Pela primeira vez, assumi esta vontade de infância, esta introspecção. Falei por isso das coisas que me faziam passar-me quando era miúdo — palavras que tinha esquecido, das quais tinha fugido... Dito isto, nunca cortei as pontes com a minha infância: quando vejo uma foto da minha adolescência, reconheço-me perfeitamente. E tenho pena porque, naquela altura, andava sempre com má cara, sentia-me preso na armadilha da minha vida, da minha cidade, da minha família... Não via nenhuma saída de emergência.
(Benjamin Biolay, em entrevista a J. D. Beauvallet da revista "Les Inrockuptibles", Abril de 2003)
Blog-notas de ideias soltas; post-it público de observações casuais; fragmentos em roda livre, fixados em âmbar. Eu, sem filtro. jorge.mourinha@gmail.com
Pesquisa personalizada
30 de junho de 2005
29 de junho de 2005
NÓS E OS OUTROS #4
(...) A música tornou-se-me indispensável: é o único momento da minha vida em que não tento intelectualizar as coisas, porque sou alguém que passa o tempo a analisar tudo. Quanto mais crescemos, mais a educação nos obriga a apertar a mão às pessoas, mesmo que achemos que elas são ilustres imbecis. Passamos o tempo a interiorizar. Quando me apresentam alguém, por exemplo, e que essa pessoa me dá um beijinho, acho uma patetice: tenho um contacto de pele com alguém que não conheço. Sabe-se lá se o tipo não acaba de matar o seu irmão. Tudo é falseado. Quando digo isto, respondem-me que sou fria, que não gosto das pessoas. Só acho que já não há autenticidade em nada. Tudo se mistura. É por isso que me sinto mais próxima do carácter inglês. Diz-se sempre que eles são um pouco frios, quando não passa de pudor. Sinto-me lenta e gosto da fleuma deles. Contudo, não vivo as coisas de maneira temperada. E a música é o meu meio de libertar o meu instinto, foi sempre muito mais que mera recreação.
(Valérie Leulliot, cantora e compositora do grupo Autour de Lucie, em entrevista a Anne-Claire Norot da revista Les Inrockuptibles, Março de 1997)
(Valérie Leulliot, cantora e compositora do grupo Autour de Lucie, em entrevista a Anne-Claire Norot da revista Les Inrockuptibles, Março de 1997)
28 de junho de 2005
PALAVRAS DE QUE GOSTO MUITO EMBORA NÃO TENHAM GRANDE UTILIZAÇÃO PRÁTICA QUOTIDIANA #63
Opróbrio.
com agradecimentos ao João L.
com agradecimentos ao João L.
27 de junho de 2005
NOTICIÁRIOS
Como não acompanho com atenção as sondagens que informam quais são os programas mais vistos da televisão, não sei qual o dia em que os telejornais são mais vistos. Mas sei que, aos domingos, há significamente mais reportagens de "interesse social", que parecem reciclar as reportagens sobre os "flagelos do nosso tempo" que apareceram num outro domingo meses atrás. Aproveitamento de uma maior disponibilidade do espectador para prestar atenção a assuntos sérios? Ou apenas maneira de preencher um dia vazio de notícias com coisas que, mesmo podendo ser mais importantes, não têm espaço na batalha diária das audiências?
26 de junho de 2005
DISCURSO SOBRE A MORAL
"The morality of our time, whatever else may be claimed, is that of achievement. Five more or less fraudulent bankruptcies are acceptable provided the fifth leads to a time of prosperity and patronage. Success can cause everything else to be forgotten. When you reach the point where your money helps win elections and buys paintings, the State is prepared to look the other way too. There are unwritten rules: if you donate to church, charities, and political parties, it needs to be no more than one tenth of the outlay required for someone to demonstrate his goodwill by patronizing the arts. And even success still has its limits; one cannot yet acquire everything in every way; some principles of the Crown, the aristocracy, and society can still to some extent restrain the social climber. On the other hand, the State, for its own suprapersonal person, quite openly countenances the principle that one may rob, steal, and murder if it will provide power, civilization, and glory. Of course, I'm not saying that all this is acknowledged even in theory; on the contrary, the theory of it is quite obscure. I just wanted to sum up the most mundane facts for you. The moral argumentation is just one more means to an end, a weapon used in much the same way as lies. This is the world that men have made, and it would make me want to be a woman — if only women did not love men!"
— Robert Musil, "O Homem sem Qualidades", na tradução inglesa de Sophie Wilkins e Burton Pike (Londres: Picador, 1997)
Isto foi escrito há 60 anos, para um livro cuja acção decorre em 1914. A actualidade é arrepiante.
— Robert Musil, "O Homem sem Qualidades", na tradução inglesa de Sophie Wilkins e Burton Pike (Londres: Picador, 1997)
Isto foi escrito há 60 anos, para um livro cuja acção decorre em 1914. A actualidade é arrepiante.
25 de junho de 2005
POLAROID: RESTAURANTE
Num restaurante da linha de ambiente cool e arquitectura retro-moderna, espécie de Bica do Sapato suburbano, com bastantes clientes, o jantar de sexta à noite é subitamente perturbado por três bailarinas e um bailarino de sevilhanas que actuam para um casamento numa sala reservada. Embora a música não esteja demasiadamente alta, o ruído dos tacões dos sapatos no soalho de madeira tratada e das palmas dos dançarinos e dos comensais ecoa pela sala forrada a madeiras. O curto espectáculo termina com "Asereje" das Ketchup; do lado de fora do reservado, há quem se lembre ainda da coreografia.
23 de junho de 2005
CIVISMO NACIONAL
Aguardo uma oportunidade para entrar na fila de trânsito na rua estreita regulada por um semáforo; tento entrar antes de uma berlina Mercedes preta, último modelo, mas o condutor acelera para não me deixar meter à sua frente. É um senhor dos seus cinquenta e muitos anos, de fato claro e óculos, com um cigarro na boca e o braço na janela, que, ao passar por mim, me olha com um desprezo altaneiro de quem diz "como se eu alguma vez deixasse um ranhoso como tu meter-se à minha frente!".
22 de junho de 2005
POLAROID: GAIVOTA
Subo o viaduto de Algés, em frente ao Monumento aos Combatentes; uma gaivota em vôo planante recorta-se contra o céu azul sobre o viaduto. Ao mesmo tempo que ela se aproxima, vejo-a lançar um projéctil branco que cai no asfalto quente e negro da estrada, e ela segue como se nada fosse ou tivesse sido.
21 de junho de 2005
POLAROID: OBRAS
O polícia está de pé, em frente à sua moto, com uma clareira de ambos os lados entre os carros estacionados junto ao passeio, frente à saída de obras. Um dos operários chama-o, "tome, sr. guarda", enquanto abre uma garrafa de Sumol tirada da caixa de uma carrinha e lha passa. Enquanto o polícia toma os primeiros golos do refrigerante, as traseiras de um camião-grua começam a surgir lentamente da saída de obras e o polícia, ainda com a garrafa verde nas mãos, dirige-se lentamente para o meio da estrada, elevando a mão para mandar parar o trânsito que entra na rua.
GROWING PAINS
Aquilo de que mais gosto em J. K. Rowling é o modo certeiro como ela descreve a adolescência e as suas paixões impetuosas, o seu tudo ou nada, a sensação de que o mundo começa e acaba em cada triunfo ou derrota. Os livros de Harry Potter, para lá da extraordinária criação e manutenção de um universo paralelo de perfeita coerência, valem também (talvez essencialmente) por essa tradução dos estados de espírito volúveis típicos de uma certa idade, pela capacidade de expressar as emoções que todos sentimos quando parecemos ser demasiado grandes para a nossa pele. Todos nós sentimos a certa altura, como Harry Potter, que o mundo é demasiado confuso e complicado para aquilo que podemos abarcar de uma só vez — e há quem continue a senti-lo mesmo já adulto.
Dito isto, as quase 800 páginas de "Harry Potter e a Ordem da Fénix", lidas no original, esmagam pela inteligência narrativa: tudo está no seu preciso lugar e o que ficou por dizer ficou-o, certamente, por um motivo. Rowling não é uma grande estilista, mas a sua escrita é de uma simplicidade enganadora, e a maneira frontal como lida com os lugares-comuns, sem os evitar nem os esconder, é irresistível. É verdade que, desta vez, não devorei o quinto dos sete livros da série com a mesma velocidade, mas essa resistência é redimida por uma segunda metade com o embalo dos velhos "cliffhangers", onde muito fica por explicar (para os dois últimos volumes...) e se revela finalmente um dos segredos pedra-de-toque da série.
20 de junho de 2005
PORTUGAL É...
...quando o governo cumprimenta Tiago Monteiro por ser o primeiro piloto português de Fórmula 1 a chegar ao pódio numa corrida — mesmo que só lá tenha chegado porque a concorrência se recusou a competir. Mas qual é o gozo, qual é a sensação de ter atingido qualquer coisa, de chegar ao topo só porque os outros desistiram?
19 de junho de 2005
VOX POPULI
Ontem à tarde, no Jardim da Estrela, uma de três senhoras de idade, de bengala, dizia a quem a quisesse ouvir:
"Eu não sou racista, mas também não gosto dos pretos. Ando eu com a minha casa a caír aos bocados e eles com casas novinhas em folha, que a assistente social lhes deu..."
E respondia-lhe outra:
"Pois, é verdade..."
"Eu não sou racista, mas também não gosto dos pretos. Ando eu com a minha casa a caír aos bocados e eles com casas novinhas em folha, que a assistente social lhes deu..."
E respondia-lhe outra:
"Pois, é verdade..."
POLAROID: TP831 ROMA FIUMICINO-LISBOA, TERÇA, 14 DE JUNHO
O A319 faz um barulho industrial durante a descolagem; um ruído contínuo de máquina rebarbadora. Pela janela vejo que Fiumicino fica próximo do mar — como, pelos vistos, muitos dos subúrbios de Roma. As nuvens parecem algodão quando as atravessamos. Ao meu lado, uma jovem de camisola de gola alta branca dorme a sono solto, enroscada na cadeira. Quando visito a casa de banho, é visível que quase toda a gente no vôo está a dormir ou quase. Os filmes promocionais exibido nos pequenos écrãs são hilariantes, prolongando todos os lugares-comuns do Portugal turístico, com uma simpática divisão de classes entre o casal quarentão bem na vida que fica no Pestana Palace, joga golfe, aluga descapotáveis e faz passeios de avioneta, e o grupo de turistas jovens de pé descalço (ou, no caso, ténis de marca) que anda de eléctrico, bebe bjecas na Trindade, anda com mapas da cidade por tudo o que é sítio e vai à noite para as Docas.
POLAROID: ROMA FIUMICINO, TERÇA, 14 DE JUNHO, 06h15
Às seis da manhã, todas as lojas e cafés situadas sobre o terminal B das partidas do aeroporto estão fechadas, com excepção de um único café, onde todos se concentram. E, contudo, o movimento no aeroporto é enorme, com facilmente duas dezenas de vôos a partir no espaço de uma hora antes das sete da manhã. Um contingente militar está de partida para qualquer sítio e alguns dos militares, de camuflado designer, juntam-se no café, pedindo "latte macchiatos" (café com leite claro, com espuma), cappuccinos ou "cornetti" (a palavra italiana para croissant, servido simples ou com recheio de chocolate ou compota).
18 de junho de 2005
POLAROID: ROMA TRASTEVERE, SEGUNDA, 13 DE JUNHO, 18h15
A estação de comboios continua em obras. Fazemos aqui o transbordo para Fiumicino — vamos à procura de um hotel para dormir na zona do aeroporto, já que às horas madrugadoras a que o vôo de regresso a Lisboa sai não compensa ficarmos em Roma. Enquanto esperamos pelo comboio para o aeroporto, um casal de turistas americanos com ar apressado comenta, ao ver-nos com as malas na plataforma, que também devemos ir para o aeroporto. Metemos conversa; ele de polo verde e calções claros, ela de calças largas e leves e camisa de alças, ambos de óculos escuros e a exalar o conforto burguês da classe média suburbana, explicam-nos que se enganaram no comboio e, em vez de regressar ao aeroporto, onde guardaram as malas num cacifo, foram parar aos subúrbios de Roma, e estão em risco de perder o avião para Zurique se o comboio para Fiumicino se atrasar ou levar muito tempo. O comboio chega pouco depois e desejamos-lhes boa sorte e boa viagem. Atrás de nós entram dois acordeonistas de ar cigano, tal e qual como se estivéssemos nas Docas ou nas esplanadas turísticas dos Restauradores, que começam a tocar canções napolitanas.
POLAROID: CIVITAVECCHIA, SEGUNDA, 13 DE JUNHO, 17h00
Há cinco dias, chegámos a Civitavecchia à noite; o trajecto a pé até ao porto atravessou uma longa esplanada frente a uma praia, com pequenos bares e quiosques povoados por militares e turistas, mas só agora, em plena luz do dia, é que compreendemos realmente o aspecto de quase Cascais desta cidadezinha a uma hora de comboio de Roma e da qual só conheceremos este misto de esplanada e marginal, as escassas centenas de metros que vão do porto até à estação de comboios — em tudo muito semelhantes às lojas de bugigangas e objectos veraneantes que polvilham as nossas localidades balneares, com quiosques de gelados (em Itália também há gelados Olá; chamam-se Algida mas, no resto, os Magnums e os Cornettos são iguaizinhos), cafés, lojas de artigos fotográficos, bóias para as crianças, locais de barriga proeminente, tez tisnada, bigodes farfalhudos e sandálias romanas conversando em grupos encostados a uma parede ou a um poste de iluminação.
Chegamos à estação, compramos os bilhetes, o comboio para Roma está já na plataforma e sai escassos cinco minutos depois.
Chegamos à estação, compramos os bilhetes, o comboio para Roma está já na plataforma e sai escassos cinco minutos depois.
POLAROID: FERRY GOLFO ARANCI-CIVITAVECCHIA, SEGUNDA, 13 DE JUNHO
Em vez de sairmos do porto de Olbia, onde chegámos há cinco dias, saímos de Golfo Aranci, alguns quilómetros mais a Norte, na linha local Sardinia Ferries — que não tem, segundo nos dizem, autorização de atracar em Olbia. O ferry que nos transporta durante quase sete horas está longe, tanto em dimensão como em conforto, dos ferries mais modernos da Tirrenia onde viajámos até Olbia; aqui pagámos metade do preço e usurpámos as poltronas junto às janelas (que, tecnicamente, são mais caras, mas fingimos que não sabemos de nada e, de qualquer maneira, o ferry está quase vazio). Em vez da escada rolante de passageiros no ferry da Tirrenia, entramos pelo convés dos automóveis e subimos acanhadas escadas de bordo; duas dezenas de carros e outros tantos passageiros sem carro no imenso navio, que zarpa da Sardenha às dez da manhã e chega a Civitavecchia pouco antes das cinco da tarde.
O empregado do bar onde compramos um improvisado almoço de sanduíches e sumos atende com o enfado de quem se resignou ao trabalho que tem; tudo neste ferry evoca uma sensação de decadência, de algo que se vai arrastando ingloriamente. Pelas janelas, o mar cria efeitos de luz no tecto falso de ripas plásticas de onde estão suspensos os climatizadores, as luzes fluorescentes, os televisores omnipresentes (sintonizados na Rai 1, com uma emissão muito dona-de-casa com o inspector Derrick e um telefilme americano).
Subo ao convés mas é difícil encontrar as escadas certas; quando finalmente o consigo, estou face à cabina de pilotagem, entre as duas chaminés. O ferry percorre veloz as águas do Mediterrânico, já se consegue ver ao longe, no meio da imensidão azul, a linha costeira italiana, a Civitavecchia de onde saímos quarta-feira e onde regressamos agora, depois de quatro dias na Sardenha que foram "uma experiência para recordar".
O empregado do bar onde compramos um improvisado almoço de sanduíches e sumos atende com o enfado de quem se resignou ao trabalho que tem; tudo neste ferry evoca uma sensação de decadência, de algo que se vai arrastando ingloriamente. Pelas janelas, o mar cria efeitos de luz no tecto falso de ripas plásticas de onde estão suspensos os climatizadores, as luzes fluorescentes, os televisores omnipresentes (sintonizados na Rai 1, com uma emissão muito dona-de-casa com o inspector Derrick e um telefilme americano).
Subo ao convés mas é difícil encontrar as escadas certas; quando finalmente o consigo, estou face à cabina de pilotagem, entre as duas chaminés. O ferry percorre veloz as águas do Mediterrânico, já se consegue ver ao longe, no meio da imensidão azul, a linha costeira italiana, a Civitavecchia de onde saímos quarta-feira e onde regressamos agora, depois de quatro dias na Sardenha que foram "uma experiência para recordar".
17 de junho de 2005
POLAROID: ARZACHENA, QUINTA, 9 DE JUNHO, A DOMINGO, 12 DE JUNHO
Arzachena, no Noroeste da Sardenha, é uma cidadezinha atravessada pela Viale Costa Smeralda, uma estrada de província que curva e contra-curva continuamente, recordando-me da algarvia Serra do Caldeirão, que a corta praticamente ao meio e a partir da qual algumas ruas se ramificam. Arzachena percorre-se a pé em 25 minutos de uma ponta à outra. Segundo me dizem, é uma das câmaras municipais mais ricas da Sardenha, já que algumas zonas costeiras dotadas de vilas e hotéis de luxo frequentadas por gente de bastantes posses (como a belíssima marina de Porto Cervo) reportam os seus impostos à câmara de Arzachena. À tarde, tem o mesmo aspecto imóvel de uma vilazinha alentejana ou algarvia numa tarde de Verão; arquitectura mediterrânica em pedra de cores claras com telha cor de tijolo. Arzachena é uma cidadezinha de província. Os custos da insularidade não são um exclusivo seu — afectam toda a Sardenha — mas a realidade é que aqui pouco há para fazer.
As montanhas à distância, que separam o interior da costa, funcionam, ao mesmo tempo, como barreira que esconde o que está do outro lado e protecção para o que está deste. Há, aqui, um silêncio que não existe na cidade; aquela sensação de, subitamente, termos saído do mundo, parado o tempo. Do confortável sofá nesta casa emprestada, coberto por tapetes rústicos e almofadas ornamentadas com fio dourado de inspiração muçulmana, desta varanda mediterrânica com balaustradas de ferro forjado e colunatas romanas em pedra maciça, tudo parece muito distante.
As montanhas à distância, que separam o interior da costa, funcionam, ao mesmo tempo, como barreira que esconde o que está do outro lado e protecção para o que está deste. Há, aqui, um silêncio que não existe na cidade; aquela sensação de, subitamente, termos saído do mundo, parado o tempo. Do confortável sofá nesta casa emprestada, coberto por tapetes rústicos e almofadas ornamentadas com fio dourado de inspiração muçulmana, desta varanda mediterrânica com balaustradas de ferro forjado e colunatas romanas em pedra maciça, tudo parece muito distante.
DEDICATÓRIA
Things can never again be what they were, the way they were.
— Robert Musil, "O Homem sem Qualidades", na tradução inglesa de Sophie Wilkins e Burton Pike
— Robert Musil, "O Homem sem Qualidades", na tradução inglesa de Sophie Wilkins e Burton Pike
16 de junho de 2005
POLAROID: FERRY CIVITAVECCHIA-OLBIA, MADRUGADA DE QUARTA, 8 DE JUNHO, PARA QUINTA, 9 DE JUNHO
O ferry para Olbia é uma verdadeira cidade flutuante, com um grande número de convés, vários bares e restaurantes, até uma sala de cinema e outra de video-jogos. Quando o ferry larga amarras, com meia-hora de atrasso, para a viagem de seis horas até ao porto de Olbia, na Sardenha, é como se não estivéssemos sequer a navegar; sentimos apenas a vibração dos motores que nos propulsionam pelo Mediterrânico. A luz amarelada vem de uma placa embutida na cabeceira do beliche; se apagar as luzes da cabina, e olhar pela janela suja, posso ver as ondas esbranquiçadas que se afastam do casco, criadas pelo navegar do ferry, uma linha firme cortando o horizonte, única maneira de distinguir onde começa o céu negro só a espaços estrelado e termina o mar negro que só as luzes pontuais de uma bóia, um farol, outro ferry cortam. Apenas a esteira do barco vem cobrir de branco, acinzentado na escuridão, o escuro da noite. A cabina climatizada obriga-me a puxar do cobertor de lã e abri-lo sobre os lençóis com cheiro a lavado ilustrados com o monograma da Tirrenia Navigazione.
POLAROID: TERMINAL TRAGHETTI, PORTO DE CIVITAVECCHIA, QUARTA, 8 DE JUNHO, 22h00
Uma caminhada rápida de 10 minutos leva-nos da estação de comboios de Civitavecchia, a uma hora de trajecto de Roma, à bilheteira para comprarmos as entradas para o ferry para Olbia, na Sardenha. A bilheteira está vazia, à excepção de dois turistas que esperam sentados e de um trio de ciganos que conversa com a empregada. O terminal é uma ilha iluminada à entrada do porto, com um pequeno bar que serve cafés e bolos. Ficamos uma boa meia-hora no autocarro que faz o transporte gratuito até ao cais 24, à espera dos "retardatários" que chegarão até ao fecho da bilheteira às 22h30 (meia-hora antes da saída do barco). Alguns ciganos, alguns indianos, uns poucos europeus de Leste, muitos turistas, italianos e de outras nacionalidades.
POLAROID: ROMA TRASTEVERE, QUARTA, 8 DE JUNHO, 19h45
A estação de comboios está em obras, folhas amarelas impressas a computador indicando as saídas e as plataformas coladas em taipais de contraplacado. A confusão dos passageiros regressando a casa ao fim do dia de trabalho, apanhando correspondências entre seis plataformas diferentes. Um grupo de homens está sentado num banco entre os vários taipais, garrafas de litro de cerveja na mão. Não se percebe se são trabalhadores à espera de um comboio ou apenas a passar o tempo, ou se são emigrantes (muito mal vistos em Itália, pelo que percebemos) à espera que a estação feche, embora estejam demasiado bem vestidos para serem sem-abrigos. Seja como for, estão ali e não se vão embora; metem-se discretamente com os transeuntes. Percebem que somos estrangeiros, dizem-nos "hello" com um sorriso trocista; quando uma freira passa, apressada, quase a correr, para apanhar o comboio, gritam-lhe "go, go, go".
14 de junho de 2005
POLAROID: ROMA FIUMICINO, QUARTA, 8 DE JUNHO, 18h45
O vôo de Lisboa aterrou há algum tempo. Esperamos as malas que foram no porão na recolha de bagagens. Uma senhora, de sotaque brasileiro, tenta tirar um carrinho de bagagens da fila por trás dos bancos. Tenta tudo para tirar o carrinho — levantá-lo, fazer força, incliná-lo, mas não consegue que ele saia dos carris e vira-se para mim, perguntando se eu sei livrar o carrinho. Aponto-lhe a máquina bem visível ao seu lado, indicando que é preciso pagar um euro para usar um carro. A senhora agradece e vai-se embora.
POLAROID: TP842 LISBOA-ROMA FIUMICINO, QUARTA, 8 DE JUNHO
O A321 aterra em Roma. Assim que abrandamos em aproximação à manga, a hospedeira levanta-se rapidamente do assento junto à porta de emergência onde esteve sentada durante a aterragem, faz cara de má e admoesta alguns passageiros para se sentarem, não vá a travagem do avião levá-los a bater com a cabeça na bagageira e acabar por exigir uma indemnização à companhia pelo seu próprio descuido.
7 de junho de 2005
POLAROID: ELÉCTRICO
Apanho o eléctrico 28 no Miradouro de Santa Luzia, perto do Castelo de S. Jorge, e rapidamente percebo que a velha tradição dos miúdos lisboetas de apanharem boleia do eléctrico pendurados nas portas traseiras continua activa. Só que agora com T-shirts de basquetebol, cabelinho à Operação Triunfo, brincos na orelha e ténis da Nike.
Há dois miúdos que fazem todo o percurso pendurados até chegarmos à Baixa — altura em que um outro miúdo, que viajava dentro do eléctrico com bilhete pago e um CD walkman nas mãos, sai e se junta a eles.
Há dois miúdos que fazem todo o percurso pendurados até chegarmos à Baixa — altura em que um outro miúdo, que viajava dentro do eléctrico com bilhete pago e um CD walkman nas mãos, sai e se junta a eles.
POLAROID: IGREJAS DE LISBOA
Experimentem ver a cidade pelos olhos de um estrangeiro e, de repente, tudo aquilo que, até aqui, tomávamos como adquirido ou trivial ganha novos contornos, uma espécie de deslumbramento atordoado, meio surpreendido — mas isto estava mesmo aqui? Sim, é verdade, estava. Nós é que, com a velocidade vertiginosa da "vida real", passamos ao lado de prazeres simples como passear no Jardim da Estrela ou descobrir a quantidade absurda de igrejas por metro quadrado na "velha Lisboa" do Bairro Alto.
E, a esse propósito, torna-se curioso contar uma pequena história.
O meu amigo David, organista (com experiência de restauro de órgãos de igreja) em São Francisco, terminou há pouco o seu curso superior de órgão e, naturalmente, em cada igreja por onde passávamos quis ver se havia órgãos (instrumento que, sem que eu o soubesse, tem uma longa e nobre tradição de construção).
Curioso, tocou à campaínha da Igreja Anglicana de S. Jorge, situada no cemitério inglês, encostada ao Liceu Pedro Nunes e por trás do Hospital Inglês (que está situado nos terrenos da igreja), junto ao Jardim da Estrela. Embora o letreiro dissesse que a igreja e o cemitério estavam abertos diariamente das 9h00 às 13h00, ninguém atendia a campaínha, mas nesse preciso momento chegou o padre, que abriu a porta e confessou, depois de arrumar o carro, que adorava que a igreja e o cemitério estivessem mais disponíveis ao público mas, infelizmente, a senhora que fazia de porteira era portuguesa, tinha quase 90 anos e relutância em permitir a entrada de visitantes. O padre Michael permitiu não só ao David visitar o órgão como o deixou à vontade para o tocar durante alguns minutos.
O David perguntou em mais algumas igrejas se era possível visitar o órgão. Em quase todas lhe disseram que seria preciso falar com o padre, que estava ausente de momento, e nem sequer abriram a possibilidade de o levar a ver o órgão; numa, o empregado limitou-se a fazer que não com o dedo, nem sequer se dignando dirigir-nos a palavra ou sequer remeter para o padre. Fez apenas que não (e olhou com cara de mau enquanto o David fotografava o reluzente e recentemente restaurado instrumento). Só na Sé de Lisboa a empregada com quem falámos levantou a hipótese de passarmos por cima do cordão que impede o acesso do público ao órgão, como quem não quer coisa — e era por eu ser português, porque se fosse o David sozinho ela não deixava. Nenhum dos empregados com quem falámos percebia o que quer que fosse de inglês apesar do grosso dos visitantes serem estrangeiros — e, com uma ou outra excepção, estavam com um ar de frete desgraçado.
O David dizia-me, à saída da Sé, que, em São Francisco, seria muito difícil encontrar uma igreja onde fosse impossível visitar o órgão. Mais: em quase todas elas, haveria alguém a tocá-lo. Em Lisboa, nem uma única tinha música.
E, a esse propósito, torna-se curioso contar uma pequena história.
O meu amigo David, organista (com experiência de restauro de órgãos de igreja) em São Francisco, terminou há pouco o seu curso superior de órgão e, naturalmente, em cada igreja por onde passávamos quis ver se havia órgãos (instrumento que, sem que eu o soubesse, tem uma longa e nobre tradição de construção).
Curioso, tocou à campaínha da Igreja Anglicana de S. Jorge, situada no cemitério inglês, encostada ao Liceu Pedro Nunes e por trás do Hospital Inglês (que está situado nos terrenos da igreja), junto ao Jardim da Estrela. Embora o letreiro dissesse que a igreja e o cemitério estavam abertos diariamente das 9h00 às 13h00, ninguém atendia a campaínha, mas nesse preciso momento chegou o padre, que abriu a porta e confessou, depois de arrumar o carro, que adorava que a igreja e o cemitério estivessem mais disponíveis ao público mas, infelizmente, a senhora que fazia de porteira era portuguesa, tinha quase 90 anos e relutância em permitir a entrada de visitantes. O padre Michael permitiu não só ao David visitar o órgão como o deixou à vontade para o tocar durante alguns minutos.
O David perguntou em mais algumas igrejas se era possível visitar o órgão. Em quase todas lhe disseram que seria preciso falar com o padre, que estava ausente de momento, e nem sequer abriram a possibilidade de o levar a ver o órgão; numa, o empregado limitou-se a fazer que não com o dedo, nem sequer se dignando dirigir-nos a palavra ou sequer remeter para o padre. Fez apenas que não (e olhou com cara de mau enquanto o David fotografava o reluzente e recentemente restaurado instrumento). Só na Sé de Lisboa a empregada com quem falámos levantou a hipótese de passarmos por cima do cordão que impede o acesso do público ao órgão, como quem não quer coisa — e era por eu ser português, porque se fosse o David sozinho ela não deixava. Nenhum dos empregados com quem falámos percebia o que quer que fosse de inglês apesar do grosso dos visitantes serem estrangeiros — e, com uma ou outra excepção, estavam com um ar de frete desgraçado.
O David dizia-me, à saída da Sé, que, em São Francisco, seria muito difícil encontrar uma igreja onde fosse impossível visitar o órgão. Mais: em quase todas elas, haveria alguém a tocá-lo. Em Lisboa, nem uma única tinha música.
5 de junho de 2005
LOGBOOK #26/27: A LEI DA COMPENSAÇÃO
Sesimbra: Pedra do Cavalo, domingo 5 de Junho, 15h30; 9.5m, 31 min, 17º C
Sesimbra: Pedra do Cavalo, domingo 5 de Junho, 16h45; 7.6m, 26 min, 18º C
Cinco semanas depois do "passeio à rua da asneira", com um joelho inflamado pelo meio, uma ausência prolongada de exercício físico e uma sobrecarga de trabalho em antecipação às bem merecidas férias, o domingo radioso e cheio de sol traz a compensação perfeita, apesar do início algo atribulado, com os protestos dos pescadores de Sesimbra a cancelarem uma primeira tentativa no sábado e a marcha lenta de domingo de manhã a atrasar as actividades para a tarde.
Não é exactamente um mergulho tradicional. Vim apenas acompanhar um amigo americano de passagem por Lisboa que quis concluir cá o curso básico de mergulho, faltando-lhe apenas as duas últimas aulas de mar. Intermediando com a escola de mergulho, fui servir de tradutor em caso de necessidade (que não houve), assistente para quaisquer eventualidade e reserva moral se o rapaz se desse mal. Não deu. Bem pelo contrário: o ar do David depois de completar o último mergulho era de uma indescritível felicidade — que só quem já esteve debaixo de água consegue perceber.
O dia, esse, estava de luxo — céu azul, sol quente, nenhum vento, água límpida e calma (apesar do sedimento que prejudica a visibilidade). Tempo perfeito para mergulhar (a ironia de os pescadores terem escolhido este fim-de-semana de verdadeiro Verão para protestar não deve com certeza ter escapado a muitos). Enquanto o José e o David fazem os exercícios de rotina, eu entretenho-me a observá-los — a segurança e a confiança do instrutor, o à-vontade tentativo do aluno — ou a olhar para o que me rodeia: os pequenos peixinhos bebés, quase transparentes sobre a areia, os cardumes e peixes que flutuam por ali. A câmara descartável que trouxe para tirar uns instantâneos escorregou para fora do colete e é ver se a encontras — nem uma busca rapidinha pela área dá por ela e, no intervalo entre os dois mergulhos, percorremos a superfície com o barco sem a encontrar. A água está menos fria do que é costume, está-se bem nestas profundidades baixinhas; no fim do mergulho, uma volta pela zona da Pedra do Cavalo, mesmo à saída do porto, possibilita ver um polvo que lentamente sai de baixo da sua pedra e assume a forma tradicional, antes de se camuflar por entre rochedos maiores.
Apesar da baixa profundidade e do limite de tempo imposto pela inexperiência do aluno e pelos tópicos a cobrir na aula, este poderia bem ser o mergulho perfeito — ou o mergulho ideal. Se tal coisa existisse.
Sesimbra: Pedra do Cavalo, domingo 5 de Junho, 16h45; 7.6m, 26 min, 18º C
Cinco semanas depois do "passeio à rua da asneira", com um joelho inflamado pelo meio, uma ausência prolongada de exercício físico e uma sobrecarga de trabalho em antecipação às bem merecidas férias, o domingo radioso e cheio de sol traz a compensação perfeita, apesar do início algo atribulado, com os protestos dos pescadores de Sesimbra a cancelarem uma primeira tentativa no sábado e a marcha lenta de domingo de manhã a atrasar as actividades para a tarde.
Não é exactamente um mergulho tradicional. Vim apenas acompanhar um amigo americano de passagem por Lisboa que quis concluir cá o curso básico de mergulho, faltando-lhe apenas as duas últimas aulas de mar. Intermediando com a escola de mergulho, fui servir de tradutor em caso de necessidade (que não houve), assistente para quaisquer eventualidade e reserva moral se o rapaz se desse mal. Não deu. Bem pelo contrário: o ar do David depois de completar o último mergulho era de uma indescritível felicidade — que só quem já esteve debaixo de água consegue perceber.
O dia, esse, estava de luxo — céu azul, sol quente, nenhum vento, água límpida e calma (apesar do sedimento que prejudica a visibilidade). Tempo perfeito para mergulhar (a ironia de os pescadores terem escolhido este fim-de-semana de verdadeiro Verão para protestar não deve com certeza ter escapado a muitos). Enquanto o José e o David fazem os exercícios de rotina, eu entretenho-me a observá-los — a segurança e a confiança do instrutor, o à-vontade tentativo do aluno — ou a olhar para o que me rodeia: os pequenos peixinhos bebés, quase transparentes sobre a areia, os cardumes e peixes que flutuam por ali. A câmara descartável que trouxe para tirar uns instantâneos escorregou para fora do colete e é ver se a encontras — nem uma busca rapidinha pela área dá por ela e, no intervalo entre os dois mergulhos, percorremos a superfície com o barco sem a encontrar. A água está menos fria do que é costume, está-se bem nestas profundidades baixinhas; no fim do mergulho, uma volta pela zona da Pedra do Cavalo, mesmo à saída do porto, possibilita ver um polvo que lentamente sai de baixo da sua pedra e assume a forma tradicional, antes de se camuflar por entre rochedos maiores.
Apesar da baixa profundidade e do limite de tempo imposto pela inexperiência do aluno e pelos tópicos a cobrir na aula, este poderia bem ser o mergulho perfeito — ou o mergulho ideal. Se tal coisa existisse.
4 de junho de 2005
THIS IS HARDCORE
Aldina Duarte assume a pose icónica da fadista tradicional, mas subverte-a com a entrega quase desesperada de quem faz isto não por trabalho ou por pose mas por fé, por destino. Porque tem de ser. É aquilo que o universo lhe pede — e ela não sabe dizer-lhe que não. Ela não pode dizer-lhe que não.
Aldina Duarte é um bloco de granito duro por limar que está, apenas. Não cede nem faz concessões. Existe, apenas. A nós cabe-nos aceitá-lo, compreendê-lo, amá-lo, admirá-lo. Aldina Duarte é o fado hardcore, puro e duro. Ela dá(-se) a 200, 300%. Quem não estiver preparado para lhe responder com menos do que isso não a merece. Ontem à noite, a Culturgest cheia soube merecê-la. Falta só Portugal render-se-lhe como se tem rendido a outras (que se dizem) fadistas mas que não chegam nem perto da intensidade e da beleza transcendente do recital com que Aldina Duarte nos presenteou.
Isto, sim, é fado. O resto é conversa da treta.
Aldina Duarte é um bloco de granito duro por limar que está, apenas. Não cede nem faz concessões. Existe, apenas. A nós cabe-nos aceitá-lo, compreendê-lo, amá-lo, admirá-lo. Aldina Duarte é o fado hardcore, puro e duro. Ela dá(-se) a 200, 300%. Quem não estiver preparado para lhe responder com menos do que isso não a merece. Ontem à noite, a Culturgest cheia soube merecê-la. Falta só Portugal render-se-lhe como se tem rendido a outras (que se dizem) fadistas mas que não chegam nem perto da intensidade e da beleza transcendente do recital com que Aldina Duarte nos presenteou.
Isto, sim, é fado. O resto é conversa da treta.
1 de junho de 2005
POLAROID: JERÓNIMOS
No interior da enorme nave do Mosteiro dos Jerónimos, sucedem-se os grupos de turistas vindos de toda a parte, sentados em grupinhos nos bancos de igreja escutando atentamente o que as guias turísticas (e são quase todas guias turísticas) lhes dizem, por entre uma babel de línguas que vai do espanhol ao francês passando pelo italiano. Excepto numa das capelas em nicho lateral, junto ao altar principal, com uma jovem que observa atentamente uma figura de uma santa (será a Virgem Maria, pergunto eu com a minha ignorância em matéria de estatuária religiosa?): por trás do cordão de veludo que impede a entrada dos turistas, uma empregada da limpeza, com a bata azul da empresa, passa o espanador pelos bancos de igreja alheia ao bichanar amplificado que a rodeia, como se não estivesse ali mais ninguém a não ser ela.
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