O meu irmão é um céptico em relação ao amor e à solidão e acha que a solidão é o estado natural do homo sapiens. Diz ele que estamos sempre sozinhos e, no fim de tudo, morremos sozinhos; porque o romance é uma coisa que, na visão dele, se desmorona muito rapidamente quando a doença e a decadência entram em jogo. O meu irmão é um realista pragmaticamente lúcido mas, aqui, gostava de acreditar que ele não tem razão; muito embora, confesso-vos, hoje seja um daqueles dias em que, como já dizia o outro, eu preciso de acreditar em qualquer coisa que faça sentido e que me faça sentir, porque lá fora as coisas são feias demais e tristes demais para ser verdade.
A contra-luz do pôr do sol, à entrada de Paço d'Arcos para a Marginal, torna as nuvens suspensas em algodão doce, papelão pintado de cenário de teatro. A metáfora é banal mas nem por isso menos potente: voltámos ao Portugal do cá-vamos-cantando-e-rindo que mascara uma angústia de não saber o que o amanhã traz, a dúvida metódica de tentar fazer sentido de uma burocracia tentacular em que tudo se perde na necessidade de cumprir quotas, preencher formulários, encaixar no sítio. E, desculpem lá a franqueza, há momentos em que as pessoas não querem enfrentar esses dragões sozinhos. Mas, como o meu irmão muito bem diz, não temos outro remédio. E é aí que reside o desafio — e também a dúvida.
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