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31 de maio de 2005

POLAROID: AEROPORTO

Um jovem de camisa branca e mala percorre a rampa das chegadas a ver se vê alguém. Sucedem-se as chegadas, pessoas saem e acenam aos familiares, aos amigos, aos condutores, mas o jovem continua a percorrer a rampa à espera que apareça alguém.

Um senhor de meia-idade espera junto ao gradeamento de metal, e vai batendo ritmicamente no metal com um porta-chaves (uma moeda? uma chave?) enquanto não chega quem veio buscar. Assim que chega e o senhor sai, um jovem negro ocupa o seu lugar e, passado pouco tempo, começa a bater ritmicamente com uma caneta no metal.

Uma senhora (proveniente do México?) coloca o sombrero ornamentado na cabeça à porta da saída das chegadas, para a fotografia que o marido com ar de bancário tira com a máquina digital nova.

30 de maio de 2005

JUNK MAIL

Porque é que uma firma de brindes oferece "turcos personalizados"? E quem será o público-alvo de uma tal proposta?

29 de maio de 2005

OUTRA MANHÃ

Às vezes, não percebo porque é que levo tanto tempo para descobrir discos como este.

nothing ever seems
to make you happy
are you miserable, babe
or are you just plain mean

is there no joy in you
c’mon don't keep me waiting
your broken heart might bring you heaven
but it will not bring you another morning
another morning with Kathleen

someone does you wrong you give away your life to prove it
you wear your pain with pride you refuse to remove it
you become the evil that plays with you like a doll
big rules only make our lives small

was your voice never heard
c’mon you know we were all listening
justice will only bring you
a prison
and it will not bring you another morning
another morning with Kathleen

now you're the big expert with the truth
now you're all apple pie and you're bulletproof
there must have been a short five minutes somewhere in your youth
when you laughed like water breaking over the broken land
when you laughed like the wind burning the sun blind on your face
when you laughed like water breaking over the broken dam
when you laughed like the starting gun at the start of the race
I wanna smash all the violins and the symphony
I wanna see you smile with a real simple melody
it's when you wake up and you're glad that you're breathing
it's when you wake up and you're glad that you're living
well that's another morning
another morning with Kathleen.


- Mark Eitzel para os American Music Club, "Another Morning", in "Love Songs for Patriots" (Cooking Vinyl/Farol, 2004)

BANZAI

Estou verdadeiramente aterrorizado. Por razões que não consigo compreender, sempre que entro no Blogger sou recebido... em japonês (ou será em tailandês?). Isto não era problemático há uns meses atrás, porque os botões básicos ainda estavam todos em inglês. Mas agora (glup!) já não estão! Estou a ver um écrã em caracteres inteiramente japoneses onde só o nome do meu blog e as palavras que vou escrevendo são reconhecivelmente ocidentais! Será que, daqui por uns tempos, os meus posts começam a saír, eles próprios, também em ideogramas nipónicos?

28 de maio de 2005

ELES NÃO SABEM QUE O SONHO COMANDA A VIDA, MAS NÃO ME PARECE QUE FOSSE BEM A ISTO QUE O OUTRO SE REFERIA

Alguém me explica porque é que hoje sonhei que dava um par de estalos a uma daquelas velhotas de bigode lisboetas, de voz de peixeira, atitude de porteirinha e pernas bambas a chinelar pela rua, que vinha a entrar num sítio qualquer público à cabeça de uma comitiva eleitoral-autárquica e fazia um ar de desprezo quando me via? E, se conseguirem, explicam-me também já agora porque é que acordei logo a seguir bem-disposto como já não acontecia há largas semanas?

27 de maio de 2005

PARCERIAS

Os governos podem mudar mas há uma coisa que, garantidamente, não muda: a noção de "parceria" que, em Portugal, não significa "união de pessoas com objectivos comuns", como vem no dicionário. Isto porque, como todos sabemos, em Portugal é (sempre foi) o salve-se-quem-puder, tudo-ao-molho-e-fé-em-Deus, cada-um-por-si. Não me surpreende que o conceito de "serviço público", em Portugal, seja entendido por cada um à sua maneira. E, sinceramente, não vejo como pode haver parcerias quando os parceiros apenas estão interessados em salvaguardar os seus próprios interesses e o resto que se lixe.

Os portugueses queixam-se, sistematicamente, não sem razão, do seu desencanto com a política e com os políticos. A mim, são os portugueses que me desencantam. Todos. Sem excepção.

26 de maio de 2005

POLAROID: ATENDIMENTO DE ENFERMAGEM

Pela primeira vez na vida, encontro uma enfermeira (mais jovem que eu) que me diz peremptoriamente que "não dá injecções em pé" e me diz para me deitar de barriga para baixo na marquesa.

PEQUENO CONSELHO CULINÁRIO

Nunca confiar nas receitas dos livros de culinária marcadas para duas pessoas: a receita do nasi goreng indonésio (arroz frito com legumes) que estreou o wok oferecido pelos anos, supostamente para 2 pessoas, dá à vontade para 4 (e assim já tenho comida para o fim-de-semana, ena ena). Da próxima vez, não me posso esquecer de ter os ingredientes todos prontos com um pouco mais de antecipação.

23 de maio de 2005

SOMOS TODOS BENFIQUISTAS (ou portistas ou sportinguistas, consoante o ano a que se queiram reportar)

E, de repente, Portugal descobre-se grande nação benfiquista; e, de repente, há um cachecol que esvoaça preso numa janela de carro ou desdobrado em cima do tablier ou enrolado à volta do pescoço ou pendurado na parede do cubículo ou do gabinete, uma bandeirinha colocada na porta. De repente, os benfiquistas que andaram escondidos estes anos todos aproveitam a ocasião para revelar as suas "verdadeiras" cores, mesmo que o cachecol lhes fique tão bem como um chapéu madeirense a um esquimó — agora que o Benfica ganhou o campeonato de futebol, é de bom tom estar do lado dos vencedores. Os benfiquistas verdadeiros — aqueles que nunca tiraram o cachecol do tablier ou do gabinete — devem estar todos surpreendidos pela nação que agora se descobre benfiquista. Mas, como em quase tudo, Portugal não se descobriu benfiquista — gosta apenas de se chegar à aura dos vencedores. Mesmo que seja uma vitória mais por defeito do que por feitio, no dia em que começa o habitual sacudir de água do capote à volta dos números do défice, em que uns dizem que a culpa é de quem lá está quando lá esteve antes, outros de quem lá esteve antes e não está agora. Portugal é um pais de perdedores que gostam de se fingir vencedores, de irresponsáveis que se fingem homens de estado, de pequenos e mesquinhos poderes armados em grandes e magnânimos senhores. Portugal, em suma, não interessa nem ao Menino Jesus enquanto nós não nos capacitarmos de que é por termos sido sempre assim todos estes anos que não passamos de uma cepa cada vez mais torta.

(E sim, sou do Benfica e custa-me ver as tias que dizem que o futebol é um horror e que odeiam a irem buscar os cachecóis bafientos a cheirar a naftalina para celebrar convenientemente a [não-tão-]gloriosa[-quanto-isso] vitória e dizer que sempre foram do Benfica, mesmo que nunca o tenham dito a ninguém. Além do mais, vamos lá ser sinceros, por muito contente que eu esteja por o Benfica ter ganho, que importância é que isso tem, a não ser como ópio das massas, quando estamos com um défice de quase 7% e o desemprego com previsões de subida?)

22 de maio de 2005

DALTONISMO EMOCIONAL

Vejo a cinzento o que devia estar a ver às cores. Não a preto e branco — mesmo a cinzento, difuso, indistinto.

AFINAL, PARA QUE SERVEM OS PASSEIOS?

No parque de estacionamento do Amoreiras, ontem, uma jovem muito fashion andava pelo meio da faixa reservada aos carros ao telemóvel com a maior displicência. Mando-lhe uma buzinadela, ela não liga, mando outra e, mal disposto, atiro-lhe com um bem portuguesinho "deve achar que isto é tudo seu, não?" , e ela disparata antes de se virar para o telemóvel e dizer em francês "ooh la la, ces Portugais c'est toujours la même chose".

Arrumando à porta de casa, um casal de idosos desce devagarinho a rua pelo meio da estrada. Não há carros em cima do passeio, que é admissivelmente estreito, mas o casal não só está no meio da estrada como pára para confirmar se está qualquer coisa na mala da senhora.

Esta manhã, numa rua da Lapa, com os passeios perfeitamente livres e desobstruídos, uma senhora dirige-se para o carro pelo meio da estrada. Na Infante Santo, uma outra atravessa a avenida na diagonal, a poucos metros de uma passadeira.

Aqui entre nós, é um milagre como não há mais atropelamentos na Grande Lisboa.

21 de maio de 2005

BONS CONSELHOS

(...) the advice that seems to be uppermost on [Dave] Chappelle's mind is that of his father, who died in 1998. Upon hearing that his son wanted to try comedy, says Chapelle, "he said, 'Name your price before you get there. And if you ever find it's more expensive than what you're prepared to give, then get out'."

- Christopher John Farley, "Dave Speaks", da edição de 23 de Maio da Time

20 de maio de 2005

POLAROID: ATENDIMENTO DE ENFERMAGEM

São nove da manhã. Algumas pessoas amontoam-se no pequeno corredor do centro de saúde, esperando que a porta da sala de enfermagem se abra. Uma jovem dos seus 20 e poucos anos, com uma filha pequena pela mão, resmunga que lá dentro as pessoas «dão à língua» e não dão vazão. Resmungo com ela: então porque é que não protesta com a senhora em vez de cá fora? Depois da senhora que estava lá dentro sair, quando a enfermeira pede, com uma voz exasperada, para as pessoas esperarem na sala, levanta-se um coro de protestos. Espero 45 minutos pela minha vez e, quando a pessoa antes sai, um senhor que esteve em pé cinco minutos à espera pergunta se não pode entrar porque tem a tensão muito alta e da farmácia próximo o reenviaram para aqui; a enfermeira insiste que tem de tirar senha e esperar na sala, «mas afinal estou com a tensão muito alta, quero saber se fico aqui se vou para o hospital» -- respondo-lhe que talvez fosse mais rápido ir ao hospital. Enquanto isso, na sala de espera, reina um ambiente de porteirinha, com as «vizinhas» a resmungarem umas com as outras sobre os atrasos, as burocracias. A burocracia já de si é insuportável; ouvir esta gente que se compraz em protestar por as coisas correrem mal mas não é capaz de ajudar a que elas corram bem e ainda puxa mais para baixo torna tudo insustentável.

19 de maio de 2005

POLAROID: CONSULTÓRIOS

Enquanto aguardo a minha vez de ser atendido pela recepcionista, duas solteironas com ar de beatas (camisas cinzentas de gola fechada ao pescoço, colar de pérolas, óculos tintados, saias recatadas e sapatos rasos) confundem-se com o número da senha que é chamada.

Uma idosa de bengala senta-se com dificuldade na cadeira ao lado da minha, depois de pousar um saco de compras em cima da mesinha de apoio, ao lado do capacete do rapaz que está a ser atendido. A senhora transporta um odor bafiento, claustrofóbico, usa roupa demasiado quente para o calor que está; tem o cabelo ralo apanhado numa trança e, como muitas das idosas portuguesas, insiste em usar brincos à minhota. Vira-se para mim e pergunta-me qual o número que está escrito na sua senha; pede-me três vezes para o repetir.

17 de maio de 2005

ser ou não ser gente
ter ou não ter sonhos
mais exactamente - vir
à tona dos sonhos
ter sempre a certeza das dúvidas
por via das dúvidas saber o que achar

dobradores do ferro
sopradores do vidro
na margem do erro - ser
claro como o vidro
ter sempre a destreza da prática
por via da prática saber o que achar

ah, morrer, dormir, talvez sonhar
mas então
que outros sonhos virão?
morrendo, vivendo, dormindo
talvez que sonhando...
ter sempre a certeza da música
por via da música tocar e cantar

sedutores da musa
amadores da alma
mesmo que difusa - ser
a imagem da alma
ter sempre a clareza da fábula
por via da fábula saber o que achar

dedos semelhantes
às velozes aves
mesmo que distante - ouvir
o chamar das aves
ter sempre a afoiteza do pássaro
por via do pássaro
por via do pássaro subir e pousar

ah, morrer, dormir, talvez sonhar
mas então
que outros sonhos virão?
morrendo, vivendo, dormindo
talvez que sonhando...
ter sempre a certeza da música
por via da música tocar e cantar.


- Sérgio Godinho pelos Gaiteiros de Lisboa, "Talvez que Sonhando", in "Invasões Bárbaras" (Farol 1995)

[in memoriam Fernando Magalhães 1955-2005]

RANDOM ACTS OF KINDNESS

Há coisa de uma semana, quando fui radiografar o joelho, levei a factura da electricidade para pagar no bolso de trás das calças, e, chegado ao consultório, depois de a ter pago, descobri que já não estava no bolso. Onde raio a terei perdido?, perguntei-me sem chegar a grande conclusão, mas tinha o comprovativo do multibanco e, portanto, não me preocupei grandemente com o que, no fundo, não tinha grande remédio.

Esta tarde, ao chegar do emprego, dou na minha caixa do correio com um envelope sem remetente, daqueles com um apartado habitualmente enviados pelos bancos, que, lá dentro, trazia a factura da electricidade que perdi há uma semana, com uma nota escrita à mão com uma assinatura ilegível dizendo "recibo encontrado na R. Alexandre Herculano 11.05.05".

16 de maio de 2005

NÓS E OS OUTROS #3

A cultura salvou-te. Como é que ela te começou a estragar?

(...) Como muitos adolescentes, pensava descobrir coisas novas em folha, brilhantes, palácios, e dei por mim a descobrir ruínas. Foi aí que se deu o corte. O fardo nunca mais me largou daí para a frente. Com o entusiasmo da adolescência, pensas ser ilimitado. Os anos passam e compreendes que és limitado; subitamente, quebra-se o élan. Achas-te supersónico e percebes que és um avião a hélices. A cultura pode estragar-te porque te dá ilusões.


(Jean-Louis Murat, em entrevista a Christian Fevret da revista Les Inrockuptibles, Setembro de 1991)

15 de maio de 2005

NÓS E OS OUTROS #2

Por vezes, o meu sucesso foi embaraçoso. Entre 1981 e 1990, não vi nada, não prestei a atenção suficiente e, felizmente, creio que isso me salvou, essa espécie de inconsciência permitiu-me manter a minha linha, que não era assim tão fácil de manter devido a todas essas pressões, todas essas armadilhas. De repente agradamos à imprensa especializada, à imprensa popular, depois de repente já não agradamos a ninguém, e depois volta tudo ao que era. As coisas não param de mudar e é preciso que nós nos mantenhamos idênticos. Forçosamente, há derrapagens, quando dou por mim em posters em quartos de miúdos, começo a pensar "ai ai", por muito agradável que seja pensar que sou capaz de pôr alguém a sonhar...

(...) Perdeste-te por vezes nesses jogos de máscaras?
Ultrapassou-me, a certa altura. Mas tinha mais a ver com a maneira como falavam de mim do que comigo próprio. Sempre me senti muito mal à vontade com os elogios, prefiro que me ataquem do que me elogiem.

(...)Alguns anos mais tarde, em meados dos anos 90, acabaste por ir-te abaixo e fugir. A fuga era então a única solução?
Estava a sair de "Paris Ailleurs" e "Mon Manège à Moi", era o caminho real: números um, singles de êxito... E contudo tornava-se invivível, tinha que me afastar, dar-me o direito de envelhecer, de mudar. Decidi então ir viver sozinho para Londres, visto que em Paris estou sempre rodeado de gente. Refiz-me uma vida, sem ser Etienne Daho, só um tipo de novo ligado ao quotidiano. Desde que tinha saído da faculdade, apenas tinha conhecido a existência de cantor, uma vida anormal, ao lado da vida, enquanto que as minhas canções apenas se deveriam alimentar da vida, dos encontros casuais, do perigo. Em Londres, coloquei-me em perigo na solidão mais total. Face a mim próprio, tive de fazer um balanço. Bastante positivo: era um estudantezinho autista, e agora canto há 13 anos, algumas das minhas canções acompanharam a vida de alguma gente. Mas há anos que não tinha tido tempo para criar essa distância, para arrumar a minha vida."


(Etienne Daho em entrevista a JD Beauvallet da revista Les Inrockuptibles, Abril de 2000)

NÓS E OS OUTROS #1

Sempre funcionei assim: quando nos sentimos vazios, quando sentimos que não temos mais nada a dar, creio que é preciso saber voltar a pensar em nós, tornarmo-nos de novo um pouco egoístas. É a nossa única hipótese de podermos voltar a dar, em seguida. Não sei como fazem os outros, aqueles que preferem não se ouvir. Forçosamente, vão abaixo a certa altura.

(Alain Bashung, em entrevista a Richard Robert da revista Les Inrockuptibles, Março de 1995)

14 de maio de 2005

PEQUENA SUGESTÃO AOS PROGRAMADORES DAS SALAS DE ESPECTÁCULOS

Isto de começar concertos às 21h00 não está com nada. Primeiro, não dá tempo para uma pessoa jantar pacatamente - e todos sabemos como os portugueses gostam de fruir a refeição nocturna - e eleva acentuadamente o risco da plateia chegar atrasada. Segundo, se é para actualizar Portugal com os países europeus que começam os concertos mais cedo, o ideal seria seguir o modelo inglês e começá-los às 19h30 ou mesmo às 20h00 - assim, ao menos, quando se acabar o concerto ainda se está na hora de jantar. Agora, começar às 21h00 acaba por não agradar nem a gregos nem a troianos - é demasiado cedo para se jantar em paz antes e demasiado tarde para se jantar em paz depois.

13 de maio de 2005

POLAROID: TÁXI

Só em Lisboa é que se descobre um taxista com tiques que, enquanto sobe a Duque de Loulé à velocidade máxima permitida, agita a cabeça para a esquerda a intervalos regulares.

12 de maio de 2005

CARROS

É curioso como, ao fim nem que seja de um único dia a guiar outro carro, já estranho o meu quando volto a pegar nele. E é ainda mais curioso quando, ao fim de poucos minutos, já me habituei a ele outra vez, como uma camisola velha que insistimos em usar porque nos sentimos confortáveis com ela vestida, mesmo sabendo que a nova está mais bonita, não está amarrotada nem tem buracos e, se calhar, até nos fica melhor.

11 de maio de 2005

TRINTA E NOVE CINQUENTA E SETE SIERRA SIERRA

Ironia: em sete anos de carta de condução, nunca fui parado por infracção mas apenas em operações de rotina. Logo hoje, que conduzia o carro emprestado do meu irmão enquanto o meu está na garagem, é que fui parado por uma possivel infracção que não existiu — um identificador que não foi lido correctamente pelo radar da portagem...

10 de maio de 2005

POLAROID: CONSULTORIO

Na minúscula recepção, uma senhora faz a chamada "peixeirada" por motivos que me escapam e que só se tornaram perceptíveis quando a ouvi levantar a voz e exigir à recepcionista (claramente amadora, principiante, cheia de boa vontade) que se identifique e dê os dados pessoais para apresentar reclamação. Quando cheguei, duas recepcionistas procuravam afanosamente uma credencial perdida algures.

O consultório foi todo renovado e pintado mas, na sala das radiografias, continua a ser a mesma velha máquina de radiografias do "tempo da outra senhora". Mesmo que a máquina das ecografias seja um modelo "state-of-the-art", a secção de radiografias dá a entender que o dinheiro não chegou para tudo. A técnica que radiografa o meu joelho é brasileira e recebe-me com a educação cortês mínima e a displicência de quem já só quer ir para casa descansar do dia de trabalho (e ainda só é terça-feira).

A sala de espera continua a ser uma sala de espera típica de apartamento lisboeta tradicional reconvertido em consultório: sofás vintage anos 60/70 (dois cadeirões vermelhos de formas arredondadas, nove poltronas creme/bege sujo em três grupos de três), candeeiro de tecto que parece um espanador branco de pontas negras embrulhado à volta de uma bola de espelhos sem espelho, quatro apliques rectangulares brancos na parede lilás claro. E um televisor freneticamente ligado na TVI.

9 de maio de 2005

CONSTATAÇÃO

A quantidade de tempo que algumas pessoas gastam em certas tarefas é inversamente proporcional à importância que essas mesmas tarefas têm e à inteligência dessas mesmas pessoas.

NÃO, NÃO ÉS O ÚNICO

Deixa lá, Alexandre, não foste o único que gostava de ir ver Laurie e não foi (embora as minhas razões não tenham sido as mesmas que as tuas). Mas, pronto, eu já a vi ao vivo em Lisboa, quando ela veio ao Coliseu. O que, diga-se, apenas irrita mais por não a ter visto desta vez. (E também já vi Bruce Springsteen em Barcelona, com a E Street Band.)

8 de maio de 2005

REVISTA DE IMPRENSA

Fim-de-semana caseirinho. Tempo para terminar as actualidades da semana e pôr em dia algumas das revistas em atraso. Na Time da semana, bela peça sobre as eleições britânicas (evidentemente, anterior aos resultados!), mas a capa é entregue ao "Episódio III" da saga "Star Wars", à beirinha de estrear (falta pouco mais de uma semana), que o crítico residente Richard Corliss recomenda vivamente como superior aos "Episódios I" e "II" (também, não era inteiramente improvável que o fosse). George Lucas fala e diz coisas com interesse.

Na Economist, descubro que apesar do mercado publicitário da imprensa escrita estar em recessão, o segmento das revistas people está em franco crescimento nos EUA, com quatro novos títulos a desenharem-se no horizonte, mas que os mesmos EUA continuam profundamente atrasados no que diz respeito à adopção de uma base de dados centralizada com informações médicas — aliás, continuam profundamente atrasados no que diz respeito à informatização e processamento das fichas clínicas. De caminho, a revista não está particularmente convencida com a adaptação cinematográfica do "Hitchhiker's Guide to the Galaxy" (estreia prevista em Portugal para Agosto), mas admite que nem sequer teria sido concretizada se Douglas Adams — que exigia controle absoluto sobre a produção e chegou ainda a co-assinar o argumento — ainda fosse vivo.

A Wired de Março (eu dizia que estava a pôr revistas atrasadas em dia...) atira-se ao futuro da rádio (sempre de uma perspectiva americana, entenda-se). Das rádios digitais por satélite à redescoberta do programa de autor personalizado, passando pelo "podcasting" (imagine-se um blog em rádio), vale tudo num número onde também se investigam... as sanitas do futuro. Já a Première francesa (também de Março, continuo atrasado) propõe uma entrevista inteligente de Will Smith sobre as mecânicas da sedução e outra de Clint Eastwood sobre "Million Dollar Baby" (boa, e ao nível da que os Cahiers du Cinéma publicaram no mesmo mês). Mais a rendição absoluta e incompreensível da revista a "Antes do Anoitecer" (que só estreou em França seis meses depois de Portugal), com uma bela entrevista de Julie Delpy a explicar que se está a marimbar para o conceito tradicional de "carreira".

CONSTATAÇÃO

O compromisso pode ser um prenúncio/anúncio do fracasso.

7 de maio de 2005

...

Sabe bem uma tarde de sábado preguiçosa, o sol a entrar pela varanda enquanto faço as arrumações habituais de fim-de-semana (entre escolher jornais, pôr um pouco de ordem na secretária que a semana deixou em caos, trincar o pão com chouriço do supermercado em frente onde fiz as compras da semana, pôr cargas de roupa na máquina, pensar na sopa que vou fazer para o jantar).

6 de maio de 2005

O ASSEIO DO GATO

Esta manhã, quando saía de casa, deparei com um odor nauseabundo no meu patamar e dei com o meu tapete de entrada muito dobradinho. Encontrar o tapete dobradinho não é fora do vulgar, porque a porteira costuma lavar as escadas uma vez por semana e, depois de as lavar, encosta os tapetes dobrados às portas. O odor nauseabundo é que não era nada normal e, quando ouvi os miares desajeitados de um gato no patamar do 1º andar, percebi que um dos gatos do prédio tinha ficado fechado fora de casa durante a noite.

Evidentemente, assim que desdobrei o tapete percebi que o gato tinha muito asseadamente deixado um pequeno "presente" no meu tapete (mas porquê no meu, quando há pelo menos sete outros no prédio?) e, depois de o ter feito, tinha asseadamente dobrado o tapete para não chamar a atenção para o seu deslize.

5 de maio de 2005

ELA SABE



From the 22nd floor,
walking down the corridor,
looking out the picture window down
on Sycamore.
While perspective lines converge,
rows of cars and buses merge.
All the sweet green trees of Atlanta burst
like little bombs;
or little pom-poms,
shaken by a careless hand
that dries them off
and leaves again.

Life just kind of empties out,
less a deluge than a drought,
less a giant mushroom cloud
than an unexploded shell
inside a cell
of the Lennox Hotel.

On the 22nd floor —
found a notice on my door.
While outside, the sun is shining on
those little bombs —
those little pom-poms.

Life just kind of empties out,
less a deluge than a drought,
less a giant mushroom cloud
than an unexploded shell;
inside a cell
of the Lennox Hotel.


- Aimee Mann, "Little Bombs", in "The Forgotten Arm" (Superego Records/V2, 2005)

(Podem ouvir e, sobretudo, ler este sublime álbum aqui.)

3 de maio de 2005

PEQUENOS IRRITANTES QUOTIDIANOS #31 (no âmbito da presidência temática do Exmo. Sr. Presidente da República)

Condutores que, em zonas de obras com bermas elevadas ("speed bumps" em inglês), em vez de manterem uma velocidade baixa constante, aceleram entre cada berma para quase travarem o carro para proteger a suspensão.

2 de maio de 2005

PEQUENO PROTESTO JUNTO DO SINDICATO

Isto não se faz. Então não é que os meus bloguistas preferidos andam todos a fugir com o rabo à seringa e passam semanas sem dar notícias? Alexandre, Nuno, R. (a ordem é estritamente alfabética), façam lá a fineza de não me deixar para aqui a falar sózinho. OK?

POLAROID: BALNEÁRIO

Pelo meio dos bancos de metal e madeira e dos cabides, dois homens ensaiam uma coreografia de dança de salão, sem os requebros de espectáculo. Um deles, colarinho aberto na camisa negra, cordão ao pescoço, cabelo escorrido apanhado num rabo de cavalo, conta os passos e lidera a coreografia, ajudando o outro a colocar os braços, as mãos, os pés.

O meu telefone toca no cacifo do balneário. É um operador de telemarketing do meu serviço de televisão por cabo, que, segundo o meu telemóvel, já ligou uma vez anteriormente. Tem sotaque brasileiro, como aliás quase todos os operadores que me ligaram do serviço nas últimas semanas. Digo-lhe que neste momento não é conveniente e me está a incomodar; ele pergunta se pode ligar amanhã à mesma hora.

1 de maio de 2005

EVREUX (a geografia do remorso)

Continuo apaixonado por este disco.



mardi 3 janvier 20h20
dans un restaurant vietnamien
sur les trottoirs
il neige un peu
à Evreux

dans la salle vide un poisson
capturé en mer du Japon
se cogne dans un carré bleu
à Evreux

et dans ma tasse de saké
une femme nue apparaît
je crois que tu vas me manquer

après

le serveur un peu maladroit
et vietnamien autant que moi
débarqué
en 82
à Evreux

le plat numéro 43
c’est du porc avec du soja
et le canard
c’est pour monsieur
à Evreux

et dans ma tasse de saké
la femme nue a disparu
je crois que tu vas me manquer
tu crois qu’il neige dans la rue

dans un restaurant vietnamien
tu as laissé passer ma marque
dans tes cheveux
tu vas me manquer

tu vas me manquer
un peu
tu vas me manquer un peu
tu vas me manquer un peu.


- Vincent Delerm, "Evreux", in "Kensington Square" (Tôt ou Tard, 2004)