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31 de agosto de 2005

DISENGAGE

Fecha-se hoje um ciclo profissional na minha vida, com a minha saída definitiva do Blitz, ao fim de 12 anos de colaboração em várias qualidades. Percebo-o hoje, a "mudança de casa" estava já atrasada — as coisas devem durar o tempo certo, e por vezes deixo que elas se arrastem mais do que deviam.

Ao António e ao Rui agradeço o "pontapé de saída", há 12 anos; ao Pedro a confiança, há ano e meio; ao Jorge o apoio, sempre, e a paciência para me ouvir.

E a todos os outros agradeço tudo o que há para agradecer, com um especial abraço ao Gonçalo.

Daqui para a frente, tudo muda. Era tempo.

30 de agosto de 2005

ESTORES EM MOVIMENTO

No ângulo certo, com a luz certa, a cerca que rodeia a Central Tejo, em Alcântara, torna-se transparente. Deixa ver os terrenos que rodeiam a antiga central eléctrica, os carros estacionados lá dentro, as máquinas e ferramentas que ali estão a fazer não se sabe bem o quê. Mas é só no ângulo certo e com a luz certa, e quando se está a passar de carro o efeito é o de um estore que se abre e fecha à medida que passamos, deixando entrever por um instante o que está por trás da janela. E quem passa à mesma hora no outro sentido não vê nada.

29 de agosto de 2005

MODERNICES (ou as consequências nefastas dos "early adopters")

Os auriculares Bluetooth e outros acessórios sem fios e de mãos livres para os telemóveis são, não o nego, bastante úteis e até importantes para aqueles workaholics que não passam sem o ouvido colado ao telefone quando estão a conduzir ou a almoçar. Por isso é que me faz tanta confusão quando vejo pessoas que são tudo menos executivos de profissão exigente e comunicação intensiva, que passeiam de mochila, calções e sandálias de mãos dadas com a esposa/namorada, ou que parecem estar apenas a fazer tempo até ao princípio da sessão de cinema, ou com todo o aspecto de cromo nacional (cabelo brilhantinado, óculos escuros, T-shirt por dentro das calças de fazenda claras, sapatos impecavelmente engraxados), com auriculares Bluetooth no ouvido, como quem exibe um símbolo de estatuto independentemente de ser ou não apropriado.

28 de agosto de 2005

LOGBOOK #31: HÁ DIAS ASSIM

Sesimbra: Ponta da Passagem, domingo, 28 de Agosto, 11h30: 13.0m, 14 min, 18º C

14 minutos apenas? Mandam as regras de segurança que, quando se perde o parceiro de vista, se interrompa o mergulho porque não é conveniente andar a passear sozinho por ali. Há uma corrente de opinião que acha que sozinho é que se mergulha bem e o parceiro basicamente é um empecilho — não partilho dessa opinião, excepto quando o parceiro é daqueles do género "eu e tu no mesmo oceano".

Não foi o caso hoje, mas a velocidade a que o Paulo Jorge ia fez com que, quando eu parei para ver uma coisa na passagem propriamente dita (divinal, com água chã, sem vaga, quase nenhuma corrente, 10 metros de visibilidade, uma irritação!) e dei pela falta da lanterna que se tinha soltado do camarão (encontrada mais à frente por mergulhador de dupla companheira de barco, os meus agradecimentos), quando voltei a olhar já lá não estava ninguém. Uma voltinha a ver se os rapazes aparecem, não aparecem? chatice! Faz-se uma subidazinha lenta, com calma, a ver os cardumes que vão passeando pelas rochas a 4-5 metros de profundidade e volta-se ao barco.

Quando estou a passar o equipamento, os rapazes aparecem a saber se está tudo bem. Está, voltem lá ao mergulhinho que eu fico-me por aqui; até porque o colete precisa de ser afinado, está a disparar demasiado ar quando se puxa a traqueia e quando se enche não faz o habitual e reconfortante ruído de entrada de ar, parecendo antes um asmático a forçar respiração. Nestas ocasiões, mais vale jogar pelo seguro e abortar mesmo o mergulho - sem problemas de maior, ainda assim, porque o dia está bonito, a água está calma, dá para pôr a conversa em dia com a Isabel e perceber que, por exemplo, em Sesimbra o domingo passou a ser dia igualmente forte para a prática do mergulho quando antes era o sábado, e que há alunos de mergulho espanhóis que vêm acabar o curso a Sesimbra. Estava, aliás, um grupo a sair connosco no nosso barco e, quando eu abandonava o porto, outro a chegar para outra escola. E fico com a sensação que ainda há quem leve isto do mergulho não muito a sério, como o pessoal que apareceu sem saída marcada em cima da hora a ver se orientava um mergulhinho. É a diferença entre quem faz porque gosta mesmo e quem faz porque sim — e tenho a sensação que começa a haver muito quem faça porque sim. (Claro que também há quem o leve demasiado a sério.)

27 de agosto de 2005

POLAROID: BENFIQUISTA DESESPERADO (post interdito a menores de 18 anos)

Os gritos desesperados de um adepto benfiquista desesperado com a exibição com o Gil Vicente ecoam pela minha rua ao longo de toda a segunda parte, num acesso de masoquismo definido pelo elevadíssimo volume com que ele grita um reportório limitado mas significativo de injúrias à integridade dos jogadores e das suas progenitoras (essencialmente, variações à volta de "caralho", "cabrão" e "filho da puta"; a mais inventiva das invectivas, dirigida a um Mantorras que não dá uma para a caixa este ano, é "preto nojento", embora não creia na existência de um qualquer subtexto racista na sua criação).

Não é hábito que isto aconteça, mesmo em más exibições do Benfica.

PESQUISA

A propósito de um desafio, mergulho, absorto, na "História de Portugal" que José Mattoso dirigiu há 12 anos, mais especificamente no volume que Rui Ramos dedica ao período 1890-1930 — e, pasmado, descubro que a política portuguesa de 1890 em pouco ou nada difere da política portuguesa de 1890. A política e, adiante-se, muito do resto (porque, sim, há coisas que vão mudando, mas estas não fazem parte da lista). Não espanta que Eça de Queiroz continue a ter razão, cento e tal anos depois: há atavismos que não desaparecem.

26 de agosto de 2005

ALGUMAS COISAS NUNCA MUDAM

Junto ao Carrefour do Oeiras Parque, há uma dessas arcadas de jogos a que hoje em dia se chama pomposamente de «fun parks» e afins, cheia de gadgets sofisticadíssimos e máquinas electrónicas para se gastar tempo ao sabor de umas moedas. Mas qual é o único jogo que reúne à sua volta uma pequena multidão? A boa, velha e analógica... mesa de matraquilhos.

25 de agosto de 2005

A ELUCIDAÇÃO DO CONSUMIDOR

Ontem, pouco depois das 21h00, entro na loja de relógios A Máquina do Tempo, nas Amoreiras (onde comprei o relógio), e mostro à empregada (com aspecto de balconista do comércio tradicional, cabelo louro pintado como convém a uma senhora já na casa dos 50) o meu Citizen cuja pulseira, ao fim de sete anos de uso, começou a partir-se. "Queria trocar a pulseira que se está a partir." "Com certeza, mas só a partir do dia 2 de Setembro porque o fornecedor está de férias e antes disso não fazemos consertos. Nem nós nem nenhuma loja." Ah é? Muito obrigado e boa noite.

Hoje, às 13h30, entro na loja Colombus do Oeiras Parque e mostro à empregada o meu Citizen cuja pulseira, ao fim de sete anos de uso, começou a partir-se. "Queria trocar a pulseira que se está a partir." A empregada pega no relógio e abre uma gaveta. "Com certeza, deixe-me só ver se tenho pulseiras do mesmo modelo." 15 minutos depois, saio da loja com o relógio com uma pulseira nova.

24 de agosto de 2005

INSÓNIA

É só a mim que as insónias deixam impróprio para consumo no dia seguinte?

23 de agosto de 2005

MARKETING POLÍTICO v1.0

É muito curioso ver diariamente os outdoors da pré-campanha para as eleições autárquicas num concelho (Oeiras) onde não resido mas onde trabalho - e, se a coisa dependesse exclusivamente dos outdoors (que, evidentemente, não depende), Teresa Zambujo, candidata do PSD, já teria ganho a larga distância, com os cartazes legíveis, de imagem limpa e imediata, concentrando-se numa única mensagem com o retrato convenientemente positivista da candidata ao lado. Faltará, eventualmente, substância à coisa, mas à superfície é uma campanha eficaz.

Pelo contrário, os cartazes de Emanuel Martins, candidato do PS, são o mais extraordinário exemplo de "tiro no pé" que já vi, propagandeando "a mudança tranquila" com uma fotografia, no mínimo, pouco lisonjeadora para o perfil de "dinamismo e seriedade" que o candidato pretende explorar (e os cartazes com o seu "braço direito" Mário Lino ainda piores são) - dá vontade de dizer "a votar neste não me apanham!", ou, como comentava amiga minha, "o homem tem cara de dirigente de futebol" o que, em estenografia popular, não é necessariamente uma boa recomendação. Um bom consultor de imagem sabe como dar a volta a fisionomias menos fotogénicas...

Também aparecem de vez em quando uns quantos outdoors de Isabel Sande e Castro, do CDS-PP, mas são de difícil leitura para quem passa de carro, embora a fotografia posicione a candidata como uma figura de pose serena e maternal (um conceito interessante...).

Já os outdoors do independente Isaltino Morais — com um tipo de letra "futurista" que diz "Queremos ver Oeiras mais à frente" sob uma fotografia de conjunto que pretende simbolizar a abrangência da campanha do candidato — são dispersos e difusos, sem conseguirem projectar um conceito específico. Será que "querer ver Oeiras mais à frente" implica mudar-lhe as fronteiras para, por exemplo, Carcavelos ou São Pedro do Estoril? E, a assim ser, será que Carcavelos ou São Pedro do Estoril estão de acordo?

22 de agosto de 2005

OBRIGADO, JOÃO MACDONALD

"O Homem sem Qualidades" é o romance de uma vida inteira - as suas 1130 páginas (na tradução inglesa) correspondem a mais de uma década de trabalho deixado incompleto pela morte do seu autor, o escritor austríaco Robert Musil, em 1942. A primeira das três partes que compõem "O Homem sem Qualidades" vira edição em 1930 e a segunda em 1933, a instâncias do editor, cedência de que Musil mais tarde se arrependeria pela impossibilidade de voltar atrás e retrabalhar o que já fora publicado; a terceira parte viu edição póstuma em 1943 pelas mãos da viúva do autor, o que talvez explique a sensação de incompletude que a leitura deixa, como se Musil não tivesse verdadeiramente terminado a sua narração (alguns dos fios narrativos iniciados ficam por resolver). Incompletude que, contudo, em nenhum momento trava a convicção de estarmos aqui perante um objecto esmagador e inclassificável pelo assombroso microcosmos saído da criatividade do seu autor — muito embora não estejamos a falar, apenas, de ficção.

Porque "O Homem sem Qualidades" é a crónica do fim de um mundo — mais especificamente, do império austro-húngaro nos anos anteriores à I Guerra Mundial que destruiria de vez a "velha Europa" imperial, de uma aristocracia quase feudal — vista pelos olhos de Ulrich, diletante intelectual apanhado entre a aristocracia e a burguesia, que vagueia pela alta sociedade vienense e a observa com o distanciamento maçado de quem não sabe onde pertence nem o que procura. Sátira, ensaio, crónica, tudo passa pelas mil páginas deste verdadeiro roman-fleuve que passa da vivacidade de uma conversa de salão repleta de double-entendres à secura implacavelmente lógica e teutónica de uma dissertação teórica sobre o intangível, desenhando no processo o retrato perturbante de uma sociedade que parece ter-se tornado complexa demais para quem nela vive, que levanta mais questões do que aquelas que resolve àqueles que a observam atentamente.

De um humor subtilmente subversivo disfarçado de boutade de salão de fumo, de uma inteligência assustadoramente presciente, "O Homem sem Qualidades" acaba por ser um corte transversal da sociedade moderna — e não tenhamos a mínima dúvida da sua intemporalidade, porque a confusão que reina na "Kakania" (a mal disfarçada Áustria que Musil ficcionaliza muito ao de leve) é gémea e espelho da que reina nos nossos dias. O mundo moderno, no fundo, já foi inventado há um século e é isso que Musil nos diz: a história pode não se repetir, mas os seres humanos são arrepiantemente previsíveis.

Como Eça de Queiroz no seu tempo, Musil é um satirista humanista e melancólico, ciente de que tudo muda para que tudo fique igual — e momentos há neste roman-fleuve (e a comparação majestosa ao rio é apropriadíssima) que são perfeitamente aplicáveis aos nossos dias. Não é só isso o que há em "O Homem sem Qualidades" (que deverá voltar a estar disponível brevemente em tradução portuguesa por João Barrento). Porque este livro é, literalmente, um mundo, e nele poderemos encontrar toda a vida humana — para o bem e para o mal.

21 de agosto de 2005

COMO DISTINGUIR ENTRE A POESIA E A IDIOTICE

Without going into the finer distinctions between idiots and cretins, suffice it to say that an idiot of a certain degree is not up to forming the concept "parents", even though he has no trouble with the idea of "father and mother." This same simple additive, "and," was Meseritscher's device for relating social phenomena to one another. Another point about idiots is that in the basic concreteness of their thinking they have something that is generally agreed to appeal to the emotions in a mysterious way; and poets appeal directly to the emotions in very much the same way, insofar as their minds run to palpable realities. And so, when Friedel Feuermaul addressed Meseritscher as a poet, he could just as well — that is, out of the same obscure, hovering feeling, which, in his case, was tantamount to a sudden illumination — have called him an idiot, in a way that would have had considerable significance for all mankind. For the element common to both is a mental condition that cannot be spanned by far-reaching concepts, or refined by distinctions and abstractions, a mental state of the crudest pattern, expressed most clearly in the way it limits itself to the simplest of coordinating conjunctions, the helplessly additive "and," which for those of meager mental capacity replaces more intrincate relationships; and it may be said that our world, regardless of all its intellectual riches, is in a mental condition akin to idiocy; indeed, there is no avoiding this conclusion if one tries to grasp as a totality what is going on in the world.

- Robert Musil, in "The Man Without Qualities", na tradução inglesa de Sophie Wilkins e Burton Pike (Londres: Picador, 1997)

19 de agosto de 2005

A IRMANDADE DA MASALA DE ESPERA #1

Porque há sempre uma tikka masala aveludada ou uma galáxia de açúcar baunilhado algures por aí à espera, aqui proponho (em homenagem a amiga de devoção a tikka masala aveludada & a amigo de desprazer com galáxias de açúcar baunilhado) a abertura de uma série irregular de posts dedicados à gastronomia urbana descoberta por aqui por ali, iniciados com a visita, ontem à noite, à campodeouriquense Charcutaria (rua Coelho da Rocha, perto do Mercado de Campo de Ourique), salinha mínima que não deve levar mais de 20 pessoas por soirée onde, garante-me o meu comparsa de degustação, amiga e vizinha comum toma diariamente o pequeno-almoço (gosto destes sítios multifacetados, com o seu quê de bem).

Visita anterior à Charcutaria terá sido em encarnação anterior da casa, há uns bons dez anos, não me recordando por isso de eventuais variações de então para cá. Para já, serviço simpático, cortês a cargo de moço aprumado e bem vestido de suave sotaque estrangeiro, sozinho a servir em sala cheia (ainda que pequena) modestamente fornecida e decorada, com ar polivalente (café / restaurante / salão de chá) - a atrapalhação foi ligeira, não houve grandes esperas, mas foi curioso ver as estratégias para lidar com as exigências. Avisado pelo comparsa que o preço da coisa poderia ser para o puxadito, a surpresa foi ver que só alguns dos pratos mais elaborados (dos quais fugimos, até porque empada de perdiz não faz o meu género) ultrapassavam a barreira psicológica dos €10,00, e como eu me fiquei pela água e ele pela cerveja, a coisa não saiu estupidamente cara.

Couvert proposto - fatias de pão de forma cortadas em triângulos acompanhadas por pâté caseiro levemente avinagrado mas de agradável textura, mais empadinhas de galinha acabadinhas de sair do forno e ainda quentes (que, por isso, não ficaram especialmente na memória).

Passando ao prato principal, parece que o polvo grelhado com batatas a murro (coberto por picadinho de cebola, salsa e alho e servido com liberal dose de azeite) não estava mal (embora o comparsa tenha achado um tudo nada azeitado em excesso). Coube-me provar os secretos de porco preto com migas de batata e couve - quatro lombinhos grelhados no ponto servidos com salsa picada em cama de azeite condimentado com um toque de vinagre, com as migas (de um verde claro esbranquiçado, com uma textura agradavelmente próxima do esparregado mas travo mais delicado) servidas em pratinho separado. Depois das entradas, a dose surge na quantidade ideal para satisfazer sem encher.

Dispensámos o café, mas o amigo comparsa não dispensou doce e encomendou a sobremesa mista, prato degustação com quatro fatias finas de quatro especialidades. Não sou moço de fios de ovos pelo que a encharcada ficou toda para ele, e o bolo de chocolate era um pouco carregado demais, mas a sericaia estava excelente. O todo ficou por €26.50 para duas pessoas, o que é aceitável sem ser excessivo, mas caso houvesse vinho à mistura facilmente teria inchado para o dobro.

18 de agosto de 2005

ESTATÍSTICA FELINA MATINAL

Número de gatos que relaxam no telhado da arrecadação nas minhas traseiras às 08h31 de quinta-feira, 18 de Agosto de 2005: seis.

17 de agosto de 2005

PILOTO AUTOMÁTICO

Hoje compreendi que já tenho alguns percursos de automóvel de tal maneira interiorizados que quase nem dou pelos movimentos que faço. Até já meto mudanças apenas com os músculos do pulso, sem sequer agarrar a alavanca. Deverei estar preocupado?

PAGAR AS CONTAS

O meu pai é daquelas pessoas que paga sempre as contas, quaisquer que elas sejam, no último dia do prazo, para garantir que o dinheiro não fica lá a render para "eles".

Eu prefiro sempre pagar as contas assim que as recebo, porque já sei que se não o faço sou gajo para me esquecer de as pagar ou de as pagar depois do prazo.

15 de agosto de 2005

ZOO TV (SLIGHT RETURN)

O ponto em que a Vertigo Tour 2005 em Alvalade rebentou a escala e virou (outra vez) um dos concertos da minha vida: a abertura do encore com "Zoo Station" e "The Fly", com os écrãs a recriar o ambiente caótico da Zoo TV.

The secret is yourself
your pain
letting go
giving up
breaking down
giving in
to the end...
...to the beginning
giving in to
love.


Os U2 ainda são os U2. Felizmente.

13 de agosto de 2005

FANNY ARDANT E EU

Estou obcecado. Desculpem qualquer coisinha. (A culpa é do Dr. Cão.)



on écoute du chant gregorien
elle parle à peine et moi je dis rien
on a une relation comme ça
Fanny Ardant et moi
je passe la soirée avec Sylvain
pendant qu’elle mate le papier peint
on est restés indépendants
moi et Fanny Ardant

elle est posée sur l’étagère
entre un bouquin d’Eric Holder
un chandelier blanc IKEA
et une carte postale de Maria
elle est toujours toute noire et blanche
elle ne dit plus “vivement dimanche!”
depuis que je la traîne chez mes parents
tous les weekends Fanny Ardant

je lui parle pas des filles de Jussieu
elle parle pas trop de Depardieu
et on évite ces sujets-là
Fanny Ardant et moi
il y a un truc dans son regard
qui me reproche de rentrer trop tard
elle voudrait que je sois là tout le temps
évidemment Fanny Ardant

elle est posée sur l’étagère
entre un bouquin d’Eric Holder
un chandelier blanc IKEA
et une carte postale de Maria
elle est toujours toute noire et blanche
elle ne dit plus “vivement dimanche!”
depuis que je la traîne chez mes parents
tous les weekends Fanny Ardant

on écoute du chant grégorien
elle parle à peine et moi je dis rien
on a une relation comme ça
Fanny Ardant et moi.


- Vincent Delerm, "Fanny Ardant et Moi", in "Vincent Delerm" (Tôt ou Tard, 2002)

IDEALISMOS

"A nossa vida nas nossas mãos"

(graffiti lido nas paredes da Avenida dos Fundadores, em Paço d'Arcos, perto do Oeiras Parque)

12 de agosto de 2005

FOLHAS CAÍDAS NO MEIO DA ESTRADA

Pela avenida de Ceuta, do lado de fora, perto do rio, o asfalto da estrada está cheio de folhas amarelo-acastanhadas, encarquilhadas, caídas das árvores. A deslocação de ar dos carros que passam em ambos os sentidos elevam as folhas em pequenas nuvens, como o restolhar dos ramos de uma árvore ao vento.

11 de agosto de 2005

O GATO

Estou sentado no pouf em casa da Rita e do António quando o gato, preto, elegante, se dá finalmente ao trabalho de aparecer. Ronda-me a cheirar-me, encosta o focinho curioso ao meu braço, olha-me com os olhos muito abertos durante vários minutos. Estou sentado com as pernas em arco; o gato arqueia o lombo, enrola e desenrola a cauda e passa por baixo do arco das pernas, roçando a cauda e o lombo no ângulo dos joelhos, uma, duas, três, quatro vezes. Entre elas, encosta o focinho aos nós dos dedos das minhas mãos. Depois, deita-se no chão, de lado, a olhar para mim. Estico um dedo e ele dá-me pequenas patadas no dedo, como quem agarra uma coisa para a soltar a seguir, mas sem pôr as garras de fora, e pega no dedo para o levar à boca aberta e fingir que o morde sem o morder. Tento pegar-lhe nas patas estendidas, mas só me deixa pegar na pata traseira direita, a única que ele não pode mexer livremente por estar encostada ao chão, a servir de suporte, enquanto continua a brincar com o dedo da minha outra mão. Fica ali mais um bocadinho, põe-se de pé, tento agarrar-lhe na cauda, e desaparece tão discretamente como apareceu.

10 de agosto de 2005

O PREÇO DO TABACO

"O tabaco está caro mas a ganza mantém-se! Muito fumo!"

(graffiti lido nas paredes do Bairro Alto)

9 de agosto de 2005

O MONÓLOGO SHAKESPEARIANO

Indizível de tão bom, de tão espirituoso, de tão certeiro no comentário ácido.



pendant la première scène je regardais sur le côté
pour essayer de comprendre comment ses cheveux étaient noués
pendant la deuxième scène en fait j'imaginais
ses vacances y a deux ans sur la plage de Bénodet
pendant la troisième scène je me suis un peu rendu compte
j'avais pas bien suivi les répliques du Vicomte
pendant la quatrième elle s'est penchée vers moi
elle a failli me dire un truc et puis finalement pas

on est partis avant la fin
du monologue shakespearien
partis avant de savoir le fin mot de l'histoire
on a planté en pleine nuit
l'archevêque de Canterbury
on a posé un lapin à l'épilogue shakespearien

début du deuxième acte, toute la rangée soupire
le clan des veuves s'éclate parce que bon c'est Shakespeare
niveau intensité quelque chose qui rappelle
le programme d'EMT pour l'année de quatrième
pourtant la mise en scène était pas mal trouvée
pas de décor, pas de costumes, c'était une putain d'idée
aucune intonation et aucun déplacement
on s'est dit pourquoi pas, aucun public finalement

on est partis avant la fin
du monologue shakespearien
partis avant de savoir le fin mot de l'histoire
on a planté en pleine nuit
l'archevêque de Canterbury
on a posé un lapin au dénouement shakespearien

dans les rues d'Avignon y a des lumières la nuit
on boit des demi-citrons et on se photographie
à la table d'à côté ils ont vu un Beckett
ils disent "c'est pas mal joué mais faut aimer Beckett"
dans les rues d'Avignon il y a des projets balèzes
"demain à 23 heures je vais voir une pièce polonaise"
dans les rues d'Avignon y a du Pepsi Cola
et puis y a une fille qui dit "ba en fait je viens de Levallois"

on est partis avant la fin
du monologue shakespearien
partis avant de savoir le fin mot de l'histoire
on a planté en pleine nuit
l'archevêque de Canterbury
on a posé un lapin au monologue shakespearien

pendant la première scène je regardais sur le côté
pour essayer de comprendre comment ses cheveux étaient noués
pendant la deuxième scène en fait j'imaginais
mes vacances dans deux ans sur la plage de Bénodet.


- Vincent Delerm, "Le Monologue Shakespearien", in "Vincent Delerm" (Tôt ou Tard, 2002)

7 de agosto de 2005

THE BEAUTIFUL GAME

Assim chamam os britânicos ao desporto vulgo rei chamado "futebol", actividade que, confesso, nunca me causou especial atracção, excepto em situações pontuais como as finais da Taça de Inglaterra (em que eu percebia como, realmente, podia ser um desporto interessante quando bem jogado) e um ou outro jogo do Euro 2004 por terras lusas.

Oriundo de uma família de benfiquistas razoavelmente ferrenhos, o meu desinteresse pelo futebol foi sempre recebido com alguma tristeza pelos meus irmãos, muito embora o meu pai se tenha tornado num benfiquista particularmente mordaz quanto às actuais capacidades da equipa, oh, para aí nas últimas vinte temporadas. Era eu muito miúdo, para aí com os meus cinco-seis anos, lembro-me de ter ido ao futebol com o meu pai, ao Estádio da Luz, mas para além da seca que apanhei só me recordo de passarmos por baixo do túnel de acesso sob a Segunda Circular.

O túnel ainda lá está, como percebi ontem quando acompanhei o meu irmão ao jogo de "apresentação" da "equipa" aos sócios, a convite dele, marcando assim a primeira vez em para aí 30 anos que entrei num estádio de futebol sem ser para assistir a um concerto de rock. Entre as várias conclusões que tirei do triste acontecimento em que o Benfica fez uma miserável exibição perante uma Juventus que nem sequer se esforçou muito para justificar a vitória por 2-0, estão as seguintes:

1. Assistir a um jogo de futebol ao vivo é uma excelente oportunidade para exercer a prática nacional sempre saudável do cinismo.

2. Assistir a um jogo de futebol ao vivo equivale igualmente a um qualquer misterioso exercício de masoquismo por parte dos adeptos, que se deliciam a explorar tudo o que de pior pode acontecer à sua equipa (e que, pelos vistos, acontece mais do que seria desejável).

3. Assistir a um jogo de futebol ao vivo é ainda a colocação em prática daquele que é, na realidade, o primeiro desporto nacional — a saber, duvidar de tudo e de todos até ao ponto em que a apatia resignada, mas telhuda, é a única solução.

Claro que, para continuar este interessante exercício de entomologia sociológica, o ideal será mesmo assistir a um jogo que corra bem para o Benfica e compreeender quantas destas conclusões são comuns a ambas as ocasiões.

6 de agosto de 2005

THE KNOWLEDGE

Em Londres, os taxistas têm, sempre, de passar por um rigorosíssimo exame, conhecido como The Knowledge, que os leva a percorrer vezes sem conta a cidade, memorizando mais de 300 trajectos diferentes. Parece que é muito raro alguém obter a licença de taxista sem ter passado uma dezena de vezes pelo exame.

Em Lisboa, é normal ter de ser o passageiro a explicar ao taxista como se chega ao endereço pretendido.

5 de agosto de 2005

DESCUBRAM O ERRO

MASSA DE AR QUENTE VAI SOFUCAR PORTUGAL - manchete impressa numa das páginas interiores da edição de hoje do Correio da Manhã (não vale a pena ir ao site, o erro só passou mesmo na edição impressa)

40 POLÍCIAS FERIDOS EM CONFRONTO COM A POLÍCIA - legenda no Telejornal da RTP-1 desta noite sobre confrontos na Irlanda do Norte entre manifestantes e polícia

4 de agosto de 2005

POLAROID: 4 DE AGOSTO

09h30. Desço a Alexandre Herculano em direcção à avenida da Liberdade. Cruzo-me com um negro de meia-idade de fato, gravata e cachecol, auscultadores brancos nos ouvidos com um fio que leva ao casaco, andando depressa com uma bengala de madeira escura na mão, que costuma andar pela zona. Demasiado bem vestido e arranjado para ser um sem abrigo, pára frente à porta de uma pastelaria e começa a gritar para o interior, como quem disparata com alguém, mas sem se dirigir a ninguém em particular. Do que diz percebo apenas "Ainda vou ser presidente de Portugal!".

Alguns metros mais à frente, num dos semáforos que orienta as passagens de peões, um idoso de bengala ignora olimpicamente o sinal vermelho para peões e a aproximação rápida de um furgão comercial e atravessa a rua como se fosse sua, no que é seguido, embora a medo, por dois ou três transeuntes.

13h10. Subo a Braancamp em direcção ao Rato. Na esquina da Rodrigo da Fonseca, um casal que parece sair do McDonald's discute em voz alta, com sotaque popular. Ela é anafada, vem de cores claras, com sacos na mão e um casaco de malha à cintura. Ele é muito magro, está de camisola da selecção e calções, e grita-lhe com voz mal-disposta; traz na mão um guardanapo de papel, mas não vejo o que segura; há duas crianças, separadas, a andar à frente deles a ver se a discussão acaba.

3 de agosto de 2005

MATRÍCULAS

Fim da tarde, Marginal, um pequeno comboio de quatro ou cinco carros, quase todos de aparência nova, todos de matrícula francesa (letras pretas sobre fundo amarelo). Um dos condutores tem um boné do Sporting, mas os condutores de dois dos carros não têm aspecto de emigrantes. Excepto, claro, no modo como conduziam.

Vendo os quatro, cinco carros de seguida, lembrei-me das matrículas em chapa que vinham, na minha infância, nos gelados da Olá (seria nos gelados?)... Ainda tive uma dezena e tal dessas matrículas em miniatura, mas não sei o que é feito delas. Mais alguém se lembra?

2 de agosto de 2005

O VERÃO EM LISBOA

...é uma coisa óptima. Mas seria melhor se os nossos sítios de referência não tivessem a brilhante ideia de, também eles, fecharem para férias.

1 de agosto de 2005

A BALADA DE LUCY JORDAN



Quando Marianne canta isto, o mundo pára.

the morning sun touched lightly on
the eyes of Lucy Jordan
in a white suburban bedroom
in a white suburban town
as she lay there beneath the covers
dreaming of a thousand lovers
'till the world turned to orange
and the room went spinning 'round

at the age of 37
she realised
she'd never ride
through Paris
in a sports car
with the warm wind in her hair
so she let the phone keep ringing
and she sat there softly singing
pretty nursery rhymes she'd memorised
in her daddy's easy chair

her husband is off to work
and the kids are off to school
and there were oh so many ways
for her to spend a day
she could clean the house for hours
or rearrange the flowers
or run naked through the shady street
screaming all the way

at the age of 37
she realised
she'd never ride
through Paris
in a sports car
with the warm wind in her hair
so she let the phone keep ringing
as she sat there softly singing
pretty nursery rhymes she'd memorised
in her daddy's easy chair

the evening sun touched gently on
the eyes of Lucy Jordan
on the rooftop where she climbed
when all the laughter grew too loud

then she bowed and curtsied to the knight
who reached and offered her his hand
and he led her down to the long white car
that waited past the crowd

at the age of 37
she knew she'd found forever
as she rode along through Paris
with the warm wind in her hair.


("The Ballad of Lucy Jordan", in "Broken English", Island/Universal, 1979)