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30 de outubro de 2004

PEQUENO AFORISMO OBSERVACIONAL

O traje académico é muito pouco prático quando está a chover a potes.

PALAVRAS DE QUE GOSTO MUITO EMBORA NÃO TENHAM GRANDE UTILIZAÇÃO PRÁTICA QUOTIDIANA #41

Adstringência.

ONDE ESTÁS?

it feels like my thoughts
could run into your mind
and say the things that I can't say

and all of this time
I'm thinking to myself
the only thing I see
is you
my life
runs through
your heart
will be
a place
for me

and night speeds so fast
it's easy now
I cut myself
on these thoughts of you
and I hear your voice
I'm running now into your world
that takes me near the edge
of real
my mind
to steal
each night
with you
makes everything seem new

and it feels like I'm
spending all my time
chasing dreams I wish so would come true
if you held the knife
I would take my life
I want to be with you
I want to be with you
until the light shines through

nothing changes now my heart stands still
you could part my will
to live

and thoughts run so free
you've changed me now
you've changed the way I see myself to be
and I can't relate
just how it feels
you haunt my days and soar above my dreams
it seems
this life is cheap
eternal sleep
my soul to keep

and it feels like I'm
spending all my time
chasing dreams I wish so would come true
if you held the knife
I would take my life
I want to be with you
I want to be with you
until the light shines through

until the light shines through.


- The Devlins, "Until the Light Shines Through", in "Drift" (Capitol, 1993)

27 de outubro de 2004

A PROPÓSITO DA PALAVRA DE QUE GOSTO MUITO ETC #40

Cosmopolita é uma coisa que o Portugal dos pequeninos em que vivemos me parece cada vez menos — se é que alguma vez o foi realmente. Marcelo Rebelo de Sousa relança a confusão, devolvendo a bola a Miguel Paes do Amaral, Rui Gomes da Silva e Pedro Santana Lopes, Durão Barroso vê-se em riscos de ser chumbado na Comissão Europeia, Carlos Carvalhas parece ir deixar o PCP nas mãos de Jerónimo de Sousa, o Serviço Nacional de Protecção Civil faz alertas de temporal (que pelo menos aqui não me pareceram concretizar-se)... E eu que pensava que a silly season era só de Verão. Ah, Eça, Eça, que falta nos andas a fazer, homem, para desatar às bengaladas a esta corja que nos governa — e não só!...

PALAVRAS DE QUE GOSTO MUITO EMBORA NÃO TENHAM GRANDE UTILIZAÇÃO PRÁTICA QUOTIDIANA #40

Cosmopolita.

AUTO-CRÍPTICA

A questão, muitas vezes, não é tanto aquilo que eu sou e os outros não são, mas sim aquilo que os outros são que eu não sou.

25 de outubro de 2004

ESTÃO A VER A LUZ AO FUNDO DO TÚNEL?

Ups... O túnel acaba de fechar para obras.

I DON'T WANT TO GROW UP

Lembrei-me desta canção de Tom Waits quando via, hoje, o novo episódio da minha telenovela preferida (calma, Ali, aguenta os cavais e não me venhas ainda às trombas). Porque é assim que o Big T se sentia hoje, a perguntar que mal fez ele a Deus para ter que aturar um mundo inteiro apostado em dar-lhe cabo da cabeça. É nestes dias que eu percebo porque é que "Os Sopranos" não é uma telenovela — porque, mafioso ou não, todos temos dias em que estamos "como à espera do comboio na paragem do autocarro". E as telenovelas nunca conseguem apanhar esses dias.

SOME MAY LIKE A SOFT BRAZILIAN SINGER

Caetano, sempre, admirável. Mesmo quando apropriando-se daquilo que não é seu. Mesmo quando é obrigado a apresentar um concerto feito de subtilezas e fragilidades num recinto tão cavernoso como o Pavilhão Atlântico. "A Foreign Sound" merecia um, dois, três Coliseus.

o pintor Paul Gauguin amou a luz da Baía de Guanabara
o compositor Cole Porter adorou as luzes na noite dela
a Baía de Guanabara
o antropólogo Claude Lévi-Strauss detestou a Baía de Guanabara
pareceu-lhe uma boca banguela
e eu, menos a conhecera, mais a amara?
sou cego de tanto vê-la, de tanto tê-la estrela
o que é uma coisa bela?
o amor é cego
Ray Charles é cego
Stevie Wonder é cego
e o albino Hermeto não enxerga mesmo muito bem
uma baleia, uma telenovela, um alaúde, um trem?
uma arara?
mas era ao mesmo tempo bela e banguela a Guanabara
em que se passara passa passará um raro pesadelo
que aqui começo a construir sempre buscando o belo e o Amaro
eu não sonhei:
a praia de Botafogo era uma esteira rolante de areia branca e óleo diesel
sob meus tênis
e o Pão de Açúcar menos óbvio possível
à minha frente
um Pão de Açúcar com umas arestas insuspeitadas
à áspera luz laranja contra a quase não luz, quase não púrpura
do branco das areias e das espumas
que era tudo quanto havia então de aurora
estão às minhas costas um velho com cabelos nas narinas
e uma menina ainda adolescente e muito linda
não olho pra trás mas sei de tudo
cego às avessas, como nos sonhos, vejo o que desejo
mas eu não desejo ver o terno negro do velho
nem os dentes quase-não-púrpura da menina
(pense Seurat e pense impressionista
essa coisa da luz nos brancos dente e onda
mas não pense surrealista que é outra onda)
e ouço as vozes
os dois me dizem
num duplo som
como que sampleados num Sinclavier:
"é chegada a hora da reeducação de alguém
do Pai, do Filho, do Espírito Santo, amém
o certo é louco tomar eletrochoque
o certo é saber que o certo é certo
o macho adulto branco sempre no comando
e o resto ao resto, o sexo é o corte, o sexo
reconhecer o valor necessário do ato hipócrita
riscar os índios, nada esperar dos pretos"
e eu, menos estrangeiro no lugar que no momento
sigo mais sozinho caminhando contra o vento
e entendo o centro do que estão dizendo
aquele cara e aquela:
é um desmascaro
singelo grito:
"o rei está nu"
mas eu desperto porque tudo cala frente ao fato de que o rei é mais bonito nu
e eu vou e amo o azul, o púrpura e o amarelo
e entre o meu ir e o do sol, um aro, um elo
("some may like a soft brazilian singer
but I've given up all attempts at perfection").


- Caetano Veloso, "O Estrangeiro", in "Estrangeiro" (Philips, 1989)

Não Tem Tradução
Baby
Diana
So in Love
Something Good
Body and Soul
It's Alright Ma (I'm Only Bleeding)
The Man I Love
Come as You Are
Feelings
We'll Take Manhattan
Manhatã
Diferentemente
Adeus Batucada
Brasil Pandeiro
Cucurrucucu Paloma
Love for Sale
Cry Me a River
Mora na Filosofia
Nature Boy
Detached
O Estrangeiro
The Carioca
encore
Love Me Tender
Manhã de Carnaval
Mamãe Eu Quero

23 de outubro de 2004

O CATACLISMO DO VESTUÁRIO

Descobri hoje, para grande surpresa minha, que embora a empregada da loja jure a pés juntos que não e que bem pelo contrário, a Levi's parece ter "desafunilado" os jeans 501 para eles descambarem no horror da "boca de sino". Embora isto não seja minimamente importante no esquema geral da felicidade mundial, é uma catástrofe para a minha pessoa. É que eu detesto; não, corrijo, eu abomino calças ditas "à boca de sino", e vejo-me agora com grandes dificuldades em encontrar uns jeans sérios de calças discretamente afuniladas. Vá lá, pelo menos ainda têm as tradicionais cores sólidas das calças de ganga.

22 de outubro de 2004

A HISTÓRIA DO REI QUE IA NU, E TAL

Meu Deus, como Miguel Sousa Tavares continua certeiro nas suas análises políticas. E, curiosamente, eu e alguns amigos tínhamos ontem aflorado estas questões ao almoço, a própósito daquilo que sentimos como uma baixa de nível alarmante na qualidade do jornalismo português. Mas, aqui entre nós, não é só a baixa do nível dos jornalistas acabadinhos de sair do forno das escolas de comunicação social que ensinam as teorias mas não preparam minimamente para o embate com a prática quotidiana — é também a queda brutal do nível de exigência de quem lê. Quando a tabloidização que começa já a alastrar às televisões (vide o triste episódio da menina algarvia) começa a ganhar terreno em substituição do que deveria ser uma ética minimamente contida, então começamos a perceber que a nossa mesquinhez sôfrega de emoções fortes por procuração não merece realmente mais que o baixo nível que recebe em troca.

E assim se perde um país — por um desgoverno que, não sendo de agora, está agora literalmente exposto. A nu, para quem o quiser ver em vez de fingir que o rei vai ricamente trajado.

PALAVRAS DE QUE GOSTO MUITO EMBORA NÃO TENHAM GRANDE UTILIZAÇÃO PRÁTICA QUOTIDIANA #38

Patusco.

21 de outubro de 2004

PALAVRAS DE QUE GOSTO MUITO EMBORA NÃO TENHAM GRANDE UTILIZAÇÃO PRÁTICA QUOTIDIANA #37

Atávico.

AN EVENING WITH THE MAGNETIC FIELDS

Mesmo que faças um único e mísero encore, desculpo-te tudo, Stephin Merritt, porque I love it when you sing to me/ and you/ you can sing me anything. E porque, mesmo que não tenhas tocado "The Luckiest Guy on the Lower East Side", nem "Busby Berkeley Dreams", nem "The Death of Ferdinand de Saussure", nem "Let's Pretend We're Bunny Rabbits", tocaste "Swinging London", e "All My Little Words", e "Papa Was a Rodeo" e "It's Only Time" uma a seguir à outra. E porque as canções de "I" ainda são melhores em palco. E porque, raios, és capaz de ser o maior songwriter americano vivo a aspirar ao trono de Cole Porter ou Irving Berlin — porque as tuas canções sobrevivem a tudo e ainda ganham com a mudança de formato, porque sabes que não há medalha sem reverso, bela sem senão, alegria sem tristeza. Se não tivesse havido Elvis Costello, terias feito o concerto do ano — frágil, delicado, improvavelmente erguendo-se de uma corda bamba onde arriscava cair a cada segundo. Vem mais vezes. Por favor.

I Was Born
I Don't Believe in the Sun
A Chicken with Its Head Cut Off
I Looked All Over Town
Come Back from San Francisco
I Don't Really Love You Anymore
All the Umbrellas in London
If You Don't Cry
Born on a Train
I Wish I Had an Evil Twin
One April Day
I Don't Believe in You
Suddenly There Is a Tidal Wave
All My Little Words
If There's Such a Thing as Love
I Thought You Were My Boyfriend
A Pretty Girl Is Like...
Swinging London
Smoke and Mirrors
The Book of Love
Reno Dakota
Papa Was a Rodeo
It's Only Time
encore
I Die

20 de outubro de 2004

CABALAS DE CORRIDA

Lendo este elucidativo pedaço de prosa jornalística, surgiu no meu espírito a seguinte pergunta: se fôr a favor, uma cabala já será justificável? E o que é que a Madonna, essa estudiosa da cabala, tem a dizer sobre o assunto?

19 de outubro de 2004

FORD, MODELO ÚNICO

Embora isto pertença mais ao outro blog (lá chegaremos, em breve), não resisto. Sim, John Ford é qualquer coisa muito próxima de um Deus em termos cinematográficos, e a trilogia da cavalaria é das coisas mais sublimes que jamais engenho humano criou, Arte com A grande, e Ford é cineasta cá do coração. Só espero que o MacGuffin não vá buscar o Colt por eu ousar dizer que, à "Desaparecida", que é um belíssimo filme, prefiro de longe "Os Dominadores"...

CAPISCE?

Tenho de vos dizer que já não consigo passar sem ver isto todas as semanas. É a chamada "offer you can't refuse". Mas admito perfeitamente que a diferença entre isto e uma telenovela (para além, evidentemente, do nível médio bastante mais elevado) é meramente superficial e circunstancial.

A CASA ENCANTADA

Os arquivos entram online: na Casa Encantada vão estar, a partir de agora, as fichas e alguns comentários aos filmes que vi/vou vendo, colocando finalmente (e lentamente) disponível a base de dados (aleatória, pessoal e intransmissível) que fui construindo ao longo dos anos. Visitem sempre que quiserem.

18 de outubro de 2004

O "CLÁSSICO" (POST SNOB)

É precisamente por causa de jogos como o de ontem que me recuso a gostar de futebol: qualquer jogo que ponha milhares de pessoas a portarem-se como perfeitos anormais, como adolescentes imberbes que ainda nem entraram na puberdade, não merece realmente que nos interessemos por ele. Se aquilo é um "clássico", então o classicismo, claramente, já não é o que era.

17 de outubro de 2004

TÁXI AO DOMINGO

Sempre que apanha um táxi ao domingo, fico com a forte impressão que, ao domingo, os taxistas "habituais" estão de folga e deixam o campo livre aos "ocasionais" que procuram adicionar uns cobres extra ao seu rendimento regular fazendo um biscate de fim-de-semana.

E fico com esta forte impressão porque, falando estatisticamente da minha experiência pessoal, aos domingos há muito menos taxistas que sabem onde ficam os destinos que lhes pedem. Percebo perfeitamente que um taxista não conheça uma rua obscura como é a Luís Derouet, em Campo de Ourique (uma rua curta, de dois quarteirões e sentido único, paralela à Ferreira Borges) ou uma menos conhecida como a Triângulo Vermelho (transversal à Heliodoro Salgado que vai dar à Penha de França mais próximo de Sapadores).

Mas qualquer coisa está mal quando, esta noite, entro num táxi junto ao Banco de Portugal, peço ao condutor para me levar à avenida Álvares Cabral e ele, com sotaque brasileiro, me diz que "não sabe onde fica".

Sem dizer uma palavra, saí do táxi e mandei parar outro. Ele ainda voltou para trás, dizendo "senhor, entre que eu levo". Mas recuso-me a ser conduzido por um taxista que, literalmente, não sabe para onde vai.

PEQUENA INTERROGAÇÃO RECORRENTE

A minha mãe está a estranhar ainda não ter mudado a hora.

16 de outubro de 2004

PEQUENA RECEITA PARA AFASTAR O MAU FEITIO

Naan de alho e um bagia de cebola com chutney de menta e um pouco de picante diluído, frango tikka com arroz pilau, duas colas, um descafeinado, três amigos de ambos os sexos e um restaurante indiano de confiança à sexta à noite. Animação garantida.

14 de outubro de 2004

OS AMANHÃS QUE CANTAM (MAS ALGUÉM SE ESQUECEU DE LIGAR O MICROFONE)

Estou com Luiz Felipe Scolari, que já se deve andar há uns largos meses a perguntar em que raio de país pré-histórico veio parar: vão-se foder. Todos.

E vais-me desculpar, Alexandre, mas cada vez mais me convenço que Portugal não merece a gente boa que ainda vai tendo. E que é cada vez menos e tem cada vez menos paciência para o país que lhe calhou em sorte. Começo a concordar com o meu amigo João: anexe-se isto a Espanha, depressa e em força, e bardamerda para a "nação imortal" e para outras patetices nacionalistas de quem ainda acredita em sonhos de impérios desfeitos que talvez só tenham existido na cabeça de quem os sonhou.

A verdade é só uma: somos um cantinho da Europa que não tem dinheiro para mandar cantar um cego, entregue ao Deus dará, e que anda aqui emproado armado em aristocrata decadente quando não passa de saloio novo-rico que se finge grande senhor.

Portugal não interessa nem ao menino Jesus. Aliás, esse desinteresse nota-se.

Scolari é que tem razão: de que vale uma pessoa ser o único a ralar-se? Qual é a recompensa do bom samaritano? (E não estou com isto a dizer que Scolari é um bom samaritano. Não façam interpretações literais.)


PALAVRAS DE QUE GOSTO MUITO EMBORA NÃO TENHAM GRANDE UTILIZAÇÃO PRÁTICA QUOTIDIANA #35

Despautério.

13 de outubro de 2004

PEQUENOS IRRITANTES QUOTIDIANOS #25

Pessoas que aproveitam as «pessoas amigas» que estavam na fila para o que quer que seja para passarem à frente do resto da fila. Como ontem, no atendimento ao cliente da Fnac do Chiado, quando uma terceira jovem chega no exacto momento em que as duas amigas se estavam a levantar e ocupa o lugar delas e, displicentemente, quando lhe é chamada a atenção, diz que «eu estava com elas e é rápido», ignorando o meu comentário «a senhora não estava na fila e eu não a vi aí sentada». Contei sete minutos de atendimento.

MALDITOS HEADPHONES

Isto parece-me uma questão interessante. Pessoalmente, acho de uma falta de educação gritante deixar que o nosso comunicador pessoal incomode a plateia no meio de um espectáculo, qualquer que ele seja (no limite, deixá-lo ligado mas em modo silêncio ou vibração, ou seja, sem incomodar os outros parece-me aceitável). Mas aí vem a célebre questão da liberdade pessoal...

PEQUENO AFORISMO MATINAL

O mundo seria tão mais interessante se não houvesse sempre "coisas a fazer".

A DESPROPÓSITO

No outro dia, o maradona protestou comigo por ter sido excluído do meu top-5 de blogs. Ao que lhe retorqui que um top-5 só pode ter cinco e que ausências de 15 dias na Flandres não ajudam à sua manutenção entre os cinco mais visitados. Folgo, por isso, em saber do retorno da 1poucomais de Roma (que inveja) e do Alexandre lá de onde quer que seja que esteve. Ter um top-5 de blogs mais visitados onde dois não são actualizados durante uma semana não abona em favor do bom gosto de ninguém e, passando à frente do chiste (ora aqui está uma bela palavra para a lista), andava-me a fazer falta ler-vos. Mesmo. Não façam isso muitas vezes para eu não ficar com mais stress do que o que já tenho s. f. f.

12 de outubro de 2004

PEQUENOS IRRITANTES QUOTIDIANOS #24

Pessoas que vão a ante-estreias de filmes sem saber o que vão ver e, quando começam a compreender que não estão a apreciar o filme que estão a ver (assumindo que têm capacidade intelectual para apreciar), começam a perturbar o normal andamento da sessão, rindo, cochichando, atendendo telemóveis. Miguel Sousa Tavares dizia há umas semanas atrás na sua coluna do Público, com alguma presciência, que andam a fazer falta elites; subscrevendo parte dos argumentos que ele utilizou — nomeadamente o facto de as pessoas precisarem de aspirar a algo como motivação para o seu desenvolvimento enquanto pessoas — penso que o que anda realmente a fazer falta é boa educação. Um cházinho nunca fez mal a ninguém. (O meu é de tília, ou então de camomila s. f. f., que o meu médico diz-me que tenho muito stress.)

PEQUENOS IRRITANTES QUOTIDIANOS #23

O clima de desinformação e mal-estar que se cria nas salas de espera dos consultórios médicos dos centros de saúde quando as velhotes, velhotas, senhoras e senhores de meia-idade e outros representantes do proletariado português decidem começar a desconfiar de que o médico não está a chamar os pacientes, não está a chamar os pacientes que devia, ou está a chamar pela ordem errada.

11 de outubro de 2004

O BOMBEIRO VOLUNTÁRIO

A notícia do Público de hoje sobre os bons esforços do ministro da Defesa para incentivar a mancebia contemporânea a encarar as forças armadas como carreira profissional, punindo os faltosos (que, presume-se, não estão ainda no mercado laboral e, logo, não têm exactamente fonte de rendimento próprio) ao Dia da Defesa Nacional com uma multa que pode ir aos mil euros, faz-me lembrar aquela célebre história de Raul Solnado que começa com o desígnio paternal "Meu filho, quer queiras, quer não queiras, hás-de ser bombeiro voluntário".

10 de outubro de 2004

POLAROID XUTOS

Um contingente de adolescentes betas (futuras tias), mascando pastilha elástica, cheirando a perfume caro, invadem o meu espaço vital (ler: as cadeiras vazias na fila da frente e ao meu lado), uma ou duas canções depois do concerto ter começado. Uma delas pergunta-me "desculpe, sabe onde é que se bebe aqui?" e respondo-lhe que não. Durante o concerto, dançam muito, gritam como se estivessem a ver qualquer ídolo adolescente (Britney Spears, Justin Timberlake), e quando não reconhecem as canções sacam do telemóvel e desatam a trocar mensagens. Duas delas escolhem um momento mais calmo para refazerem impossivelmente longamente o rabo de cavalo. Quando o concerto embarca na fase final dançam freneticamente na fila, de braços no ar, indiferentes a pisarem ou empurrarem quem está ao seu lado.

COMENTÁRIO AO COMENTÁRIO

Uma "midlife crisis" é quando um homem quiser.

9 de outubro de 2004

CHAMA-ME TARZAN

A tal canção do teledisco do Chevy Chase é uma das mais aterradoras polaroides da encruzilhada da meia-idade que já li. Bem-humorada? Uma ova. Precisar de preencher um vazio, de tapar uma solidão, dê lá por onde der, não é, nunca, divertido. Falo por experiência. E para quem quiser ler nas entrelinhas, Paul Simon dá as pistas todas.

a man walks down the street
he says why am I soft in the middle now
why am I soft in the middle
the rest of my life is so hard
I need a photo opportunity
I want a shot at redemption
don't want to end up a cartoon
in a cartoon graveyard
bonedigger, bonedigger
dogs in the moonlight
far away my well-lit door
mr. beerbelly, beerbelly
get these mutts away from me
you know I don't find this stuff amusing anymore

if you'll be my bodyguard
I can be your long lost pal
I can call you Betty
and Betty when you call me
you can call me Al

a man walks down the street
he says why am I short of attention
got a short little span of attention
and wo my nights are so long
where's my wife and family
what if I die here
who'll be my role model
now that my role model is
gone, gone
he ducked back down the alley
with some roly-poly little bat-faced girl
all along along
there were incidents and accidents
there were hints and allegations

if you'll be my bodyguard
I can be your long lost pal
I can call you Betty
and Betty when you call me
you can call me Al
call me Al

a man walks down the street
it's a street in a strange world
maybe it's the third world
maybe it's his first time around
he doesn't speak the language
he holds no currency
he is a foreign man
he is surrounded by the sound
the sound
cattle in the marketplace
scatterlings and orphanages
he looks around, around
he sees angels in the architecture
spinning in infinity
he says amen! and hallelujah!

if you'll be my bodyguard
I can be your long lost pal
I can call you Betty
and Betty when you call me
you can call me Al.


- Paul Simon, "You Can Call Me Al", in "Graceland" (Warner Bros., 1986)

8 de outubro de 2004

PALAVRAS DE QUE GOSTO MUITO EMBORA NÃO TENHAM GRANDE UTILIZAÇÃO PRÁTICA QUOTIDIANA #34

Hirsuto.

(cortesia do António P.)

PEQUENOS IRRITANTES QUOTIDIANOS #22

Pessoas que vão às ante-estreias e depois contam detalhadamente a história do filme a quem as queira ouvir, independentemente de elas quererem ou não ir ver o filme.

PEQUENOS IRRITANTES QUOTIDIANOS #21

Pessoas que, inexplicavelmente, preferem andar pelo meio da rua, independentemente do trânsito, quando os passeios estão perfeitamente vazios.

6 de outubro de 2004

A ANEDOTA

Telejornal: Marcelo já não comenta na TVI e, enquanto isso, no Parlamento trocam-se dichotes sobre o teleponto de Sócrates.

Se Portugal é a anedota que tudo isto dá a entender, porque raio é que eu não tenho a mínima vontade de rir?

A DÚVIDA METÓDICA

O meu irmão é um céptico em relação ao amor e à solidão e acha que a solidão é o estado natural do homo sapiens. Diz ele que estamos sempre sozinhos e, no fim de tudo, morremos sozinhos; porque o romance é uma coisa que, na visão dele, se desmorona muito rapidamente quando a doença e a decadência entram em jogo. O meu irmão é um realista pragmaticamente lúcido mas, aqui, gostava de acreditar que ele não tem razão; muito embora, confesso-vos, hoje seja um daqueles dias em que, como já dizia o outro, eu preciso de acreditar em qualquer coisa que faça sentido e que me faça sentir, porque lá fora as coisas são feias demais e tristes demais para ser verdade.

A contra-luz do pôr do sol, à entrada de Paço d'Arcos para a Marginal, torna as nuvens suspensas em algodão doce, papelão pintado de cenário de teatro. A metáfora é banal mas nem por isso menos potente: voltámos ao Portugal do cá-vamos-cantando-e-rindo que mascara uma angústia de não saber o que o amanhã traz, a dúvida metódica de tentar fazer sentido de uma burocracia tentacular em que tudo se perde na necessidade de cumprir quotas, preencher formulários, encaixar no sítio. E, desculpem lá a franqueza, há momentos em que as pessoas não querem enfrentar esses dragões sozinhos. Mas, como o meu irmão muito bem diz, não temos outro remédio. E é aí que reside o desafio — e também a dúvida.

5 de outubro de 2004

A INSUSTENTÁVEL MELANCOLIA

Ainda não digeri devidamente o novo "Around the Sun", mas cada vez mais me parece que os R. E. M. desviaram a sua mira do rock de guitarras urgente e enérgico que fez o seu nome para uma espécie de tradução sonora do que é ser, hoje, um ser humano médio num mundo onde os pontos de referência estão cada vez mais difusos. Esse existencialismo burguês e urbano mas nem por isso menos válido estava inteirinho no fim-de-Verão de "Reveal" e reencontra-se agora nas melopeias maioritariamente elegíacas de "Around the Sun" que, para já para já, me parece sofrer de uma excessiva uniformidade de tom que não favorece canções individuais. Mas, quanto mais vejo o belíssimo teledisco e ouço a canção, mais me convenço que "Leaving New York" é uma jóiazinha melódica de infinita nostalgia, que traduz na perfeição o que é dizer adeus ao amor que se foi embora, perguntarmo-nos os infinitos "e se?..." que ficaram por dizer e fazer. (E não, Pedro, não lembra nada Phil Collins. Nem de longe.)

it's quiet now
and what it brings
is everything

comes calling back
a brilliant night
I'm still awake

I looked ahead, I'm sure I saw you there

you don't need me to tell you now
that nothing can compare

you might have laughed if I told you
you might have hidden a frown.
you might have succeeded in changing me
I might have been turned around.
it's easier to leave than to be left behind
leaving was never my proud.
leaving New York, never easy.
I saw the light fading out

now life is sweet
and what it brings
I try to take

but loneliness
it wears me out
it lies in wait

and all not lost still in my eye
the shadow of necklace across your thigh.
I might've lived my life in a dream but I swear it.
this is real.
memory fuses and shatters like glass.
mercurial future. forget the past
it's you
it's what I feel

you might have laughed if I told you
you might have hidden a frown.
you might have succeeded in changing me
I might have been turned around.
it's easier to leave than to be left behind
leaving was never my proud.
leaving New York, never easy.
I saw the light fading out

you find it in your heart.
it's pulling me apart.
you find it in your heart.
change

I told you, forever
I love you forever.
I told you I love you
I love you forever
you never, you never
you told me forever...

you might have laughed if I told you

you might have hidden a frown.
you might have succeeded in changing me
I might have been turned around.
it's easier to leave than to be left behind
leaving was never my proud
leaving New York, never easy.
I saw the light fading out.


- Michael Stipe para R. E. M., "Leaving New York", in "Around the Sun" (Warner Bros., 2004)

A IMPLANTAÇÃO DA REPÚBLICA

Uma breve passagem pelos noticiários de hoje, dia 5 de Outubro:

— o Ministro dos Assuntos Parlamentares apela à Alta Autoridade para a Comunicação Social para que esta se pronuncie sobre o teor dos comentários do professor Marcelo Rebelo de Sousa na TVI (subentendendo-se que ele apela para que esta se pronuncie contra o mefistofélico professor, para usar a deliciosa alcunha posta pela "Contra-Informação"), e, num discurso em Viseu, põe em dúvida as capacidades intelectuais do novo Secretário-Geral do PS, José Sócrates

— a população de Canas de Senhorim acorrenta-se à porta do Palácio de Belém para que o Presidente da República (que, àquela hora, deveria estar a caminho das cerimónias comemorativas do 5 de Outubro) resolva o seu problema de identidade que, há uns anitos atrás, se manifestou ruidosamente à porta do Centro Vasco da Gama numa parada do 25 de Abril; e uma das senhoras de Canas de Senhorim vem à câmara dizer que houve quem fosse espancada pela polícia como nos tempos do fascismo

— o anúncio de que Carlos Carvalhas vai resignar como Secretário-Geral do PCP, não existindo ainda um sucessor nomeado, tem honras de abertura nos noticiários

— o Presidente da República dá um raspanete ao Primeiro-Ministro e por extensão ao Governo no seu discurso do 5 de Outubro

— o Primeiro-Ministro não comenta o discurso do Presidente da República no momento, apressando-se a sair dos Paços do Concelho (no que um jornalista da RTP-1 definiu, à hora do almoço, como "uma grande confusão, com cadeiras pelo chão") mas, mais tarde, comenta que o discurso era "a pedra que faltava" para o Governo realizar as reformas necessárias

E foi para isto que se implantou a República há 94 anos.

4 de outubro de 2004

PEQUENOS IRRITANTES QUOTIDIANOS #20

É espantoso como as pessoas são capazes de colocarem tanto de malévolo numa simples buzinadela de automóvel, através da simples modulação de intensidade e ritmo do toque, sem terem a mínima razão para o fazer. Para que conste, essa buzinadela agastada deveria ir, isso sim, para o irresponsável estacionado na rotunda do Jardim da Estrela. Mas claro que quem tem de se desviar é que leva com ela.

3 de outubro de 2004

PALAVRAS DE QUE GOSTO MUITO EMBORA NÃO TENHAM GRANDE UTILIZAÇÃO PRÁTICA QUOTIDIANA #33

Prolegómeno.

(cortesia da Ana P.)

LOGBOOK #20: EM GRUPO

Sesimbra: Ponta da Passagem, domingo 3 de Outubro, 11h31: 13.5m, 55min, 16º C

Do mergulho em si não há muito a dizer, a não ser que a suspensão da água, agitada pela fola progressivamente maior mesmo junto à costa e que criava efeitos de corrente dentro da passagem propriamente dita, acabou por confirmar as minhas primeiras suspeitas quando largámos ferro junto à Ponta: ia ser uma boa oportunidade para treinar a orientação e a flutuabilidade, como foi. O que eu não suspeitava de todo é que ia servir de "guia turístico" da Ponta — ou, enfim, do que estava visível pelo meio da água indiferente — de um grupo de sete outros mergulhadores "orientado" pelo Carlos Pereira, menos conhecedores da zona, entre os quais três "estreantes" (ao que me pareceu) em tempo de primeiro mergulho pós-curso.

É curioso ver, então, as dinâmicas que se criam dentro de um grupo de amigos. Descontemos os "juniores" Daniel e Gonçalo, bastante à-vontade para quem está apenas a começar (o Daniel, que foi meu parceiro num sistema de pares que acabou por nunca se distanciar do grupo, chegou à superfície com mais ou menos o mesmo ar na garrafa que eu). A Maria João, fotógrafa oficial, manteve-se discreta, o Fernando e o Pedro fizeram o número dos compinchas truculentos mas sempre atentos ao que se passa à volta (a começar pela precinta da barbatana que rebenta logo antes de entrar na água), o Carlos à vontade mas a controlar como quem não quer a coisa, e sempre todos à espreita uns dos outros para garantir que tudo corria bem. Até quando o sétimo elemento e terceiro "estreante", o Rui, que descera enjoado da ondulação persistente à superfície enquanto se equipava no barco e ansioso da longa espera antes de se meter à água, volta sozinho à superfície a pouco tempo do início do mergulho; o Carlos, que não era sequer o parceiro "oficial" , quando dá pela falta, pára tudo e vai à procura dele.

Apesar dos pequenos contratempos — a meia-hora na água à espera que o grupo se reúna para descer, a confusão que às vezes reina lá em baixo quando se está mais em grupo do que em pares — se todos se entendem, como hoje, mergulhar com um grupo de amigos que partilham a paixão e o bom humor é uma experiência realmente divertida. Enriquecedora, até.

2 de outubro de 2004

PALAVRAS DE QUE GOSTO MUITO EMBORA NÃO TENHAM GRANDE UTILIZAÇÃO PRÁTICA QUOTIDIANA #32

Solípede.

A PERSISTÊNCIA DA MEMÓRIA #11

Não tenho idade para me lembrar do "Zip Zip"; tinha um ano de idade quando o mais mítico dos programas da televisão portuguesa foi para o ar, e as memórias que dele tenho são aquelas mediadas pelas imagens de arquivo com que fui crescendo e pelo estatuto que foi crescendo à volta do programa na memória colectiva. Porque as minhas memórias de infância, as minhas imagens de infância repartem-se, em partes iguais, pela tela gigante do cinema e pelo grande écrã a preto e branco da velha Grundig que dominava a sala de estar de casa dos meus pais, colocada a um canto a fazer pendant com a cristaleira de mogno que enquadrava o outro canto e, anos mais tarde, já na década de 80, substituida primeiro por um receptor "marca anzol" a cores e só depois por outra Grundig.

As minhas memórias são as da primeira encarnação da TV Guia — uma revistinha grossa de formato "bolso", tipo Crónica Feminina ou Selecções do Reader's Digest, cujo primeiro ano, algures em 1975? ou 1976?, eu guardei religiosamente durante anos numa gaveta da estante que ainda existe em casa dos meus pais. São as dos Festivais da Canção e da Eurovisão que, antes da conversão ao gravador de cassetes em 1976/77, gravávamos em bobines de fita magnética no "magnetophone" de bobines da BASF que ainda existe em casa dos meus pais. São as da "Visita da Cornélia", do "Écran Mágico" (concurso sobre cinema que Rui Mendes apresentava, às terças à noite, no canal 2), são as dos "Jovens Heróis de Shaolin" ou do "Kung-Fu" nas tardes de sábado do canal 1, numa altura em que ainda existiam apenas dois canais públicos.

As minhas memórias são as de uma televisão que era pobrezinha mas honrada e, contudo, dava muitas vezes lições ao que hoje se faz passar por aí como entretenimento televisivo e não passa de formatação calibrada por consultores para apelar ao que de mais básico há em nós. E não consigo deixar de pensar que, com a morte de José Fialho Gouveia, hoje, é também muito dessa televisão carola mas apaixonada que durante tantos anos foi a RTP que morre; talvez porque, ao contrário de outros, Gouveia tenha ficado teimosamente ligado a uma era clássica de TV portuguesa e não tenha sido reaproveitado nem redescoberto para formatos contemporâneos. Com Fialho Gouveia morreu "the real thing", não os ersatz ou recuperações fora de tempo posteriores.

1 de outubro de 2004

VIVA O FIM-DE-SEMANA PROLONGADO

O Governo decidiu-se a dar tolerância de ponto aos funcionários públicos na segunda-feira. É espantoso como, dentro de uma mesma orientação ideológica de centro-direita, até dentro de um mesmo partido, é possível dois líderes terem atitudes tão diferentes: com Durão Barroso e Manuela Ferreira Leite, era preciso era trabalhar, aumentar a produtividade, etc; Santana Lopes, ainda nem há três meses está no poder e já está a desfazer o que os anteriores fizeram.

Nada tenho contra as pontes (pelo contrário, adoraria poder fazê-las se fosse funcionário público, coisa que não sou), o que me choca apenas nesta situação particular é a inconstância de critérios, os sinais errados que se enviam; a vida das pessoas como catavento ao sabor das marés políticas. Há seis meses pedia-se contenção, trabalho e sacrifício; agora faz de conta que ninguém disse nada disso e vamos voltar a como era antes.

Só que, já dizia o outro, "you can't go home again".

PALAVRAS DE QUE GOSTO MUITO EMBORA NÃO TENHAM GRANDE UTILIZAÇÃO PRÁTICA QUOTIDIANA #31

Dispéptico.