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5 de janeiro de 2009

A MORTE NUNCA EXISTIU

Os meus pais não me levavam aos funerais de familiares. 

O primeiro funeral a que fui foi o do Rui Ferreira, de quem nunca me despedi verdadeiramente. É um dos maiores remorsos que transporto: nunca disse adeus a uma das pessoas que, depois da minha família, significou mais para mim, que me ensinou mais, que mais me aturou birras e inocências e inexperiências. Ao Rui devo muito daquilo que sei e que sou, e nunca lho disse. 

Mas o Rui não era família. 

É diferente quando somos nós que vamos a seguir o caixão à cabeça do cortejo. É como se houvesse um desdobramento; é como se não fôssemos nós que ali vamos, como se estivéssemos ali sem estar. Não sei como definir de outra maneira a estranheza desse distanciamento, de uma ausência que se sente nos ossos mas que não se consegue transmitir, explicar, abarcar. Essa ausência continua a trabalhar aqui dentro, metódica, discreta, constante, inserindo uma nota de vazio no quotidiano que, acabadas as festas, regressa à rotina habitual. 

Foi ela que me lembrou hoje do Rui. É ela que me faz compreender que, para mim, por muito que pensasse nela, a morte nunca existiu verdadeiramente, fisicamente, como uma ausência que não se vai embora, antes de 18 de Novembro de 2008.

(tudo isto a propósito disto; com um abraço para o A.)

28 de dezembro de 2008

foto de Véronique Rolland, para as sessões do álbum Stumble into Grace

Os últimos quatro álbuns de originais de Emmylou Harris são quatro pérolas que ainda não deixaram de revelar os seus segredos e me parece que o vão continuar a fazer por muito tempo. Quem ainda tem presente a Emmylou mais abertamente country dos seus discos clássicos dos anos 1970 e 1980 vai levar um choque de todo o tamanho com a modernidade de Wrecking Ball (Asylum/Elektra, 1995), Red Dirt Girl (Nonesuch, 2000), Stumble into Grace (Nonesuch, 2003) e All I Intended to Be (Nonesuch, 2008). Daniel Lanois produziu o primeiro, o seu cúmplice Malcolm Burn os dois seguintes, e o último marcou o reencontro de Emmylou com Brian Ahern, o produtor que assinou todos os seus discos entre 1975 e 1984. Mas quem os ouvir perceberá que são todos provenientes de uma única mente: Emmylou ela própria, inteira, honesta, sem ter que provar nada, a fazer a única música que sabe fazer. A música de uma América telúrica e emocional, melhor do que a maior parte de nós acha que ela é.

São discos aos quais dou por mim a voltar repetidamente. E que, este Natal, voltaram a reabrir-se para revelar muito mais; são discos que crescem com quem os ouve e mostram apenas aquilo que estamos preparados para ouvir de cada vez que os pomos a rodar. Este domingo, trouxeram-me conforto; dorido, emocional, cansado, mas conforto.

25 de dezembro de 2008

TRADIÇÕES

Duas semanas antes, geralmente na última semana de aulas antes das férias do Natal, depois de almoço, íamos buscar os enfeites e o presépio à despensa, onde estavam guardados em caixas velhas. A árvore, até certa altura, era um pinheirinho de Natal comprado nem eu sei bem onde; depois, passou a ser uma construção plástica made-in-China, que era colocada em cima do "banco da cozinha" — um banquinho pequenino de madeira escura, sólida e resistente, como se fosse um banquinho de menino — revestido de papel verde. 

Os enfeites da árvore e do presépio eram muitas vezes de plástico tosco, comprados em barateiros ou parte de conjuntos com defeito; as figurinhas do presépio vinham das viagens que os meus pais faziam em autocarros para ver jogos do Benfica. Bocadinhos de algodão a fingir de neve, luzes coloridas que acendiam e apagavam intermitentemente. Depois, o presépio, montado sobre papel de embrulho ou papel de lustro verde, com uma estrela improvisada forrada a prata de chocolate presa com fita-cola por cima da cabana; um espelho a fingir de lago onde patinhos de plástico escorregavam; pescadores e varinas e moleiros e pastores dos quatro cantos de Portugal. 

O cheiro da resina do pinheiro nos primeiros dias, que se ia perdendo com o tempo; as luzes acesas na véspera de Natal, que a minha mãe passava na cozinha, a fazer os biscoitos, a bolema, os sonhos. E, mais para a noite, o bacalhau cozido e a carne de porco frita. 

A árvore ficava sempre montada durante os primeiros dez dias do Ano Novo, até passar o dia de Reis e o aniversário do meu irmão, para o qual a minha mãe fazia arroz doce polvilhado com canela que depois colocava em pires brancos com um bonito desenho de flores silvestres; havia sempre alguns pires onde a minha mãe não punha canela, mas não sei para qual dos meus irmãos era.

Deixei de gostar do Natal já há muitos anos.