Blog-notas de ideias soltas; post-it público de observações casuais; fragmentos em roda livre, fixados em âmbar. Eu, sem filtro. jorge.mourinha@gmail.com
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31 de julho de 2005
UMA VIDA SOLITÁRIA
Richard Thompson, sozinho, com uma guitarra, é capaz de, hoje, escrever canções que parece que sempre estiveram aqui. Corrijo: sempre foi capaz, desde os tempos dos Fairport Convention, de falar de hoje como se estivesse a falar de ontem. Como neste instantâneo minucioso, entomológico, mordaz e ao mesmo tempo afectuoso, de um certo modo de ser fleumático.
Sometimes I long for the solitary life
parents long gone, no kids, no wife
sister somewhere in Australia
never did keep in touch
sex no more than a how-do-ye-do
with a copy of Tit-Bits in the loo
socially a bit of a failure
nice not to have to try too much
a solitary life
a life of small horizons
dull as the pewter sky over North West Eleven
a serious hobby in the garden shed
model trains, or soldiers in lead
join the suburban boffins of Britain
experts on trivial things
and holidays in the Yorkshire Dales
or cycling tours of the North of Wales
unenvious of those flea-bitten
on continental flings
a solitary life
a life of small horizons
dull as the pewter sky over North West Eleven
excitement comes by subtle means
the satisfaction of routines
small revenges at the office
smug little victories
you work on your pallor, complexion like paste
like the grey defeat on an inmate's face
a life spent adding losses and profits
resigning by degrees
a solitary life
a life of small horizons
dull as the pewter sky over North West Eleven
and come to the end, sad and alone
a steady reliable tumour you've grown
from selfish years, while all your peers
have stressfully jogged to health
in life you always were quite numb
and foggier now, you soon succumb
in drab St. Barts on the new bypass
death overcomes by stealth
a solitary life
a life of small horizons
dull as the pewter sky over North West Eleven.
- "A Solitary Life", in "Front Parlour Ballads" (Cooking Vinyl/Farol, 2005)
30 de julho de 2005
POLAROID: PARQUE DE ESTACIONAMENTO
É dia de semana. Acabo de almoçar e dirijo-me para o parque de estacionamento do Oeiras Parque. No carro ao lado do meu, com as janelas fechadas, o condutor recostou o assento para trás numa cama improvisada e dorme a sono solto, com a gravata às riscas a destacar-se da camisa branca, o casaco pendurado no gancho de uma das pegas do capot junto ao banco traseiro.
29 de julho de 2005
DEFINIÇÃO QUE NÃO SE ENCONTRA NO DICIONÁRIO
Urso: animal de aparência feroz que esconde por trás do mau feitio uma solidão triste e que, na realidade, tem um coração de manteiga, à espera apenas que alguém lhe venha fazer festas e perguntar "queres ser meu amigo?".
E quem o fizer terá nele um amigo para a vida.
E quem o fizer terá nele um amigo para a vida.
HILTON
Lembras-te daquela noite mágica, da celebração dos seis meses? Eu não me consigo esquecer. Nem quero.
Fazes-me falta. Tenho saudades.
Fazes-me falta. Tenho saudades.
CHOCOLAT FIN ARTISANAL
Como se um pouco de chocolate negro belga, caseiro, de discreto perfume e travo canela baunilhada para cortar a amargura e a intensidade do cacau, pudesse tapar os vazios que andam cá por dentro. E tapa, por breves segundos em que tudo se resume ao deleite de sentir o bloco a derreter-se lentamente na boca. Mas não dura mais do que esses breves segundos; e, depois, tudo volta ao que é.
28 de julho de 2005
POLAROID: CAFÉ
Tomo o pequeno-almoço dentro do café, encostado à vidraça; do outro lado, na esplanada, duas senhoras de meia-idade tomam também o pequeno almoço quando são abordadas por um sem-abrigo negro, de barba, boné e mochila, com uma garrafa de água vazia na mão. As senhoras fazem-lhe que não com a cabeça e ele afasta-se, não sem antes olhar para a porta do café, como quem pensa «entro? não entro?». Não entra. Segue em frente, cambaleando como quem bebeu de mais (são nove e meia da manhã). Atira a garrafa ao ar para a pontapear como se fosse um futebolista, mas falha e a garrafa cai ao asfalto junto ao passeio. Segue em frente, sempre a cambalear, apoiando-se nos carros estacionados.
A FORÇA DO SEXO FRACO (OU A FRAQUEZA DO SEXO FORTE?)
Eu juro que sou a favor da igualdade dos sexos, que não acho que haja profissões preferencialmente masculinas ou femininas, que acho que uma mulher em igual cargo deveria ganhar o mesmo que um homem, etc, etc.
Mas confesso que uma mulher-polícia de rabo de cavalo empunhando uma metralhadora, como vi hoje, é muito estranho.
Mas confesso que uma mulher-polícia de rabo de cavalo empunhando uma metralhadora, como vi hoje, é muito estranho.
27 de julho de 2005
HUSH HUSH
Há vinte anos, quando Aimee Mann ainda estava numa banda chamada 'Til Tuesday, escreveu uma canção premonitória chamada "Voices Carry", sobre uma relação abusiva contada do ponto de vista da mulher agredida. O teledisco terminava com Mann a levantar-se no meio de uma récita operática e a gritar a letrada canção, explodindo em público numa situação em que já não podia ser mandada calar, num colapso nervoso literalmente em público.
Como gerir esse pudor de nos protegermos com a necessidade por vezes desesperada de chamarmos a atenção? Como gerir a necessidade de amor e compreensão com um mundo de fachadas e imagens? É por isso que tanta gente cada vez mais nova começa a sofrer cada vez mais nova de esgotamentos, colapsos, depressões e outras doenças do foro psicológico. De repente, as pressões tombam sobre a cabeça de quem não está preparado para elas — porque sempre nos preocupámos mais em proteger do que em expôr. E se só na exposição, na revelação, estas emoções fizessem sentido?
"Hush hush, keep it down now, voices carry — cantava Aimee Mann. "Chiu, não fales alto, ouve-se tudo". Que se ouça. Que se fale. Que se desabafe, com o necessário pudor, com a necessária contenção, mas que nada se cale em nome de um pretenso decoro de que se disfarça a hipocrisia. Que se deite cá para fora o veneno — só assim se conseguirá encontrar o antídoto.
Como gerir esse pudor de nos protegermos com a necessidade por vezes desesperada de chamarmos a atenção? Como gerir a necessidade de amor e compreensão com um mundo de fachadas e imagens? É por isso que tanta gente cada vez mais nova começa a sofrer cada vez mais nova de esgotamentos, colapsos, depressões e outras doenças do foro psicológico. De repente, as pressões tombam sobre a cabeça de quem não está preparado para elas — porque sempre nos preocupámos mais em proteger do que em expôr. E se só na exposição, na revelação, estas emoções fizessem sentido?
"Hush hush, keep it down now, voices carry — cantava Aimee Mann. "Chiu, não fales alto, ouve-se tudo". Que se ouça. Que se fale. Que se desabafe, com o necessário pudor, com a necessária contenção, mas que nada se cale em nome de um pretenso decoro de que se disfarça a hipocrisia. Que se deite cá para fora o veneno — só assim se conseguirá encontrar o antídoto.
VARIÁVEIS
Eu gosto destes gajos porque, quando os ouço, sinto aqui o contraste entre a dúvida de ser outro e a vontade de ser quem se é. Por vezes há Pink Floyd a mais, é verdade, às vezes é tudo um bocadinho xoninhas em excesso, também. Mas há sinceridade, e honestidade, e a sensação de que há qualquer coisa fora do sítio, de que devem estar a olhar para a pessoa errada. É algo que me torna os Coldplay simpáticos. E a faixa escondida, "Til Kingdom Come", é tão inexplicavelmente Johnny Cash que até dói.
25 de julho de 2005
HUMOR INGLÊS
RUDE STAFF
DIRTY GLASSES
SLOW SERVICE
POOR FOOD
EXPENSIVE
ENGLISH HUMOR
TRY US!
(lido no painel de um bar na praia em Cascais, ao lado de um painel australiano que dizia "LAST PUB FOR 240KM")
DIRTY GLASSES
SLOW SERVICE
POOR FOOD
EXPENSIVE
ENGLISH HUMOR
TRY US!
(lido no painel de um bar na praia em Cascais, ao lado de um painel australiano que dizia "LAST PUB FOR 240KM")
24 de julho de 2005
LOGBOOK #30: O POLVO TRAUMATIZADO
Cascais: naufrágio do Hildebrandt, domingo, 24 de Julho, 10h38: 10.2m, 49 min, 22º C
Juro que não sei onde é que o computador foi buscar os 22 graus de temperatura da água ao largo de Cascais — ou melhor, até sei, à baixa profundidade do mergulho e ao efeito de estufa de um dia onde até o vento parece ser quente. Seja como fôr, esta experiência nas águas cascaenses saldou-se por um êxito modesto, com um daqueles excelentes mergulhos que conjugam longa duração e muito que ver prejudicado por uma visibilidade que, no máximo, não ia além dos três metros e por uma corrente que, sem ser insuportável, se fazia sentir, sobretudo a pouca profundidade.
O Hildebrandt afundou há 50 anos e os restos que por ali estão espalhados sobre a areia (que, como brincava o Fabian no briefing pré-mergulho, não tem nada de especial para ver e leva aos Estados Unidos da América) estão tão cobertos de laminárias e de vida que já quase não se distinguem das rochas que por ali há. Os cardumes de peixe miúdo são mato, há cavacos, rascassos, uma sapateirazinha e até um polvo, provavelmente traumatizado pelas demonstrações práticas de como não se incomoda um polvo que o Alexandre e o Miguel lhe fazem para a Susana ver — o coitado do bicho bem lança tinta a ver se os confunde, mas é demasiado lento para as mãos do Alexandre e o Miguel pega nele de modo a que os tentáculos se abram como uma flor, deixando ver o bico quase de ave do qual irradiam os tentáculos.
Faço, aliás, par com o Miguel, que está agora a voltar ao mergulho depois de um interregno mais dedicado à vela (mas que parece nunca ter parado de mergulhar), e vamos atrás do Alexandre e da Susana, facilmente reconhecíveis na sopa esverdeada que é a água hoje pelas barbatanas amarelas. O que, no barco de regresso à praia da Duquesa e depois à mesa do almoço simpático servido por um empregado à toa, vale aliás algumas interessantes dissertações sobre a dinâmica subaquática do casal moderno e atitudes de cada um dos sexos perante o equipamento de mergulho. Sem conclusões, que deverão ficar guardadas para os investigadores que venham a estudar o tema.
Juro que não sei onde é que o computador foi buscar os 22 graus de temperatura da água ao largo de Cascais — ou melhor, até sei, à baixa profundidade do mergulho e ao efeito de estufa de um dia onde até o vento parece ser quente. Seja como fôr, esta experiência nas águas cascaenses saldou-se por um êxito modesto, com um daqueles excelentes mergulhos que conjugam longa duração e muito que ver prejudicado por uma visibilidade que, no máximo, não ia além dos três metros e por uma corrente que, sem ser insuportável, se fazia sentir, sobretudo a pouca profundidade.
O Hildebrandt afundou há 50 anos e os restos que por ali estão espalhados sobre a areia (que, como brincava o Fabian no briefing pré-mergulho, não tem nada de especial para ver e leva aos Estados Unidos da América) estão tão cobertos de laminárias e de vida que já quase não se distinguem das rochas que por ali há. Os cardumes de peixe miúdo são mato, há cavacos, rascassos, uma sapateirazinha e até um polvo, provavelmente traumatizado pelas demonstrações práticas de como não se incomoda um polvo que o Alexandre e o Miguel lhe fazem para a Susana ver — o coitado do bicho bem lança tinta a ver se os confunde, mas é demasiado lento para as mãos do Alexandre e o Miguel pega nele de modo a que os tentáculos se abram como uma flor, deixando ver o bico quase de ave do qual irradiam os tentáculos.
Faço, aliás, par com o Miguel, que está agora a voltar ao mergulho depois de um interregno mais dedicado à vela (mas que parece nunca ter parado de mergulhar), e vamos atrás do Alexandre e da Susana, facilmente reconhecíveis na sopa esverdeada que é a água hoje pelas barbatanas amarelas. O que, no barco de regresso à praia da Duquesa e depois à mesa do almoço simpático servido por um empregado à toa, vale aliás algumas interessantes dissertações sobre a dinâmica subaquática do casal moderno e atitudes de cada um dos sexos perante o equipamento de mergulho. Sem conclusões, que deverão ficar guardadas para os investigadores que venham a estudar o tema.
23 de julho de 2005
QUEM VOS AVISA
É um disco feito como se fosse um filme, em que cada uma das 15 canções se constrói como uma cena, um quadro, um instantâneo, mas ajuda a que o todo corra de um só fôlego. E, apesar destas canções terem proveniências muito diferentes (e uma boa metade já existir há décadas), parece que foram feitas para estarem aqui, juntas, a contar a história de um bairro pobre, latino, de Los Angeles que foi arrasado nos anos 50 por motivos políticos.
Só Ry Cooder, o mestre guitarrista das bandas-sonoras estratosféricas, poderia ter feito um disco assim. Chama-se "Chávez Ravine". Está nas lojas para quem o quiser encontrar. É uma obra-prima. É um dos álbuns do ano.
22 de julho de 2005
UM TEMPO QUE PASSOU
Pelas curvas da Marginal, em Julho, há um cheiro a areia e maresia transportado pelo calor, há um marulhar imperceptível que funciona quase como ruído ambiente. É Verão; o azul luminoso do céu, o azul turquesa do mar, a claridade ofuscante da areia, os chapéus de sol multicores, os gritos deliciados das crianças que brincam à beira-mar, o pouca-terra do comboio que percorre os trilhos à vista da costa, tudo enquanto guio pela Marginal remete para os Verões da infância em Santo Amaro de Oeiras, que ficaram lá atrás, da toalha por baixo dos toldos às riscas brancas e coloridas, do termos de sopa quente que a minha mãe levava para a praia para me dar, do meu pai me levar às cavalitas quando havia ondas grandes e de nos rirmos, muito, quando uma vinha e nos molhava todos, de apanharmos, à ida, o autocarro para o Cais do Sodré, de coleccionar os pauzinhos de plástico dos gelados Olá que davam para fazer construções, que comia na estação de Santo Amaro quando vínhamos apanhar o comboio para casa. Um tempo que passou e não volta mais.
21 de julho de 2005
PEQUENO AFORISMO EVIDENTE
A capacidade infinita do ser humano, qualquer que seja a sua idade, de insistir em acreditar no Pai Natal é uma coisa inexplicável.
20 de julho de 2005
BOA VIZINHANÇA
Uma coisa que eu ainda hoje não percebo é porque é que as pessoas, quando recebem quantidades significativas de amigos em casa, o fazem em público, ouvindo música em altos berros, conversando em voz muito alta (quiçá já alterada por quantidades copiosas de álcool?) e soltando sonoras gargalhadas a horas que incomodam o descanso da vizinhança. Eram duas e meia e não havia maneira de eles se calarem, apesar dos gritos de "pouco barulho!" e de "chius" mal-encarados de quase toda a gente que estava a ser afectada pelo chavascal.
Acabei por fechar a janela do quarto. Não foi remédio santo, mas sempre abafou a barulheira um bocado.
Acabei por fechar a janela do quarto. Não foi remédio santo, mas sempre abafou a barulheira um bocado.
17 de julho de 2005
LOGBOOK #29: OS TRÊS ELEMENTOS
Sesimbra: Ponta da Passagem, domingo, 17 de Julho, 11h39: 16.1m, 47 min, 16ºC
Nada de sopa juliana, como alguém receava, mas certamente uma visibilidade esverdeada (quatro, cinco metros, não mais) no retorno à Ponta da Passagem, repleta de pequenos cardumes, muito peixe a nadar calmamente, onde eu e o Jorge (um aveirense simpático de fato seco sem capuz) perdemos rapidamente a Lena e o Nuno, entretidos algures a tirar fotografias a um polvo. O mal é deles, perderam os dois polvos que nós vimos (ou melhor, o Jorge viu primeiro) num dos corredores de rochas que ladeiam a passagem subaquática por entre as rochas à beira do Cabo Espichel. Não será a perfeição — já fiz melhores mergulhos neste spot; a passagem em si, um enorme buraco azul, está hoje de um verde denso — mas está-se bem, mesmo muito bem nestas profundidades calminhas com muito que ver, o suficiente para andarmos de lanterna a rebuscar os buracos e ver se há algum peixe mais tímido escondido por ali.
O Jorge, habituado como está às águas turvas do Norte, atira quando paramos o barco: "oh pá, como é que vocês arranjaram mar da Madeira ou dos Açores?", mesmo que lá em baixo não o seja. Está vento e nuvens de filme atravessam o céu azul mas, à entrada destes 47 minutos, a água está calma, quase estanhada, quase sem ondulação (à saída o caso já muda de figura, a água, ainda razoavelmente calma, está já mais agitada; não se prevê um mergulho da tarde melhor que o da manhã para quem fica para a tarde, que depois vai-se a ver é ninguém).
Antes e depois, contudo, há a necessária sessão de limpeza mental — quando o barco voga veloz contra o vento que afasta o stress da semana e limpa as preocupações quotidianas. Ficam só os elementos — terra, ar, água, e a sensação revigorante de flutuar entre eles.
Nada de sopa juliana, como alguém receava, mas certamente uma visibilidade esverdeada (quatro, cinco metros, não mais) no retorno à Ponta da Passagem, repleta de pequenos cardumes, muito peixe a nadar calmamente, onde eu e o Jorge (um aveirense simpático de fato seco sem capuz) perdemos rapidamente a Lena e o Nuno, entretidos algures a tirar fotografias a um polvo. O mal é deles, perderam os dois polvos que nós vimos (ou melhor, o Jorge viu primeiro) num dos corredores de rochas que ladeiam a passagem subaquática por entre as rochas à beira do Cabo Espichel. Não será a perfeição — já fiz melhores mergulhos neste spot; a passagem em si, um enorme buraco azul, está hoje de um verde denso — mas está-se bem, mesmo muito bem nestas profundidades calminhas com muito que ver, o suficiente para andarmos de lanterna a rebuscar os buracos e ver se há algum peixe mais tímido escondido por ali.
O Jorge, habituado como está às águas turvas do Norte, atira quando paramos o barco: "oh pá, como é que vocês arranjaram mar da Madeira ou dos Açores?", mesmo que lá em baixo não o seja. Está vento e nuvens de filme atravessam o céu azul mas, à entrada destes 47 minutos, a água está calma, quase estanhada, quase sem ondulação (à saída o caso já muda de figura, a água, ainda razoavelmente calma, está já mais agitada; não se prevê um mergulho da tarde melhor que o da manhã para quem fica para a tarde, que depois vai-se a ver é ninguém).
Antes e depois, contudo, há a necessária sessão de limpeza mental — quando o barco voga veloz contra o vento que afasta o stress da semana e limpa as preocupações quotidianas. Ficam só os elementos — terra, ar, água, e a sensação revigorante de flutuar entre eles.
16 de julho de 2005
POLAROID: JARDIM CINEMA
Três senhoras de idade com cabelos brancos, óculos tintados, roupas leves de Verão e ar de beatas passam em frente ao Jardim Cinema. Uma delas diz às outras: "Vês? É aqui que fazem o SIC 10 Horas".
15 de julho de 2005
A SEMANA DOS ARCO-ÍRIS (900)
No geyser de água em frente a Paço d'Arcos, cuja cauda, ao cair, cria um fugaz prisma multicor, como se se tratasse de uma cortina.
Nos sistemas de rega automática cuja velocidade de dispersão sobre a relva verde húmida cria finas películas de cor reflectida, iluminando inesperadamente o mais banal jardim urbano, a mais anónima instalação de escritórios.
Nos sistemas de rega automática cuja velocidade de dispersão sobre a relva verde húmida cria finas películas de cor reflectida, iluminando inesperadamente o mais banal jardim urbano, a mais anónima instalação de escritórios.
14 de julho de 2005
NOTE TO SELF
it's not
what you thought
when you first
began it
you got
what you want
now you can't hardly stand it though
by now
it's not going to stop
it's not going to stop
it's not
going to stop
'til you
wise up
you're sure
there's a cure
and you have finally found it
you think
one drink
will shrink you 'til you're underground
and living down
but it's not going to stop
it's not going to stop
it's not
going to stop
'til you
wise up
prepare a list for what you need
before you sign away the deed
'cause it's not going to stop
it's not going to stop
it's not
going to stop
'til you wise up
no, it's not going to stop
'til you wise up
no, it's not going to stop
so just
give up.
Aimee sabe. Eu devia ouvi-la mais vezes.
what you thought
when you first
began it
you got
what you want
now you can't hardly stand it though
by now
it's not going to stop
it's not going to stop
it's not
going to stop
'til you
wise up
you're sure
there's a cure
and you have finally found it
you think
one drink
will shrink you 'til you're underground
and living down
but it's not going to stop
it's not going to stop
it's not
going to stop
'til you
wise up
prepare a list for what you need
before you sign away the deed
'cause it's not going to stop
it's not going to stop
it's not
going to stop
'til you wise up
no, it's not going to stop
'til you wise up
no, it's not going to stop
so just
give up.
Aimee sabe. Eu devia ouvi-la mais vezes.
PALAVRAS DE QUE GOSTO MUITO EMBORA NÃO TENHAM GRANDE UTILIZAÇÃO PRÁTICA QUOTIDIANA #66
Otário.
(inspirado pelos lémures de "Madagáscar")
(inspirado pelos lémures de "Madagáscar")
13 de julho de 2005
DESCONTEXTUALIZAÇÕES
Ou como uma frase que trai a amargura de uma cultivadora alemã face à perda da sua colheita numa inundação pode, vista fora do contexto, tornar-se provocantemente brejeira:
"A minha paprika foi muito afectada".
"A minha paprika foi muito afectada".
12 de julho de 2005
CHUVA DISSOLVENTE
Porque tenho de olhar para dentro, custe o que custar, e enquanto não o fizer não saberei o que me faz realmente correr, há dias em que tudo se vê através de um espelho distorsor, e a chave é anular a distorção.
11 de julho de 2005
A PONTE É UMA PASSAGEM
Pouco falta para as oito da manhã e, à minha esquerda, a embocadura do Tejo desaparece progressivamente sob um espesso banco de nevoeiro; quando passo por baixo da ponte 25 de Abril no sentido Lisboa-Cascais, o tabuleiro vermelho parece perder-se num nada esbranquiçado, como uma passagem pelo meio do vazio em direcção a outro sítio. Como se o nevoeiro fosse o vapor de água de uma cascata e a ponte nos levasse por baixo da água que cai para uma qualquer caverna escavada na rocha, em direcção à aventura.
9 de julho de 2005
LONDRES
O TEMPO SUJO
Há dias que eu odeio
Como insultos a que não posso responder
Sem o perigo duma cruel intimidade
Com a mão que lança o pus
Que trabalha ao serviço da infecção
São dias que nunca deviam ter saído
Do mau tempo fixo
Que nos desafia da parede
Dias que nos insultam que nos lançam
As pedras do medo os vidros da mentira
As pequenas moedas da humilhação
Dias ou janelas sobre o charco
Que se espelha no céu
Dias do dia-a-dia
Comboios que trazem o sono a resmungar para o trabalho
O sono centenário
Mal vestido mal alimentado
Para o trabalho
A martelada na cabeça
A pequena morte maliciosa
Que na espiral das sirenes
Se esconde e assobia
Dias que passei no esgoto dos sonhos
Onde o sórdido dá as mãos ao sublime
Onde vi o necessário onde aprendi
Que só entre os homens e por eles
Vale a pena sonhar.
— Alexandre O'Neill, 1958, in Poesias Completas
Há dias que eu odeio
Como insultos a que não posso responder
Sem o perigo duma cruel intimidade
Com a mão que lança o pus
Que trabalha ao serviço da infecção
São dias que nunca deviam ter saído
Do mau tempo fixo
Que nos desafia da parede
Dias que nos insultam que nos lançam
As pedras do medo os vidros da mentira
As pequenas moedas da humilhação
Dias ou janelas sobre o charco
Que se espelha no céu
Dias do dia-a-dia
Comboios que trazem o sono a resmungar para o trabalho
O sono centenário
Mal vestido mal alimentado
Para o trabalho
A martelada na cabeça
A pequena morte maliciosa
Que na espiral das sirenes
Se esconde e assobia
Dias que passei no esgoto dos sonhos
Onde o sórdido dá as mãos ao sublime
Onde vi o necessário onde aprendi
Que só entre os homens e por eles
Vale a pena sonhar.
— Alexandre O'Neill, 1958, in Poesias Completas
8 de julho de 2005
7 de julho de 2005
5 de julho de 2005
CANÇÃO
Que saia a última estrela
da avareza da noite
e a esperança venha arder
venha arder em nosso peito
E saiam também os rios
da paciência da terra
É no mar que a aventura
tem as margens que merece
E saiam todos os sóis
que apodreceram no céu
dos que não quiseram ver
— mas que saiam de joelhos
E das mãos que saiam gestos
de pura transformação
Entre o real e o sonho
seremos nós a vertigem
Alexandre O'Neill (1951)
da avareza da noite
e a esperança venha arder
venha arder em nosso peito
E saiam também os rios
da paciência da terra
É no mar que a aventura
tem as margens que merece
E saiam todos os sóis
que apodreceram no céu
dos que não quiseram ver
— mas que saiam de joelhos
E das mãos que saiam gestos
de pura transformação
Entre o real e o sonho
seremos nós a vertigem
Alexandre O'Neill (1951)
4 de julho de 2005
DISCURSO DIRECTO
Mesmo lido com uns quantos anos de atraso, mesmo descontando a facilidade do formato de colagem de entrevistas que permite esconder a "ausência de credibilidade" dos autores enquanto interlocutores, "Rap Ta France", de José-Louis Bocquet e Philippe Pierre-Adolphe Paris: Flammarion, 1997), é um documento estimulante para compreender a chegada do movimento hip-hop a França e a maneira como o hexágono se tornou na segunda potência do rap mundial, sobretudo com a "maré negra" da década de 90 com MC Solaar, Soon E MC, Jimmy Jay, etc. Eliminando qualquer excrescência assinada pelos dois autores, o livro constrói-se como uma montagem de depoimentos concedidos em entrevistas exclusivas por todos os nomes principais do hip-hop francês, dos pioneiros Dee Nasty e Cut Killer às vedetas NTM, IAM ou MC Solaar. Dando de barato que as fontes orais nem sempre são 100% fidedignas, "Rap Ta France" funciona como uma fascinante "história oral" do hip-hop em França, colorida pela personalidade de cada um dos interlocutores, cheia de histórias de vida que confirmam esta como uma música das ruas, transmissão global em directo do pulsar dos subúrbios, fala da tribo e linguagem de uma juventude em necessidade de afirmação pessoal e social. Haverá livros melhores para contextualizar o movimento hip-hop em França, mas "Rap Ta France" é um complementar com muito que o recomende.
GRAFFITI
Ainda bem que existem pobrezinhos para as assistentes sociais poderem mudar o mundo
- lido algures nas ruas de Lisboa
- lido algures nas ruas de Lisboa
3 de julho de 2005
POST-SCRIPTUM AO LOGBOOK #28
Estou todo partido, que isto de andar a apanhar com ondas não faz bem nenhum.
2 de julho de 2005
LOGBOOK #28: AVENTURA É AVENTURA
Berlenga Grande: Primavera, sábado 2 de Julho, 12h31: 22.9m, 40 min, 14ºC
Dizia o Alexandre que as Berlengas são o mergulho mais próximo dos Açores que se consegue em Portugal Continental (ou, enfim, quase, visto que tecnicamente as Berlengas são ilhas, mesmo que a pouca distância do continente) em termos de visibilidade. Mas, nesta estreia minha (e da recém-encartada Susana) no mui badalado destroço do Primavera, a água estava mais próxima de Sesimbra num dia mediano (visibilidade aí de cinco metros com boa vontade, muita suspensão, frio de cortar a partir dos 12 metros). Mesmo os mergulhos de eleição têm dias não, apesar de se perceber que os destroços do navio (em melhores condições do que o único termo de comparação que possuo, o célebre Riva Gurara) fervilham de vida, com restos do mármore italiano que o navio transportava quando se afundou espalhados pela área. Não fossem as malfadadas cãibras a trair a falta de esforço das pernas (derivada à infame inflamação do joelho) e tudo teria sido bem melhor...
Não foi só a água sesimbrense das Berlengas que provou ser uma surpresa nesta viagem-relâmpago à reserva natural (com direito a passeio a pé até ao farol pelos trilhos abertos pelos humanos e ferozmente guardado pelos bandos de gaivotas e suas crias que entram em histeria colectiva assim que alguém se aventura para fora). Os 20 minutos de semi-rígido desde Peniche até à ilha pelo meio das vagas largas ao largo do Cabo Carvoeiro pareceram uma viagem numa montanha-russa, sim, mas mais numa montanha-russa tímida dos anos 50 do que nos colossos que desafiam a força da gravidade hoje; ou então uma cavalgada num daqueles touros mecânicos. Dizem-me que hoje o mar esteve anormalmente bom na travessia, embora tenha havido três ou quatro saltos — não quero saber como será num dia mau. Mas houve algo de mágico quando o barco parecia deslizar por entre as altas ondas, e percebi um pouco do que o pessoal do surf deve sentir. E, no regresso, a viagem fez-se como se não houvesse vaga (mas havia).
O segundo mergulho ficou por fazer, à conta (surpreendente) de peso a menos e de uma intempestiva incapacidade de descer abaixo dos dois metros. Mas nada disso importa quando, no regresso, já à chegada ao porto de Peniche, passadas as formas geométricas esculpidas na rocha pela força dos elementos, o vento me bate no rosto e sinto o prazer de um dia bem passado. Há ainda uma hora de viagem até Lisboa e gasolina a meter no carro, o equipamento todo para lavar, mas isso não interessa nada. Passei um belo dia de aventuras. Prosaicas, é certo, mas aventuras — porque tudo pode ser uma aventura, se assim o quisermos. E, hoje, quero.
(com um obrigado, muito grande, à Susana — bem-vinda! — e ao grande Alexandre, pelo convite, pela simpatia, e pela companhia)
Dizia o Alexandre que as Berlengas são o mergulho mais próximo dos Açores que se consegue em Portugal Continental (ou, enfim, quase, visto que tecnicamente as Berlengas são ilhas, mesmo que a pouca distância do continente) em termos de visibilidade. Mas, nesta estreia minha (e da recém-encartada Susana) no mui badalado destroço do Primavera, a água estava mais próxima de Sesimbra num dia mediano (visibilidade aí de cinco metros com boa vontade, muita suspensão, frio de cortar a partir dos 12 metros). Mesmo os mergulhos de eleição têm dias não, apesar de se perceber que os destroços do navio (em melhores condições do que o único termo de comparação que possuo, o célebre Riva Gurara) fervilham de vida, com restos do mármore italiano que o navio transportava quando se afundou espalhados pela área. Não fossem as malfadadas cãibras a trair a falta de esforço das pernas (derivada à infame inflamação do joelho) e tudo teria sido bem melhor...
Não foi só a água sesimbrense das Berlengas que provou ser uma surpresa nesta viagem-relâmpago à reserva natural (com direito a passeio a pé até ao farol pelos trilhos abertos pelos humanos e ferozmente guardado pelos bandos de gaivotas e suas crias que entram em histeria colectiva assim que alguém se aventura para fora). Os 20 minutos de semi-rígido desde Peniche até à ilha pelo meio das vagas largas ao largo do Cabo Carvoeiro pareceram uma viagem numa montanha-russa, sim, mas mais numa montanha-russa tímida dos anos 50 do que nos colossos que desafiam a força da gravidade hoje; ou então uma cavalgada num daqueles touros mecânicos. Dizem-me que hoje o mar esteve anormalmente bom na travessia, embora tenha havido três ou quatro saltos — não quero saber como será num dia mau. Mas houve algo de mágico quando o barco parecia deslizar por entre as altas ondas, e percebi um pouco do que o pessoal do surf deve sentir. E, no regresso, a viagem fez-se como se não houvesse vaga (mas havia).
O segundo mergulho ficou por fazer, à conta (surpreendente) de peso a menos e de uma intempestiva incapacidade de descer abaixo dos dois metros. Mas nada disso importa quando, no regresso, já à chegada ao porto de Peniche, passadas as formas geométricas esculpidas na rocha pela força dos elementos, o vento me bate no rosto e sinto o prazer de um dia bem passado. Há ainda uma hora de viagem até Lisboa e gasolina a meter no carro, o equipamento todo para lavar, mas isso não interessa nada. Passei um belo dia de aventuras. Prosaicas, é certo, mas aventuras — porque tudo pode ser uma aventura, se assim o quisermos. E, hoje, quero.
(com um obrigado, muito grande, à Susana — bem-vinda! — e ao grande Alexandre, pelo convite, pela simpatia, e pela companhia)
1 de julho de 2005
POLAROID: FAMÍLIA
A senhora, trintona, tem aquele cabelo aclarado e a pose natural de tia da linha, fazendo um almoço de comida saudável no Oeiras Parque acompanhada pelos filhos ainda crianças - ele de camisa e calções à colégio, ela de roupa leve meio frique. Ele acompanha a mãe na comida saudável, ela come duas fatias de pizza. Acabada a refeição saudável, a mãe dirige-se ao balcão e pede uma fatia de bolo de chocolate, uma espécie de pão de ló que se desfaz ao contacto dos talheres de plástico translúcido. "Este bolo é tão light, tão light que se desfaz todo", comenta enquanto pergunta se os filhos querem um pouco. O rapaz não, mas a menina sim - vai pedir talheres ao balcão e debruça-se sobre a mesa para chegar ao prato da mãe. "Ó Mafalda, não é a boca que vai à comida, é a comida que vai à boca, sim?". A filha come algumas garfadas, mas quando se levantam metade do bolo fica no prato de plástico branco.
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