Nas minhas viagens por São Francisco, ainda não encontrei um único Pizza Hut e conto pelos dedos os McDonald's e KFC que vi.) Um almoço dificilmente ficará por menos de $15 a $20 sem sobremesa, mas chega e sobra para alimentar uma pessoa de bom físico durante um dia inteiro.

MUNI

O outro lado do serviço de transportes públicos de São Francisco, para lá dos eléctricos históricos que fazem o serviço entre a esquina da Market com a Castro e Fishermen's Wharf, é o metro subterrâneo (ou, enfim, semi-subterrâneo; pelo menos a linha J faz parte do percurso à superfície junto a Dolores Park) que passou agora a fechar às dez da noite devido a obras de beneficiação. O David diz-me que parte do célebre primeiro filme de George Lucas, "THX-1138", foi filmado na linha MUNI subterrânea antes de ela abrir ao público e talvez isso explique (embora eu não veja o filme há anos) porque carga d'água toda a arquitectura e ambiente do metro me parece tão anos 70, tão estilizado e frio e desconfortável. O metro tem linhas designadas por letras e as composições em circulação são anunciadas por uma voz feminina incorpórea que, através do sistema de som das estações, informa o tempo que ainda temos de esperar pelos próximos comboios, quais as linhas que servem, quantas carruagens trazem. Quase sempre, apanho comboios de uma única carruagem que vêm cheios a abarrotar, em estações iluminadas a luz fluorescente brutalmente fria, com os cais a servirem ambas as direcções colocados entre as duas linhas e as escadas de acesso no centro dos cais.

Pormenor curioso: não há, nem no metro, nem nos eléctricos históricos, nem nos autocarros, bilheteiras com empregados. Os passageiros ou têm passe ou pagam no momento o bilhete, inserindo o dinheiro na máquina automática, após o que, nos autocarros/eléctricos, o condutor/revisor lhes passa para a mão o "transfer", ou seja, o bilhete que dará acesso a viajar na rede de transportes públicos durante cerca de 90 minutos sem ter de pagar novo bilhete.

Pormenor ainda mais curioso: todas as máquinas de bilhetes em qualquer ponto do sistema apenas aceitam "exact change", o valor exacto e preciso da tarifa, e não dão troco de espécie nenhuma. Algumas estações de metro têm máquinas de trocos, mas apenas dão troco de notas de 10 ou 20 dólares. Sem trocos - notas de dólar ou moedas de 25 cêntimos, os célebres "quarters" - não se vai longe no MUNI. É, por isso, habitual ouvir as pessoas, quando pagam uma compra numa loja ou uma refeição num restaurante ou num café, a perguntar se não é possível fornecer parte do troco em "quarters" - "MUNI money".

57 CHANNELS (and nothin' on)

O Boss tinha absolutamente toda a razão. Passo não sei quantos canais de televisão - facilmente 15-20 minutos a mudar de canais a um ritmo razoavelmente rápido - e não encontro um único programa interessante para ver. À excepção do noticiário da BBC internacional apresentado num canal regional, mas não consigo perceber porque raio não consigo ligar o volume do televisor do Michael.

25 de janeiro de 2006

FACTOS TRIVIAIS ABSOLUTAMENTE INÚTEIS #2

Os consumidores americanos podem escolher entre sumo de laranja natural embalado de quatro variedades diferentes: "high pulp", "medium pulp", "low pulp" e "no pulp".

CONTRADIÇÕES

Em São Francisco hã uma quantidade quase obscena de gente sem-abrigo nas ruas. A estação de correios da 18th Street, a dois passos da casa onde o David mora, é conhecida como o "Post Office Hilton" porque o vão triangular da entrada abre espaço para sem-abrigos dormirem ali (e as noites têm sido amenas). Há outras lojas, com outros vãos, onde vejo gente a dormir embrulhada em cobertores. Ontem, enquanto comia uma fatia de pizza, vi dois sem-abrigo, no intervalo de cinco minutos, fazerem-se ao mesmo caixote do lixo à procura de restos, e há sempre, em todas as ruas, um sem-abrigo andrajoso que empurra um carrinho de supermercado cheio de cobertores velhos, sacos de plástico a abarrotar e garrafas de plástico vazias. À sua volta, ninguém repara, ninguém se interessa, todos fingem ignorar. Um placard num autocarro, ensanduichado entre anúncios a filmes e um outro que anuncia que o hospital de St. Mary já atende urgências em 30 minutos, anuncia que 1 em 4 habitantes da zona metropolitana vivem abaixo do limiar de pobreza, e pergunta "se fosse você?".

PEQUENAS DIFERENÇAS DE TERMINOLOGIA E DIMENSÃO

Aquilo que nós conhecemos como "scone" chama-se nos EUA "biscuit", embora seja maior do que um "scone" tradicional, com uma forma mais aparentada ao "muffin". E aquilo a que os americanos chamam "scone" é uma fatia de bolo de forma triangular com cobertura glaceada. E, em qualquer dos casos, são significativamente maiores do que os equivalentes portugueses.

24 de janeiro de 2006

ENQUANTO ISSO, A 10.000 KM DE DISTÂNCIA

Confesso que a única surpresa dos resultados das eleições presidenciais, vistos à distância de dez mil quilómetros, é mesmo a humilhação socialista de ver o candidato que tão veementemente apoiaram ficar vergonhosamente atrás daquele que tudo fizeram para boicotar. Fico contente: Manuel Alegre sempre me pareceu mais presidenciável e Mário Soares traiu ao longo da sua campanha uma dramática ausência de substância que seria de esperar de todos, menos dele. No resto, alguém, independentemente do candidato que apoiasse, alguma vez duvidou de que Cavaco Silva ganharia, por maior ou menor margem, sobretudo face à dramática falta de concorrência?

Bem me parecia que não.

23 de janeiro de 2006

FACTOS TRIVIAIS ABSOLUTAMENTE INÚTEIS #1

Todas as embalagens de comida que vejo à venda aqui trazem uma etiqueta de informação nutricional que diz em letras gordas bem visíveis "nutrition facts". Todas, isto é, à excepção dos frascos de molho Tabasco e de alguns pacotinhos de açúcar branco.

LEÕES MARINHOS

Os leões marinhos vêm apanhar sol para a doca K no cais 39 do porto de São Francisco. O cais 39 (Pier 39 no original) é uma daquelas autênticas "tourist traps" cheias de restaurantes e lojas de souvenirs para gente sem imaginação que faz tudo por obscurecer a fantástica vista da baía, com os terminais dos ferries à direita e a ponte Golden Gate à esquerda, mas felizmente tem um passeio marítimo à volta. Com vista para os leões marinhos que apanham sol na doca K regularmente já há uns quantos anos, em quantidades apreciáveis. A maior parte deles fica ali sossegada a apanhar o sol de inverno como se não fosse nada com eles, mas há uns quantos que resmungam uns com os outros, e outros ainda atiram-se para a água a intervalos regulares. Há um, grande, negro lustroso, imponente, que faz pose, como se estivesse à espera que lhe tirassem fotografias.

MUNI

MUNI é a designação dada ao serviço de transportes públicos municipais de São Francisco (abreviatura de San Francisco Municipal Railway), que funciona em simultâneo como metropolitano subterrâneo e transportes de superfície, com autocarros electrificados e carros eléctricos - estes últimos são absolutamente deliciosos porque, na realidade, ao contrário dos nossos amarelos, não há dois eléctricos iguais a circular na rede da cidade (os eléctricos restringem-se à linha F que vai do cruzamento de Market Street com Castro Street até Fisherman's Wharf, numa viagem que leva cerca de 45 minutos de ponta a ponta). Cada eléctrico pertence a um sistema de eléctricos de uma cidade diferente do mundo (Lisboa não está representada porque os carris são mais estreitos e os amarelos não poderiam transitar aqui) - até agora já viajei em Boston, Turim e Louisville - e todas as paragens têm acessos para deficientes motores. Pormenor curioso: o preço da passagem para quem não tem passe é único - $1.50, cerca de €1.20 - quer se viaje no metro quer nos eléctricos, e o bilhete assim comprado é válido para todas as viagens na rede por cerca de duas horas.

22 de janeiro de 2006

PORTUGAL EM TRÂNSITO

Há surpresas assim: embarcar num vôo transcontinental de Londres para São Francisco e ficar sentado ao lado de duas velhotas portuguesas de Aveiro que mal sabem escrever e não falam uma palavra de inglês. São irmãs e vão visitar o filho de uma delas que é emigrante em São Francisco. A mãe (cabelo apanhado, brincos de ouro) é igual à D. Berta, a senhora que é a porteira náo oficial do prédio onde vivo; a irmã tem dificuldades em mover-se e anda de bengala. Entendem-se no básico mínimo com a tripulação que não fala uma palavra de português, mas claro que não compreendem quando uma delas se levanta para ir à casa de banho no meio de alguma turbulència, com o sinal dos cintos de segurança apertados, e a hospedeira lhe tenta explicar que não é suposta andar por ali a passear com o avião a abanar, dando origem a algunms resmungos por não a deixarem ir à casa de banho. E claro que não compreendem quando lhes passam para as mãos os impressos que têm de preencher para apresentar na alfândega à entrada dos EUA, dizendo logo que não preenchem nada porque têm passaporte visado, mal sabem escrever e se for preciso eles que preencham. Duas velhotas sentadas num avião que conversam como se estivessem à janela da casa delas e, quando não têm nada que fazer, tentam dormir ou rezam num sussurro incómodo com um rosário nas mãos. Duas velhotas rurais de 80 anos que vêm sózinhas para mais longe do que alguma vez a minha mãe sonhou viajar.

MARKET STREET

São Francisco, cidade de colinas como Lisboa? Pois sim: até agora, apenas ruas direitas a perder de vista, ruas e avenidas longas cortadas geometricamente numa grelha que parece nunca mais acabar, percorrida por transportes públicos electrificados (eléctricos e, em vez de autocarros, trolley-carros como antes havia no Porto) que nos transportam da "smalltown" típica que é o bairro de Castro, uma espécie de aldeiazinha cheia de casas baixas, vitorianas, quase suburbanas na sua vivência de bairro (pensem Campo de Ourique), até à baixa urbana onde as grandes lojas e armazéns e os prédios de escritórios de todos os tipos e épocas de arquitectura coexistem sem problemas.

Uma comparação possível: pensem no Castro como a zona da Batalha/Santa Catarina, no Porto, transplantada para uma Londres organizada como a Baixa pombalina, e não estarão muito longe da verdade. Tudo isto no espaço de uma única rua: Market Street, artéria central que vem do Castro até quase à baía.

21 de janeiro de 2006

CLASSE ECONÓMICA (agora já com acentos)

Tentem ter 1m85 de altura e viajar em classe económica num voo transcontinental que dura quase onze horas.

JET LAG (sem acentos)

Oito da noite em San Francisco, CA. Quatro da manha em Lisboa. Estou a pe ha quase 24 horas, 18 das quase passadas em transito entre aeroportos, check-ins e departure lounges. As primeiras polaroides seguem em breve.

19 de janeiro de 2006

MALAS

Fazer as malas, verificar tudo 2, 3, 4 vezes para garantir que não esquecemos do passaporte, do dinheiro, da carteira, das chaves, do bilhete, dos medicamentos, disto, daquilo, daqueloutro, ter sempre a sensação de que nos estamos a esquecer de qualquer coisa (mesmo quando não estamos)... O stress da véspera de viagem é absolutamente inescapável.

17 de janeiro de 2006

A IRMANDADE DA MASALA DE ESPERA #2

Em sugestão do João L. para jantar de amigos, rumou o grupinho em direcção ao Da Massimiliano (r. de S. Bento, 312), pequena e acolhedora sala decorada com bom gosto rústico dedicada à genuína cozinha italiana e gerida por nativos da transalpina península, anunciando "novo menu" de inverno na porta. Passado o preâmbulo de estilo literário rococó alambicado, esclareça-se desde já que a coisa saiu para o carote — entre os €20,00 e os €25,00 por pessoa, sem sobremesa, com vinho da casa a copo para apenas parte dos convivas e com muita e alarvamente consumida entrada de primeira água — mas a coisa valeu mesmo a pena.

Enquanto o povo não chegava todo, havia gressinos genuínos italianos na mesa e veio em breve um couvertzinho de chorar por mais composto por queijo fresco, manteiga caseira, azeitonas e pães sortidos que voou num ápice (aquele delicioso pãozinho salgado com a manteiguinha era uma perdição, digo-vos eu). Algumas "crudités" ajudaram a enganar a fome (entre as quais uma bola salgada com atum fresco) antes da chegada dos pratos principais, no meu caso "reginne al gamberi", longas fitas encaracoladas de pasta envoltas num suave molho acompanhados com gambas inteiras cozinhadas no ponto certo, numa dose bem servida. Entre as entradas, a pasta e o café esteve-se muito bem à conversa, com serviçozinho atento e simpático curiosamente de sotaque brasileiro.

16 de janeiro de 2006

TANTO

É engraçado como algumas canções que nos disseram tanto há muitos anos continuam a dizer-nos muito, hoje. Mas são outro tanto, outro muito.

15 de janeiro de 2006

POLAROID: SUPERMERCADO

Mãe e filha aguardam na fila com o carrinho de compras a sua vez de serem atendidas. A filha, adolescente praticamente da altura da mãe, insiste para que esta a deixe ler a revista que está metida no saco de plástico dentro do carrinho das compras; a mãe recusa-se. Para a tentar convencer, a filha diz "eu leio-te as novidades da novela".

13 de janeiro de 2006

POLAROID: PEQUENO ALMOÇO

Na mesa ao lado, um menino dos seus 4-5 anos e uma menina dos 6-8 anos, com as mochilas em cima da mesa ao seu lado enquanto o pai os tenta convencer a tomar o pequeno almoço, organizam pacientemente a sua colecção de cromos como se mais nada lhes interessasse no mundo — nem o sumo de laranja que o pai os tenta convencer a beber.

12 de janeiro de 2006

ESTATÍSTICA FELINA MATINAL

Número de gatos presente no telhado da arrecadação visível da janela do meu quarto hoje, quinta-feira, 12 de Janeiro, às 09h10 da manhã: sete.

11 de janeiro de 2006

POLAROID

Nome de um produto capilar para senhoras de uma prestigiada marca francesa visto na montra de um cabeleireiro: "Sebo Control"

PORTUGAL NO SEU MELHOR

Alexandre O'Neill era muito grande.

Dai-nos, meu Deus, um pequeno absurdo quotidiano que seja,
que o absurdo, mesmo em curtas doses,
defende da melancolia e nós somos tão propensos a ela!
Se é verdade o aforismo faca afia faca
(não sabemos falar senão afiguradamente,
sinal de que somos pouco capazes de abstracção).
Se faca afia faca,
então que a faca do absurdo
venha afiar a faca da nossa embotada vontade,
venha instalar-se sobre a lâmina do inesperado
e o dia a dia será nosso e diferente.
Aflições? Teremos muitas não haja dúvida.
Mas tudo será melhor que este dia a dia.
Os povos felizes não têm história, diz outro aforismo.
Mas nós não queremos ser um povo feliz.
Para isso bastam os suiços, os suecos, que sei eu?
Bom proveito lhes faça!
Nós queremos a maleita do suíno,
a noiva que vê fugir o noivo,
a mulher que vê fugir o marido,
o órfão que é entregue à caridade pública,
o doente de hospital ainda mais miserável que o hospital
onde está a tremer, a um canto, e ainda ninguém lhe ligou nenhuma.
Nós queremos ser o aleijado nas ruas,
a pedir esmola, a esbardalhar-se frente aos nossos olhos.
Queremos ser o pai desempregado que não sabe que Natal há-de dar aos seus.

Garanti-nos, meu Deus, um pequeno absurdo cada dia,
um pequeno absurdo às vezes chega para salvar.


— in Poesias Completas (Assírio & Alvim, 2000; 2ª ed., 2001); sublinhados meus

10 de janeiro de 2006

MANCHETE

"Implantes de pénis deixam casais felizes" — in Destak de 10/1/2006

PEQUENOS IRRITANTES QUOTIDIANOS #36

Gente que fica meia hora a conversar na escada a fazer um chavascal.

HMMMMM

Não têm a impressão que os candidatos às presidenciais se comportam como se estivessem em campanha para primeiro-ministro?

9 de janeiro de 2006

POLAROID: GINASIO

A senhora — trintona tardia ou quarentona iniciada; rosto precocemente envelhecido, T-shirt e calças de fato de treino pretas com as ancas a transbordar em pregas — não consegue sentar-se confortavelmente na cadeira da bicicleta. Pergunta-me onde é que se baixa o assento. Indico-lhe a manivela no banco, mas o banco está já na posição mais baixa.

8 de janeiro de 2006

DOMINGO A NOITE

Está frio. As ruas estão cheias de carros estacionados, mas vazias de pessoas e carros em movimento; a maior parte dos restaurantes vazios, as ruas estão apenas cheias de silêncio, entregues aos sem-abrigo que vagueiam em busca de uma portada para dormir ou que já a encontraram e se aninham nos seus cartões e cobertores sujos e velhos, aos polícias de sentinela nesta ou naquela casa ou que fazem o seu giro, das famílias que regressam depois de um jantar de família com crianças ensonadas. As pessoas parecem esconder-se ao domingo à noite, deixando a cidade nas mãos de quem a quiser chamar sua.

6 de janeiro de 2006

POLAROID: AS CRIANÇAS E O METRO

A mãe e a sua menina de 4-5 anos entram na carruagem na estação do Colégio Militar-Luz. Sentam-se, a filha ao colo da mãe, bem agasalhada, agarrada a um guarda-chuva com o qual bate ritmadamente mas descompassadamente no chão ao longo de toda a viagem, como se fosse uma bengala. À saída, no Marquês de Pombal, continuo a ouvir o guarda-chuva a bater no chão enquanto me dirijo para a ligação com a linha amarela.

5 de janeiro de 2006

POLAROID: LOJA DO CIDADAO

Ontem, na Loja do Cidadão dos Restauradores, uma senhora olha para a máquina das senhas, que indica que as senhas A são para informações, impressos, entregas, e as senhas B para entrega de formulários e requerimentos. A senhora tira uma de cada, o número de uma das senhas é chamado, a senhora olha para o quadro e para a senha sem conciliar as duas coisas; vai ao balcão B para perguntar uma coisa e, quando estou a ser atendido, interrompe para esclarecer uma dúvida, no que o funcionário que me atende lhe diz que já a atende porque está com outra pessoa. No interim, a outra senha é chamada. Quando saio, a senhora continua à espera mas está à espera que a chamem de outro guiché, ao lado, que nada tem a ver com a máquina de onde tirou as senhas.

Muitas vezes me pergunto se as pessoas olham verdadeiramente para as coisas enquanto as estão a fazer ou se têm sequer noção delas.

4 de janeiro de 2006

POLAROID: METRO

Muita gente se queixa do novo sistema de bilhética do metro, em tudo semelhante ao de outras cidades europeias com as suas cancelas electrónicas que se abrem à apresentação do cartão ou do bilhete. Parte dos problemas são da responsabilidade do Metropolitano de Lisboa — que parece facilitar a toda a força, sendo mais as estações em que as cancelas estão sempre abertas do que aquelas que exigem a apresentação do bilhete. Mas o facto é que outra parte dos problemas se deve aos utentes — que teimam em querer passar à viva força numa cancela devidamente assinalada com o sinal vermelho (assistido, entre muitas outras vezes, ontem na estação do Rato) e depois ainda resmungam por ela não ter aberto.

2 de janeiro de 2006

GRAFFITI

A revolução é a festa dos deprimidos — graffiti lido na rua de S. Sebastião de Pedreira, em Lisboa.

1 de janeiro de 2006

A PERSISTENCIA DA MEMORIA #15

A varanda da Carla e do Celso dá para um enorme edifício de esquina de acabamentos relativamente modernos na Almirante Reis, mesmo à beirinha do largo do Intendente, que, desde que eu me recordo, só lá teve durante algum tempo uma sapataria e um cartaz a anunciar escritórios que nunca devem ter sido alugados. Esse edifício mantém intacta a velha traça da sua função original: a de cinema, primeiro como um dos clássicos das salas de bairro lisboeta especializadas em prolongamentos de estreia, programas duplos e reposições a preços mais populares, o Lys, até 1973, e depois como sala de estreia modernizada a partir de 1974, o Roxy.

O Roxy tem um especial significado pessoal: morando com os meus pais em pleno Bairro das Colónias, bastavam os 5-10 minutos que levava a descer duas ruas para estar no Roxy e, portanto, tornou-se durante algum tempo (sobretudo em finais dos anos 70, quando a programação de estreia era bastante aceitável, antes de descambar aceleradamente quando a Lusomundo tomou a sala a seu cargo até ao fecho em 1988, coincidindo com a progressiva e acelerada decadência do bairro envolvente) o cinema do bairro. Estava todo ele decorado em tons de amarelo — desde os apliques da fachada aos estofos do interior —, tinha um balcão acanhado e, devido às limitações de espaço da entrada, um bar/foyer no piso inferior, por baixo da plateia, e outro numa saída lateral do balcão. Conhecia-lhe os cantos à casa.

PALAVRAS DE QUE GOSTO MUITO MAS QUE NÃO TÊM GRANDE UTILIZAÇÃO PRÁTICA QUOTIDIANA #69

Plantígrado.

(com um obrigado ao clã Lx)