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28 de fevereiro de 2006

O NINJA ATRAPALHADO

Em plena rua da Escola Politécnica, a mãe vira-se para trás e chama o filho que se deixou atrasar do grupo, a tentar voltar a prender à volta da cintura da fantasia de ninja a espada de plástico que caiu ao chão. Fossem os ninjas todos assim tão atrapalhados e duvido que as criancinhas quisessem andar fantasiadas de ninja.

GRAFFITI

Visto num andaime na rua Alexandre Herculano, escrito discretamente a marcador preto entre dois cartazes rasgados: "Tem cuidado sff"

27 de fevereiro de 2006

INTERROGAÇAO EXISTENCIAL

Quando os táxis eram pretos com as capotas verdes, não deixou de haver carros pretos. Desde que os táxis são creme, nunca mais se viram carros de cor creme.

26 de fevereiro de 2006

DIFERENÇAS CULTURAIS

Uma coisa que os meus amigos estrangeiros acham muito peculiar em mim é a minha predilecção, sobretudo de Inverno, por uma chávena de leite quente (só consigo bebê-lo frio de Verão). A presença do leite à mesa do pequeno-almoço limita-se ao bulezinho do "creamer", que o mesmo dizer, o leite ou substituto do leite para aclarar o café (de que o café berlinense do meu hotel bem precisava...). Ou então ao pacote de leite no frigorífico para juntar aos flocos — mas sempre frio. O meu leite quente é visto por quase todos os meus amigos estrangeiros como uma coisa horrível.

25 de fevereiro de 2006

PORNOGRAFIA GUSTATIVA

Ele já havia a porno-tikka masala do Natraj. Agora há o porno-cheesecake com bolacha esfarelada e molho de framboesa da Cristina.

24 de fevereiro de 2006

GELDAUTOMAT

Lembram-se quando eu me queixei de ter que pagar uma comissão de levantamento nos multibancos de São Francisco? Pois descobri que os meus levantamentos de dinheiro nos multibancos de Berlim (melhor: nos Geldautomaten, que é como os alemães dizem multibanco, do Deutsche Bank na Potsdamer Platz — que, ainda por cima, não dão talões) foram contabilizados como levantamentos a crédito, com uma taxa de €3,50 por cada levantamento de €50,00 e uma taxa de €5,00 num levantamento de €100,00. E, se acreditar na chamada de capa do Metro de hoje, os levantamentos nos nossos multibancos vão passar a ser pagos também.

23 de fevereiro de 2006

ZOO PALAST

É o outro cinema fora do enfiamento da Potsdamer Platz onde vi filmes no Festival de Berlim — fica mesmo ao lado da célebre "Zoo station" dos U2 (de seu verdadeiro nome Bahnhof Zoologischer Garten). Ao entrar na majestosa sala 1 (mil lugares, cheios a abarrotar quando lá fui), com a sua estrutura redonda, lembrei-me do Apolo 70 mas também do São Jorge, e das salas clássicas de Lisboa que hoje já quase não resistem. Gosto destas fachadas "cegas", antigas, deste estilo marcadamente anos 50, desta grandiosidade pensada para outras eras. Vejam-no aqui.

VOX POPULI

Ouvido na TSF, hoje, no noticiário das oito: uma vendedora do Bulhão acha que isto da gripe das aves é tudo fabricado para lixar os vendedores de frangos, porque dizem que só vai haver vacinas em 2007 e que a gripe chega a Portugal em 2006.

22 de fevereiro de 2006

KINO INTERNATIONAL

Fica na antiga Berlim Leste, na Karl-Marx-Allee, antiga avenida da "nomenklatura" no enfiamento da Alexanderplatz. Arquitecturalmente, é um cinema modelar de um certo modo de pensar as salas de cinema nos anos 50, com os foyers espaçosos de poltronas confortáveis, a decoração revestida a madeira, a sala em anfiteatro de grande dimensão. Vi lá um único filme deste Festival de Berlim, mas fiquei apaixonado pelo décor. Podem vê-lo aqui — e perceberão o meu encanto se fizerem a "3d tour" — mas conseguem ter uma melhor ideia da arquitectura aqui.

21 de fevereiro de 2006

HUMOR BERLINENSE

Há um bar, em Linienstraße 136 (metro U6 Oranienburger Tor), a poucos metros da galeria C/O Berlin onde está a excelente exposição de Annie Leibovitz, que dá pelo requintado nome de The Sharon Stonewall Bar.

POLAROID: METRO U2 ZOOLOGISCHER GARTEN-ALEXANDERPLATZ

Um polícia fardado, de mochila às costas e saco de desporto, entra comigo na carruagem de metro na estação de Zoologischer Garten. Espera até que todos se sentem na carruagem meio vazia e o comboio arranque para se sentar, boné na mão, mochila entre as pernas, saco de desporto na lateral do banco. Mastiga discretamente uma pastilha elástica, varrendo a carruagem com o olhar.

POR FALAR EM AEROPORTOS

Berlim pode ser a capital da Alemanha e ter três aeroportos, mas não há carreira regular directa Lisboa-Berlim.

20 de fevereiro de 2006

JET-LAG

É muito estranho aterrar de novo em Lisboa, depois de um mês de ausência (duas semanas de férias em São Francisco a oito horas de distância a menos, quase duas semanas de trabalho em Berlim a uma hora de distância a mais). A sensação primordial é de desfasamento, de desorientação; como se o supermercado onde me avio regularmente, de repente, fosse outro, como se as coisas tivessem mudado imperceptivelmente.

BERLIN TEGEL

Tegel, na orla do centro, é um dos três aeroportos que serve Berlim (os outros dois são Tempelhof, em pleno centro da cidade, e Schönefeld, a 20 km). E é um aeroporto curioso, porque não funciona pela lógica habitual do átrio central a partir do qual se acede às várias portas de embarque; funciona, ao contrário, como uma "península" ou um grupo de "ilhas" interligadas em que o passageiro pode aceder directamente ao seu portão de embarque sem passar por nenhum átrio central. À entrada do aeroporto, um enorme painel anuncia os portões dos vários vôos e basta apenas dirigir-se directamente ao certo para fazer o check-in e embarcar.

19 de fevereiro de 2006

PROGRAMA CULTURAL DE DOMINGO

Passeio do dia: a pé do hotel (Park Inn Berlin-Alexanderplatz) até à Karl-Marx-Allee para fotografar a fabulosa arquitectura do cinema International. Metro: U5 Schillingstraße de retorno a Alexanderplatz para apanhar a linha U8 para Kottbusser Tor, ligar com a U1 para Hallisches Tor e a U6 para Kochstraße, saindo junto à Haus am Checkpoint Charlie (fechada para obras), vendo o Checkpoint Charlie propriamente dito (nao há muito para ver, à excepcao dos vendedores de rua e da sua mercadoria de relíquias da Guerra Fria, que vao de gorros do Exército Vermelho até máscaras de gás russas) e fazendo a Friedrichstraße a pé até Unter den Linden. Aqui, apanho o autocarro 100, que faz o "percurso turístico" (felizmente sem guia) pelo centro de Berlim até ao Zoologischer Garten. Saio, tiro fotografias à fabulosa arquitectura do cinema Zoo Palast e à destruída Gedächtnis-Kirche, relíquia da II Guerra Mundial, e vou a pé até ao Bauhaus-Archiv perto da Kurfürstenstraße. É um edifício lindíssimo, mas a exposicao permanente é pobrezinha para os sete euros que pedem pela entrada. Volto a apanhar o 100 até à Brandenburger Tor, onde retorno a Friedrichstraße e atravesso o Spree para ir almocar a Oranienburger Straße. À saída, atravesso a Tucholskystraße para, na Linienstraße, ir à galeria C/O Berlin ver a magnífica exposicao de retratos de músicos americanos por Annie Leibovitz, "American Music", e meto-me no metro até Potsdamer Platz. Retorno ao "local do crime" onde passei a maior parte dos últimos dez dias em trabalho para ver aquilo que nao tive tempo de ver enquanto o Festival de Berlim decorreu: o extraordinário Berlin Film Museum, com uma arquitectura sumptuosa ocupando três pisos do edifício do Sony Center na Potsdamer Straße e um percurso de visita absolutamente deslumbrante na sua construcao multimedia. Porque, sim, os museus berlinenses estao abertos ao domingo, e têm muita gente.

DISTÂNCIA

Em Berlim, tudo fica mais perto do que parece, como percebi hoje no "dia livre" em que andei a passear pela cidade. É mais directo apanhar o autocarro 148 de Alexanderplatz para a Potsdamerstraße do que o metro (embora, em dia de semana, provavelmente leve um tudo nada mais de tempo). Dá para ir a pé da Alexanderplatz até à zona dos restaurantes em Mitte, Oranienburger Straße, ou apanhar o eléctrico M6, e leva menos tempo do que a volta que tem de se dar no metro (quatro paragens até Stadtmitte, trocar de linha e mais quatro paragens até Oranienburger Tor). Unter den Linden nao tem sequer paragem de metro (vai haver uma em Brandenburger Tor, mas está ainda em construcao) mas nao faz mal, porque há pelo menos duas paragens da linha U6 que nao ficam longe. Tudo isto, também, porque os transportes públicos dos rapazes funcionam - e funcionam mesmo, com aquela pontualidade que associamos habitualmente aos germânicos. É difícil uma pessoa perder-se no sistema de transportes berlinense desde que tenha apanhado as coordenadas básicas. Mas é um facto que também há gente para tudo.

HUMOR BERLINENSE

Lido num reclame à loja Berlin Kaufhaus, em Unter den Linden:

"Good girls go to heaven, bad girls go to Berlin, and the worst girls shop at Berlin Kaufhaus"

Curioso é o facto da Berlin Kaufhaus ser uma loja de souvenirs.

18 de fevereiro de 2006

O PÁSSARO NO METRO

Há um pombo a passear, como quem não quer a coisa, pelo cais da linha U2 da estação de metro de Alexanderplatz, às 8h15 da manhã de sábado.

U-BAHN

Os berlinenses lêem no metro. Muito. De manhã, em cada carruagem, quatro em cada cinco passageiros, indiferentemente da sua idade ou sexo, lêem um dos jornais diários como o Tagesspiegel ou o Berliner Zeitung (mais eles) ou um livro de bolso (mais elas). Os berlinenses andam muito de metro. No metro pode-se transportar a bicicleta, no metro come-se e bebe-se (à noite, é vê-los a ir ou a vir da "night" com as garrafas de cerveja, água ou refrigerante na mão). No metro, como não se está a guiar - e como diz um dos seus anúncios - , não há brigada de trânsito a pedir para soprar no balão.

Há televisão no metro, como em Lisboa - chama-se Berliner Fenster - mas não é bem como em Lisboa; em vez de ser nas estações, é nas carruagens, e em vez de ser essencialmente publicidade com notícias pelo meio, é notícias com serviço público e alguma publicidade pelo meio.

14 de fevereiro de 2006

DIÁRIO DE BERLIM

07h00: despertador, duche, barba
07h30: pequeno-almoço no hotel
08h00: saída do hotel, direcção estação de metro Alexanderplatz com destino a Potsdamer Platz
08h30: chegada a Potsdamer Platz: passagem pelo centro de imprensa do Grand Hyatt e pelo centro de imprensa do Berlinale Palast para levantar o material do dia
09h00: primeira projecção obrigatória do dia no Berlinale Palast
11h00/11h30: "café mocha" e bolo no Starbucks
12h00/12h30: segunda projecção obrigatória do dia no Berlinale Palast
14h00/14h30: almoço apressado (um bagel, um hamburger, outra coisa rápida)
14h30/15h00: centro de imprensa para escrever os textos do dia
17h30: período livre até ao jantar, aproveitado geralmente para passear um bocadinho, conversar com amigos, voltar ao hotel para largar material
19h00: jantar, sozinho ou com pessoal amigo também em Berlim em trabalho, geralmente na zona de Potsdamer Platz
21h30: terceira projecção obrigatória do dia no CinemaxX Potsdamer Platz
23h30/24h00: regresso ao hotel em Alexanderplatz e queda na cama cheio de sono para seis/sete horas de sono

E assim fica explicado porque é que este blog tem andado um bocadinho deserto de novidades.

12 de fevereiro de 2006

JAYWALKING V2.0 (correcção)

Afinal, há semáforos para peões em Berlim. Só que única e exclusivamente nos cruzamentos principais e mais complicados; o grosso das ruas não os têm de todo.

TURISMO METROPOLITANO

O metro berlinense é das poucas coisas que tenho realmente tido oportunidade de ver, nos vai-vens constantes entre o hotel numa Alexanderplatz em extensivas obras de renovação (parece o Porto durante a construção do metro, Lisboa durante as obras da Expo) e o centro nevrálgico do festival na Potsdamer Platz (a zona oriental depois da Expo, repleta de edifícios modernos, cromados, vistosos). Já conheço os cantos à Marlene-Dietrich-Platz, ao Theater am Potsdamer Platz reconvertido para a ocasião em Berlinale Palast, ao centro de imprensa no hotel Grand Hyatt, aos restaurantes da zona (que não são muitos nem muito interessantes), ao CinemaxX Potsdamer Platz, e entre projecções e textos (e os horários bizarros de refeições dos alemães, que almoçam a horas em que estou a ver filmes e jantam às seis da tarde uma coisinha leve, com o resultado de que às nove da noite estão os restaurantes a fechar), o tempo não tem sobrado para o resto. Berlim, ela própria, ainda me é bastante desconhecida. E tenho uma queixa a fazer à BVG, empresa que gere o metro: porque carga d'água é que, na estação de Zoologischer Garten, só se acede ao cais U2 direcção Pankow através de uma única saída, sem correspondência com o átrio central nem as outras saídas? Antes que eu o percebesse perdi ali 10 minutos à procura de um acesso que estava sinalizado mas, evidentemente, não existia.

A CIDADE DOS PLANTÍGRADOS

Berlim pulula com ursos. O urso é o símbolo da cidade, visível em alguns emblemas públicos e num sem-número de anúncios e cartazes - e é também o símbolo do Festival de Cinema de Berlim, que atribui anualmente o Urso de Ouro e cujo logotipo representa um urso peludo de pé. Espalhados por Berlim estão ursos coloridos recortados em tamanho real, perfeitos para os transeuntes fotografarem aproveitando o bom tempo, frio e seco, que hoje, finalmente, fez a sua aparição.

10 de fevereiro de 2006

MOEDA

É muito ágradável viajar para um país onde, partilhando a mesma moeda oficial, conseguimos ter a noção do que estamos a pagar por relação ao nosso próprio país. E para o qual não precisamos de ir ao banco trocar dinheiro nem estar sempre a fazer conversões mentais.

JAYWALKING

Uma das coisas mais surpreendentes em Berlim é a absoluta ausência de passadeiras de peões nas ruas. Toda a gente atravessa onde bem entender, mesmo em frente dos carros eléctricos se for preciso - confesso que, num país que é conhecido pela sua organização meticulosa, esta ausência me parece um tanto ou quanto fora de carácter.

AH COMO É BOM ASSIM ACORDAR

Acordar no 32º andar do Park Inn Berlin-Alexanderplatz e ver o topo da Fernsehturm primeiro invisível por entre o nevoeiro e, depois, a "bola" central coberta de neve, e depois olhar para os topos de todos os prédios, novos e velhos, da enorme praça da antiga Berlim Leste, e vê-los brancos com a neve que caiu durante a noite.

U BHF ALEXANDERPLATZ

Na estação antiga, as linhas U2, U5 e U8 cruzam-se em plataformas sobrepostas, como uma cruz que vai em direcções diferentes. Os comboios das linhas U5 e U8 são modernos, articulados, amarelos forte. Os comboios da linha U2 são mais antigos. Mas o som da voz que anuncia a próxima estação é exactamente igual ao que se ouve no metro de Lisboa. E os elevadores que fazem a ligação entre os dois pisos da estação e a superfície são tão lentos como os do metro de Lisboa.

9 de fevereiro de 2006

EFEITO DE ESTUFA

Ontem, chovia. Hoje de manhã, fazia sol. A meio da tarde, nevava. Agora, chove outra vez. O que vale é que continua um frio de rachar.

CADÊ O REVISOR?

Tanto falamos nós do sistema de bilhética do nosso metro que é uma surpresa chegar a Berlim e encontrar um metropolitano que, literalmente, confia nos seus passageiros: não há barreiras de espécie nenhuma, o passageiro compra o bilhete, valida-o numa máquina e acede ao cais sem atravessar nenhuma barreira ou encontrar nenhum controle. Claro que a coisa abre completamente o flanco aos penduras. Mas eles parecem não se importar muito com isso.

8 de fevereiro de 2006

U-BAHN

Acreditem ou não, a linha de metropolitano que apanho na Alexanderplatz para ir para a Berlinale, na Potzdamer Platz, a sete estações (antigas, patuscas, mais sobre isso noutra polaroid) de distância é a linha... U2. E, por acaso, passa pela estação do Jardim Zoológico (não vos diz nada?).

ICH BIN EIN BERLINER

Do meu quarto de hotel tenho uma vista magnífica sobre a Alexanderplatz iluminada de noite, com a Fernsehturm - a célebre torre de rádio e televisão - mesmo em frente. E as obras de renovação a continuarem mesmo à entrada do hotel.

6 de fevereiro de 2006

ENQUANTO ISSO, NO MUNDO REAL

Uma pessoa percebe que regressou a Portugal quando apanha nos noticiários declarações dos funcionários judiciais a justificarem a sua greve de zelo com os maus tratos por parte do governo e dos cidadãos indignados por a Segurança Social cobrar duas vezes as mesmas dívidas.

ETHEL! OUR PLANE IS LEAVING!

Uma pessoa percebe logo quando regressa a Portugal quando apanha, no vôo de Londres, um quarentão de poupa que, por baixo do blusão vermelho Benfica, traz um arrazoado de medalhas sobre uma T-shirt branca que diz à frente "PS Nazaré" e nas costas "Mudança Diferente com João Benavente", deixando ver no antebraço a tatuagem de coração trespassado por uma flecha desenhada a caneta de feltro com "São" escrito, e passa as duas horas a emborcar latas de cerveja. Laurie Anderson já o descrevera em "The Ugly One with the Jewels and Other Stories": é muito triste quando a nossa identidade nacional consegue ser resumida em meia-dúzia de características.

LISBOA

É curioso como, apesar do sol e do azul luminoso do céu que só Lisboa consegue ter, tudo me parece a preto e branco após duas semanas noutra cidade. E mais curioso ainda é perceber como as velhas rotinas se reencontram de modo quase atávico, intuitivo, automático, como lhes regressamos sem verdadeiramente dar por isso.

5 de fevereiro de 2006

O JARDIM DOS ESQUILOS

A última memória destas férias em São Francisco, apenas algumas horas antes de embarcar no vôo de regresso a Lisboa via Londres: uma visita ao Jardim Botânico situado no Golden Gate Park, um pequeno oásis de calma bem no meio do trânsito louco da zona do Presidio, mesmo à beirinha da via rápida que leva à ponte Golden Gate, que só aqui e ali se ouve por entre o verde, os patos, os pardais. Onde há um jardim zen japonês e pequenos trilhos de terra onde o visitante se pode deixar perder na certeza de que regressa sempre ao ponto de partida — e onde os esquilos pululam em quantidades assinaláveis à espera que algum visitante mais simpático lhes atire uma avelã ou uma noz que traga no bolso, chegando até ao limite desavergonhado de fazer pose para as câmaras fotográficas.

4 de fevereiro de 2006

CASA

Vazia e fria, depois de duas semanas noutra cidade. Por três dias apenas, antes de arrancar para Berlim, desta vez em trabalho.

3 de fevereiro de 2006

KYOTO

Se alguém que me estiver a ler passar por São Francisco até dia 26, faça a fineza de não perder a extraordinária exposição de arte japonesa produzida em Kyoto no século XVIII, "Traditions Unbound", patente no Museu de Arte Asiática (no antigo edifício da biblioteca municipal, na Larkin, mesmo à esquina da Market, em frente à grandiosa Câmara Municipal e ao lado da nova biblioteca pública municipal, que é um exemplo para qualquer cidade). São exemplares da milenar arte de pintar ~em painéis, biombos e pergaminhos requintadamente trabalhados, com tintas, caligrafia, folha de prata ou oura e pergaminho aplicados sobre luxuosos painéis de seda ou portas deslizantes de papel de arroz. Uma lição de delicadeza e elegância, mesmo a tempo do Ano Novo Chinês.

HONDA SHADOW SPIRIT

Há, evidentemente, muitas maneiras de se ver uma cidade, mas garanto-vos que uma das mais invulgares é vê-la como a tenho visto nos últimos dias, como passageiro de uma motocicleta. O que, numa cidade que é parcialmente plana (Mission, Market, SoMa, Financial District, Wharves) e a partir de uma certa zona uma sucessão de altos e baixos (Nob Hill, Chinatown, Russian Hill, Pacific Heights), tem o seu quê de aventura, mas também permite abarcar a verdadeira dimensão desta metrópole de quase um milhão de habitantes onde os arranha-céus se condensam no centro financeiro da baixa, deixando tudo o resto a casas ou edifícios de habitação que nunca ultrapassam os quatro andares. É isso que é agradável em São Francisco: fora da baixa, vê-se sempre o céu. Excepto, claro, quando chove.

ALGODÃO DOCE

Ver os bancos de nevoeiro a esvoaçarem sobre São Francisco como se fossem nuvens é algo de mágico: envolver o topo dos arranha-céus em fumo branco espesso, esconder as colinas do outro lado da baía de São Francisco por trás de uma cortina opaca, tintar de branco muito sujo a noite enluarada e translúcida. O David diz-me que esta coabitação de nevoeiro com sol luminoso é típica de São Francisco (e, de caminho, diz também que é "leather weather" perfeito). Gosto deste aspecto de algodáo doce que desce sobre a cidade.

2 de fevereiro de 2006

CONSUMISMO DESENFREADO

Recomendação aos bibliófilos de passagem: vale a pena dar um salto à livraria Aardvark Books, na esquina da Market com a Church, especializada em livros em segunda mão e restos de colecção a preços reduzidos. Como a arrumação está razoavelmente bem feita, dá para uma pessoa se perder à procura de coisas.

Já os mais estilistas podem babar-se com a loja da Apple (esquina da Stockton com a Market, em frente da Virgin e da Old Navy, mesmo à saída do metro da Powell), desenhada como se fosse um cubo cinzento com a maçã a abrir a branco difuso, e cujo interior é um prodígio de minimalismo funcional. Mesmo em frente fica a mais simpática e acolhedora das livrarias que visitei, a Cody's Books, cujo enorme piso subterrâneo mais parece uma biblioteca.

AZUL ESTRUMPFE

São Francisco está cheia de casas antigas de madeira, a que eles chamam "vitorianas" por razões mais ou menos evidentes, de fachada estreita e dois ou três andares - algumas estão repartidas em dois ou três apartamentos e muitas delas mantêm os esquemas de cor com que foram originalmente pintadas, ou foram repintadas com esquemas que respeitam essa estética. Uma dessas casas, na esquina da Market com a Duboce, onde está instalado um centro de informação e recursos dedicado à comunidade homossexual e transsexual, foi, contudo, inteiramente pintada a um azul forte e muito moderno que deixou os apreciadores da arquitectura clássica muito agastados, passando a denominar o dito edifício de "Smurf Center" - "Centro Estrumpfe" - porque o azul em questão é o mesmo da cor da pele dos Estrumpfes.

POR FALAR EM CARAVAGGIO

Há um "outdoor" delicioso que pulula pelos quiosques de venda de jornais de São Francisco, protestando contra o declínio da qualidade da educação escolar contemporânea (como podem ver, não é só no nosso cantinho à beira-mar plantado...). Por cima de um quadro de Caravaggio, escreve-se: "There isn't enough art in our schools. No wonder people think Caravaggio is a guy on The Sopranos."

SEMÁFOROS

Em São Francisco, os sinais de trânsito não são nada como os nossos. Os semáforos não estão localizados à entrada do cruzamento mas sim à saída, pelo que os condutores param antes de entrar no cruzamento; e é possível virar à direita num sinal vermelho se houver uma tabuleta a indicá-lo junto ao semáforo. As ruas estão identificadas em placas presas a postes em cada esquina, ou em inscrições gravadas no cimento das esquinas dos passeios. Quem conduz pode ver, antes de cada cruzamento, uma grande placa verde que indica qual a rua que se vai cortar a seguir.

BOA EDUCAÇÃO

Passeando pela baixa de São Francisco, também conhecida como Financial District pela profusão de bancos ali existentes, ouço uma sirene de nevoeiro que tanto pode ser um alarme de incêndio como um barco na baía como uma fábrica a chamar para o almoço. Surpreendida pelo meu desconhecimento, uma senhora que passa, cabelo louro platinado, puxando uma mala de viagem, diz-me com um sorriso "não se rale, é só a sirene do meio-dia de terça-feira".

1 de fevereiro de 2006

HIGIENE

Todas as casas de banho públicas em que entrei até hoje em São Francisco, de lojas, cinemas, restaurantes, o que se quiser, têm água quente corrente, papel higiénico e coberturas de sanita, sabão líquido e toalhas de papel com fartura.

TAMBÉM TU, BRUTUS

Há uma loja da Zara em São Francisco, na Post, junto ao "centro comercial ao ar livre" que é a praça Union Square, na distinta vizinhança da H&M, Macy's, Levi's, Nike, Disney, Borders...

STARBUCKS

É capaz de ser complicado explicar o conceito de um café "gourmet", mas digamos que o Starbucks é o que o Caffe di Roma gostava de ser, a um tempo café "continental" de luxo com ambição a tertúlia e café de esquina aberto a todos. Há, literalmente, um a cada esquina de São Francisco, sempre com um sem-número de mesinhas de madeira com cadeiras e um ambiente acolhedor e convivial com música suave a tocar. Os americanos tomam café às toneladas (às canecas e não às chávenas; para eles, a bica não existe, ou se existe chama-se "espresso" e é servido em copinhos de papel e custa o mesmo que um café normal, ou seja, é escandalosamente caro e geralmente não presta para nada) e portanto faz todo o sentido que haja uma casa de cafés como o Starbucks, que propõe cafés elaboradíssimos (eu também ainda não consegui perceber o que é um "cinnamon dolce latte", a não ser que é um café com leite que leva canela e sei lá mais o quê e não sabe nada mal) a preços que, para a bolsa deles, nem são especialmente caros (a média é $3, ou seja, €2.50 - em Londres o mesmo tamanho fica por £3, tirem as vossas conclusões).

(Claro que, depois, há os bolinhos para acompanhar. Isso complica um bocado as coisas.)

No entanto, é curioso como, das minhas visitas ao Starbucks do Castro (ao fundo da rua onde estou hospedado, igualmente conhecido por Bearbucks ou Starbears por razões plantígradas que não vêm aqui ao caso), ou mesmo a outros Starbucks pela cidade, se contam pelos dedos o número de pessoas que estão, efectivamente, ali com alguém. A maior parte traz o portátil, o jornal da manhã, um livro, e senta-se numa das mesinhas com o seu café (entregue num copo alto de cartão plastificado ou plástico cartonado, semelhante aos dos refrigerantes de "fast food", que permite beber por uma pequena abertura na tampa, impedindo que o café arrefeça ou se entorne) e o seu bolo (entregue num saquinho de papel pardo, tudo muito higiénico). Mas também há quem encontre ali amigos do bairro ou pessoal conhecido e fique na conversa à volta do cafézinho ou nas poucas e acanhadas mesinhas da esplanada. Esse espírito de bairro, contudo, existe mais no Starbucks do Castro no que noutros da cidade e tem tudo a ver com o sítio.