Os sábados à tarde parecem ser o dia preferido para nos baterem à porta, vindos de associações de apoio aos toxicodependentes, dos guarda-nocturnos, das testemunhas de Jeová ou outras crenças religiosas. É um clássico. Hoje, foi a vez da pobreza envergonhada deste Portugal em crise me bater à porta — com uma certa (apenas aparente?) dignidade magoada intersectando por um instante a pacatez de um sábado preguiçoso e ensonado, com uma daquelas rocambolescas peripécias que, exploradas de uma outra maneira, estariam à medida de um caso da vida da TVI. E que, na falta de comprovação objectiva e idónea, não permite uma recusa sem tombar na humilhação desnecessária.
A esse propósito, recordei-me, vá-se lá saber porquê, então do homem que uma vez encontrei, já há mais de dez anos, uma noite de sábado na avenida de Roma, com a voz nervosa, contando uma rocambolesca história de ter sido roubado e não ter meios para regressar ao quartel (seria Santarém?), demasiado rebuscada para poder ser inteiramente verdade, faltando-lhe apenas meia dúzia de trocados para ter o dinheiro do bilhete completo etc, e a quem dei a proverbial desculpa do não ter trocos para o ajudar.
Algumas semanas depois, numa tarde de sexta-feira, sou abordado pelo mesmo homem, com a mesma história, em plena rua da Escola Politécnica — e digo-lhe precisamente que semanas antes já me tinha contado a mesma história.
Na semana seguinte, de novo numa tarde de sexta-feira, sou abordado pelo mesmo homem, que, apanhando-me de costas, me começa a dizer "o senhor desculpe" mas, assim que me viro, me reconhece e se afasta rapidamente, gritando "Foda-se!...", amaldiçoando a sua vida por abordar três vezes seguidas com a mesma história a mesma pessoa.
Blog-notas de ideias soltas; post-it público de observações casuais; fragmentos em roda livre, fixados em âmbar. Eu, sem filtro. jorge.mourinha@gmail.com
Pesquisa personalizada
30 de abril de 2005
29 de abril de 2005
28 de abril de 2005
UMA QUESTÃO DE BOM GOSTO
Só em Lisboa é que há taxistas trintões que têm o CD do "Infected" dos The The a correr no carro. Só tive pena de ter entrado já o "Slow Train to Dawn" estava a acabar.
26 de abril de 2005
YOU MAGNIFICENT PAGAN GOD, YOU
- É verdade que só faz filmes que pagaria para ver?
- Definitivamente. E pago sempre - adoro ver-me no écrã!
- A maior parte dos actores dizem que odeiam ver-se no écrã.
- Estão a mentir.
(Samuel L. Jackson a Brantley Bardin, na edição de Março de 2005 da Première americana)
- Definitivamente. E pago sempre - adoro ver-me no écrã!
- A maior parte dos actores dizem que odeiam ver-se no écrã.
- Estão a mentir.
(Samuel L. Jackson a Brantley Bardin, na edição de Março de 2005 da Première americana)
24 de abril de 2005
LOGBOOK #25: CHAMA O GREGÓRIO
Sesimbra: Cova da Mijona, domingo 24 de Abril, 10h51; 11,6m, 11 min, 13º C
O "passeio à rua da asneira" é uma velha definição lá de casa para aquelas coisas que se fazem debalde ou que correm completamente ao contrário do que se esperaria — o que foi exactamente o que aconteceu neste "magnífico" dia de mergulho, um daqueles em que uma pessoa se pergunta "mas exactamente porque é que eu faço isto?".
No exacto mesmo spot que, a semana passada, estava cheio de pedras, vida, visibilidade extraordinária e água calminha, esta semana não se passa nada. Ou melhor: passaria, não fosse o ferro ter derivado o barco para longe das pedras e em cima da areia, ainda por cima com uma água em verdadeiro caldo verde de visibilidade quase zero. Eu e o Pedro descemos pelo cabo, chegamos lá abaixo, não vemos um palmo à frente do nariz, voltamos a subir, 30 segundos no fundo se tanto. Cá em cima, perguntamo-nos se valerá a pena voltar a tentar; o resto da "expedição" é um grupo de amigos do Norte em fim-de-semana de mergulho na terra dos mouros, para quem visibilidade deste calibre é o pão nosso de cada dia nas imersões nortenhas, que descem todos na maior. Lá decidimos tentar a nossa sorte e, chegados aos onze metros, nadamos em direcção à costa durante alguns metros, sem contudo encontrar a dita cuja pedraria. O Pedro faz-me sinal para fazermos meia-volta, fazemos meia-volta, ao fim de algum tempo sem encontrarmos o cabo faço-lhe sinal para subirmos antes que nos perdamos. Estamos, afinal, a poucos metros do barco e passaram-se dez minutos de imersão numa espessa sopa de suspensão verde e algas em flutuação. O pior, contudo, sei-o bem, está ainda para vir.
E, ao fim de dez minutos à superfície no barco balouçante, à espera que os outros dez invictos regressem do passeio, começam os arranques, os espasmos, a bílis — o enjôo de mar em todo o seu esplendor e beleza, que não mais me largará na longa viagem de regresso a Sesimbra. Longa, porque, para além da quase hora de espera pelos companheiros, tenho ainda de passar por uma visita de rotina da Polícia Marítima; um pedido de ajuda de um grupo de caiaqueiros em problemas (que acabarão por ser socorridos, depois da nossa primeira abordagem, pela Polícia Marítima); e a mudança de depósito de combustível do barco. À minha volta, os simpáticos e bem-dispostos nortenhos mostram-se compreensivos da minha situação (um deles confessa-se igualmente bastante sensível a movimentações ondulatórias) enquanto mastigam bolachas sortidas e, imagine-se, rissóis de camarão. Eu agarro-me à minha garrafa de água de litro e meio, aterrorizado que um mero golo me devolva os espasmos biliares que bem conheço e que tanto detesto. Atracando, sou o primeiro a sair, com a garrafa de água na mão, e dirijo-me lentamente ao centro enquanto os outros descarregam o material, para tirar o fato húmido que me está justo e vestir uma roupinha mais quente, reencontrar o equilíbrio.
Esqueço-me que voltei a mergulhar sem problemas com o tal quilo de lastro a menos, que a decisão de abortar o mergulho foi tomada em plena consciência, que apliquei com alguma lucidez noções básicas de navegação subaquática, que a subida do mergulho foi feita devagarzinho e na perfeição; esqueço-me de tudo isto porque não dá realmente grande prazer mergulhar pelo prazer nestas condições de visibilidade e, quando ainda por cima o gregório ataca, tudo se transforma num pesadelo. Nem as pulseiras homeopáticas funcionam. Mas também é verdade que, no mais das vezes, o mergulho não é isto, e isto é a excepção.
O "passeio à rua da asneira" é uma velha definição lá de casa para aquelas coisas que se fazem debalde ou que correm completamente ao contrário do que se esperaria — o que foi exactamente o que aconteceu neste "magnífico" dia de mergulho, um daqueles em que uma pessoa se pergunta "mas exactamente porque é que eu faço isto?".
No exacto mesmo spot que, a semana passada, estava cheio de pedras, vida, visibilidade extraordinária e água calminha, esta semana não se passa nada. Ou melhor: passaria, não fosse o ferro ter derivado o barco para longe das pedras e em cima da areia, ainda por cima com uma água em verdadeiro caldo verde de visibilidade quase zero. Eu e o Pedro descemos pelo cabo, chegamos lá abaixo, não vemos um palmo à frente do nariz, voltamos a subir, 30 segundos no fundo se tanto. Cá em cima, perguntamo-nos se valerá a pena voltar a tentar; o resto da "expedição" é um grupo de amigos do Norte em fim-de-semana de mergulho na terra dos mouros, para quem visibilidade deste calibre é o pão nosso de cada dia nas imersões nortenhas, que descem todos na maior. Lá decidimos tentar a nossa sorte e, chegados aos onze metros, nadamos em direcção à costa durante alguns metros, sem contudo encontrar a dita cuja pedraria. O Pedro faz-me sinal para fazermos meia-volta, fazemos meia-volta, ao fim de algum tempo sem encontrarmos o cabo faço-lhe sinal para subirmos antes que nos perdamos. Estamos, afinal, a poucos metros do barco e passaram-se dez minutos de imersão numa espessa sopa de suspensão verde e algas em flutuação. O pior, contudo, sei-o bem, está ainda para vir.
E, ao fim de dez minutos à superfície no barco balouçante, à espera que os outros dez invictos regressem do passeio, começam os arranques, os espasmos, a bílis — o enjôo de mar em todo o seu esplendor e beleza, que não mais me largará na longa viagem de regresso a Sesimbra. Longa, porque, para além da quase hora de espera pelos companheiros, tenho ainda de passar por uma visita de rotina da Polícia Marítima; um pedido de ajuda de um grupo de caiaqueiros em problemas (que acabarão por ser socorridos, depois da nossa primeira abordagem, pela Polícia Marítima); e a mudança de depósito de combustível do barco. À minha volta, os simpáticos e bem-dispostos nortenhos mostram-se compreensivos da minha situação (um deles confessa-se igualmente bastante sensível a movimentações ondulatórias) enquanto mastigam bolachas sortidas e, imagine-se, rissóis de camarão. Eu agarro-me à minha garrafa de água de litro e meio, aterrorizado que um mero golo me devolva os espasmos biliares que bem conheço e que tanto detesto. Atracando, sou o primeiro a sair, com a garrafa de água na mão, e dirijo-me lentamente ao centro enquanto os outros descarregam o material, para tirar o fato húmido que me está justo e vestir uma roupinha mais quente, reencontrar o equilíbrio.
Esqueço-me que voltei a mergulhar sem problemas com o tal quilo de lastro a menos, que a decisão de abortar o mergulho foi tomada em plena consciência, que apliquei com alguma lucidez noções básicas de navegação subaquática, que a subida do mergulho foi feita devagarzinho e na perfeição; esqueço-me de tudo isto porque não dá realmente grande prazer mergulhar pelo prazer nestas condições de visibilidade e, quando ainda por cima o gregório ataca, tudo se transforma num pesadelo. Nem as pulseiras homeopáticas funcionam. Mas também é verdade que, no mais das vezes, o mergulho não é isto, e isto é a excepção.
22 de abril de 2005
POLAROID: CENTRO DE SAÚDE
No meu centro de saúde, há uma "auxiliar administrativa" que parece ter um especial prazer em atender mal as pessoas, como se estivesse acima delas, com um ar terrível de frete. Essa "auxiliar administrativa" não estava presente na minha mais recente visita, mas parece-me que o seu método começou a fazer escola, sobretudo desde que entidade incerta decidiu que a partir de agora apenas é possível marcar consulta para a semana seguinte. Ou seja: eu ligo hoje para marcar consulta para de hoje a oito dias, e se não houver vaga não me podem marcar para a data seguinte -- terei de voltar a ligar amanhã, e assim ad infinitum. Depois, uma simpática "auxiliar administrativa" revelou-se estar também a aprender na escola da outra -- quando eu lhe passo uma nota de €20,00 para a mão para pagar a consulta, ela pega na nota, a guarda sem dar cavaco às melgas e me diz "não tenho troco". Não será, é certo, o mais estimulante dos empregos do mundo. Mas também não é necessário tratar as pessoas com tanta displicência.
A burocracia é uma coisa linda.
A burocracia é uma coisa linda.
21 de abril de 2005
POLAROID: CENTRO DE SAÚDE
As salas de espera dos centros de saúde, à tarde, são preenchidas pelo público-alvo dos programas de televisão de manhã e de tarde e das revistas de televisão e de VIPs. São as mesmas senhoras de meia-idade que a vida se encarregou de reduzir a um estereótipo da "vizinha" que está sempre à coca e sabe tudo o que se passa no prédio. Como a senhora que, esta tarde, acompanhava a filha com um violento ataque de tosse à consulta do médico de família e sabia perfeitamente a que horas o médico tinha chegado, que números já tinham entrado, que números ainda faltava chamar e que ela não iria ficar para o fim porque números posteriores ao dela já tinham sido atendidos porque chegaram cedo e os números anteriores ainda não tinham chegado.
20 de abril de 2005
18 de abril de 2005
KENSINGTON SQUARE
Estou apaixonado por este disco.
alors vous avez emprunté
la Bentley bleu pâle de son père
elle a conduit mâchoire serrée
dans les quartiers des affaires
au début de la soirée
Oxford Avenue l’année dernière
vous vous êtes dirigés
vers Kensington Square
surtout ne pas abîmer
les fauteuils cuir marron clair
surtout ne laisser traîner
aucun papier à l’arrière
dans la soirée qui descend
sur les premiers lampadaires
vous serez assis sur les bancs
de Kensington Square
pourtant il ne se passera à peu près rien entre vous
que ce moment ou le bras serré autour des genoux
elle dira “nous avons bien fait”
et c’est peut-être à cet instant qu’il aurait fallu
qu’il fallait
et tu regretteras longtemps
longtemps après
vous venez de dépasser
ce monument funéraire
fréquemment photographié
dans les vieux manuels scolaires
elle craint de n’avoir pris
en passant par St John’s Street
réellement un raccourci
elle remonte un peu sa vitre
tu essaies de temps en temps
une conversation nouvelle
elle ne répond pas vraiment
tu déballes un caramel
les autobus qui défilent
plus que quelques mètres à faire
tout sera tellement facile
à Kensington Square
pourtant il ne se passera à peu près rien entre vous
que ce moment où le bras serré autour des genoux
elle dira “nous avons bien fait”
et c’est peut-être à cet instant qu’il aurait fallu
qu’il fallait
et tu regretteras longtemps
longtemps après
sur les pelouses de Kensington
tu n’as pas su lire les pensées
de ce cardigan qui frissonne
de la main qui vient d’arracher
les feuilles rougeâtres d’un prunier
elle te déposera chez toi
devant le portail de l’entrée
et dans la nuit tu entendras
tes propres lèvres murmurer
“c’était une excellente soirée”
alors vous avez emprunté
la Bentley bleu-pâle de son père
elle a conduit mâchoire serrée
dans le quartier des affaires
au début de la soirée
Oxford Avenue l’année dernière
vous vous êtes dirigés
vers Kensington Square.
- Vincent Delerm, "Kensington Square", in "Kensington Square" (Tôt ou Tard, 2004)
alors vous avez emprunté
la Bentley bleu pâle de son père
elle a conduit mâchoire serrée
dans les quartiers des affaires
au début de la soirée
Oxford Avenue l’année dernière
vous vous êtes dirigés
vers Kensington Square
surtout ne pas abîmer
les fauteuils cuir marron clair
surtout ne laisser traîner
aucun papier à l’arrière
dans la soirée qui descend
sur les premiers lampadaires
vous serez assis sur les bancs
de Kensington Square
pourtant il ne se passera à peu près rien entre vous
que ce moment ou le bras serré autour des genoux
elle dira “nous avons bien fait”
et c’est peut-être à cet instant qu’il aurait fallu
qu’il fallait
et tu regretteras longtemps
longtemps après
vous venez de dépasser
ce monument funéraire
fréquemment photographié
dans les vieux manuels scolaires
elle craint de n’avoir pris
en passant par St John’s Street
réellement un raccourci
elle remonte un peu sa vitre
tu essaies de temps en temps
une conversation nouvelle
elle ne répond pas vraiment
tu déballes un caramel
les autobus qui défilent
plus que quelques mètres à faire
tout sera tellement facile
à Kensington Square
pourtant il ne se passera à peu près rien entre vous
que ce moment où le bras serré autour des genoux
elle dira “nous avons bien fait”
et c’est peut-être à cet instant qu’il aurait fallu
qu’il fallait
et tu regretteras longtemps
longtemps après
sur les pelouses de Kensington
tu n’as pas su lire les pensées
de ce cardigan qui frissonne
de la main qui vient d’arracher
les feuilles rougeâtres d’un prunier
elle te déposera chez toi
devant le portail de l’entrée
et dans la nuit tu entendras
tes propres lèvres murmurer
“c’était une excellente soirée”
alors vous avez emprunté
la Bentley bleu-pâle de son père
elle a conduit mâchoire serrée
dans le quartier des affaires
au début de la soirée
Oxford Avenue l’année dernière
vous vous êtes dirigés
vers Kensington Square.
- Vincent Delerm, "Kensington Square", in "Kensington Square" (Tôt ou Tard, 2004)
17 de abril de 2005
LOGBOOK #24: O PASSEIO DO CHOCO
Sesimbra: Cova da Mijona, domingo 17 de Abril, 11h16; 42min, 9.7m, 14ºC
Cova da Mijona, que é como quem diz Vale das Couves, que é como quem diz Pedra do Guindaste; parece não haver consenso sobre a designação da baixa de rochas que, a meio caminho entre o porto de Sesimbra e o Cabo Espichel, muito antes da Marca das 3 Milhas, se espalha aí por meia milha a profundidades entre os quatro e os dez metros, repletas de anémonas, peixinhos, e, nesta manhã ventosa e carregada de domingo, uma dúzia de mergulhadores a matar o vício, fugindo à provável enchente para os lados do Cabo Afonso.
Resguardado do vento, o mar está aqui chão, a visibilidade promete aí oito metros (pontualmente baixa para os cinco), só a temperatura da água não ajuda (aos 40 minutos, o Fernando, cheio de frio por baixo do fato de 5mm, atira a toalha e, cinco minutos depois, é a Teresa quem pede para subir). Mas o passeio é não apenas um passeio muito simpático por entre rochas e mais rochas, com as lanternas a iluminarem recantos, com um choco displicentemente nadando por ali como se não fosse nada com ele, é também uma oportunidade de testar a flutuabilidade com um quilo de lastro a menos — e estou todo orgulhoso, que passei o mergulho todo quase sem pôr ar no colete, controlando a flutuabilidade só com a respiração, e ainda vim para cima com meia garrafa de ar, com a Teresa a comentar que eu consumo muito pouco ar.
Faz bem ao ego ouvir estas coisas, caramba! Ainda por cima após dois meses sem ir à água. Mas ainda há trabalho a fazer.
Cova da Mijona, que é como quem diz Vale das Couves, que é como quem diz Pedra do Guindaste; parece não haver consenso sobre a designação da baixa de rochas que, a meio caminho entre o porto de Sesimbra e o Cabo Espichel, muito antes da Marca das 3 Milhas, se espalha aí por meia milha a profundidades entre os quatro e os dez metros, repletas de anémonas, peixinhos, e, nesta manhã ventosa e carregada de domingo, uma dúzia de mergulhadores a matar o vício, fugindo à provável enchente para os lados do Cabo Afonso.
Resguardado do vento, o mar está aqui chão, a visibilidade promete aí oito metros (pontualmente baixa para os cinco), só a temperatura da água não ajuda (aos 40 minutos, o Fernando, cheio de frio por baixo do fato de 5mm, atira a toalha e, cinco minutos depois, é a Teresa quem pede para subir). Mas o passeio é não apenas um passeio muito simpático por entre rochas e mais rochas, com as lanternas a iluminarem recantos, com um choco displicentemente nadando por ali como se não fosse nada com ele, é também uma oportunidade de testar a flutuabilidade com um quilo de lastro a menos — e estou todo orgulhoso, que passei o mergulho todo quase sem pôr ar no colete, controlando a flutuabilidade só com a respiração, e ainda vim para cima com meia garrafa de ar, com a Teresa a comentar que eu consumo muito pouco ar.
Faz bem ao ego ouvir estas coisas, caramba! Ainda por cima após dois meses sem ir à água. Mas ainda há trabalho a fazer.
16 de abril de 2005
POLAROID: VIZINHA À JANELA
No rés-do-chão do prédio ao lado, mora — presumo que com a família — uma daquelas velhotas "à antiga portuguesa", que passa o dia à janela, a ver quem passa (mas mais quem não passa, que a rua não é assim tão concorrida). Mas, de longe em longe, a senhora lá me dirige a palavra. "Olhe, o senhor desculpe, faz favor diz-me as horas?" E eu penso que, provavelmente, a senhora quer saber há quanto tempo está à janela; quanto tempo mais vai ali ficar; se está ali a fazer horas até ao almoço, até ao jantar, até ao lanche. Só à noite é que ela não está à janela.
15 de abril de 2005
ARQUEOLOGIA
Nunca ninguém disse que era fácil andar aqui dentro a remexer — nunca se sabe bem o que se pode encontrar. Mas há casos em que não se pode andar para a frente de outra maneira.
14 de abril de 2005
À ESPERA DO CANTO DA SEREIA
O título explica muito bem porque é que o álbum é um falhanço. Mas o tema-título é uma jóia preciosa — das mais belas canções que os New Order jamais gravaram.
what does this ship bring to me
far across the restless sea
waiting for the sirens' call
I've never seen it here before
there she plies a lonely trail
cutting through the breaking waves
drifting slowly from her course
she is lost forever more
we all want some kind of love
but sometimes it's not enough
to the wall and through the door
with the stranger on the shore
I won't desert you
I don't know what to say
I really hurt you
I nearly gave it all away
I got it all wrong
'cause you were not the wrong one
and I don't know where
to turn
when you're gone
when you're gone
got to catch a midnight train
first to Paris then to Spain
travel with a document
all across the Continent
city life is flying by
the wheels are turning all the while
get on board we can't be late
our destination cannot wait
all the stars and all the worlds
filling up this universe
could never be as close as us
will never shine as bright on us
I won't desert you
I don't know what to say
I really hurt you
I nearly gave it all away
I got it all wrong
'cause you were not the wrong one
and I don't know where
to turn
when you're gone
when you're gone
I won't desert you
I don't know what to say
I really hurt you
I nearly gave it all away
I got it all wrong
'cause you were not the wrong one
and I don't know where
to turn
when you're gone
how many times must I lose my way
how many words do I have to say
what can I do just to make you see
that you're so good for a man like
a man like me?
ESTÁ NA ALTURA DE ACTUALIZAR ALGUMAS SUPERSTIÇÕES
Se de facto encontrar aranhas em casa (daquelas mínimas) anunciasse dinheiro, eu já tinha ganho vários Euromilhões ao ritmo a que as ando a ver.
13 de abril de 2005
PLAYLIST #1
Há coisas que a música faz por mim que mais ninguém ou mais nada consegue.
Beck - "Broken Drum" (in "Guero", Interscope 2005)
Benjamin Biolay - "Mon amour m'a baisé" (in "À l'origine", Virgin 2005)
Bruce Springsteen - "Devils & Dust" (in "Devils & Dust", Columbia 2005)
Kaiser Chiefs - "I Predict a Riot" (in "Employment", B-Unique 2005)
Márcio Faraco - "Cidade" (in "Com Tradição", Universal 2005)
Melissa Etheridge - "Tuesday Morning" (in "Lucky", Island 2004)
New Order - "Krafty" (in "Waiting for the Sirens' Call", London 2005)
Old Jerusalem - "A Feast of Our Communion" (in "Twice the Humbling Sun", Bor Land 2005)
Skank - "Amores Imperfeitos" (in "Cosmotron", Epic 2003)
Vincent Delerm - "Veruca Salt & Frank Black" (in "Kensington Square", Tôt ou Tard 2004)
Vinicius Cantuária - "Tokyo" (in "Horse and Fish", Hannibal 2004)
Beck - "Broken Drum" (in "Guero", Interscope 2005)
Benjamin Biolay - "Mon amour m'a baisé" (in "À l'origine", Virgin 2005)
Bruce Springsteen - "Devils & Dust" (in "Devils & Dust", Columbia 2005)
Kaiser Chiefs - "I Predict a Riot" (in "Employment", B-Unique 2005)
Márcio Faraco - "Cidade" (in "Com Tradição", Universal 2005)
Melissa Etheridge - "Tuesday Morning" (in "Lucky", Island 2004)
New Order - "Krafty" (in "Waiting for the Sirens' Call", London 2005)
Old Jerusalem - "A Feast of Our Communion" (in "Twice the Humbling Sun", Bor Land 2005)
Skank - "Amores Imperfeitos" (in "Cosmotron", Epic 2003)
Vincent Delerm - "Veruca Salt & Frank Black" (in "Kensington Square", Tôt ou Tard 2004)
Vinicius Cantuária - "Tokyo" (in "Horse and Fish", Hannibal 2004)
12 de abril de 2005
PEQUENA ODE AOS POSSUIDORES DE CARRINHAS AUDI E MERCEDES TOPO DE GAMA
Detesto-vos, sobretudo quando eu estou a ultrapassar outro automóvel e vocês se encostam à minha traseira numa de "despacha-te lá com essa merda, ó pindérico que estás armado em Fangio com um carrinho que não dá sequer cem à hora". Já se esqueceram de quando tinham um carrinho que não dava sequer cem à hora, é?
11 de abril de 2005
TRATADO DA SEDUÇÃO
"De início, a ideia de o conhecer inquietava-me, mas, depois, senti-me aliviada. A sedução entre os seres humanos é cruel. O Jean-Louis não tem crueldade, mas muita doçura. Era muito reconfortante, para cantar, não estar na crueldade, na distância. Estamos numa proximidade, numa intimidade. (...) A sedução existe, mas é difusa, na duração, não na compulsão ou na aplicação sexual. (...) O Jean-Louis é de tal modo sedutor que temos vontade de abrir excepções com ele.
- Você acha-me sedutor porque a compreendo bem.
- Não, acho-o sedutor mesmo apesar de mim própria. Acho-o sedutor fisicamente, quimicamente, mas de uma maneira que me é familiar. O Jean-Louis olha-me de uma maneira extremamente benevolente. Até o meu marido reparou. Não me sinto estranha com ele. Há pessoas cujo olhar nos melhora, também sinto isso com o meu amigo Léos Carax, é muito raro. Normalmente, olham-me sem me dar, para me levar. Segundo o olhar, as minhas possibilidades aumentam. E um olhar de través pode-me fazer dar um passo atrás. (...) É isso o amor e a amizade: dar às pessoas um belo olhar."
Carla Bruni e Jean-Louis Murat em entrevista aos Inrockuptibles, na edição de 30 de Março último.
(Claro que em francês tem muito mais charme.)
- Você acha-me sedutor porque a compreendo bem.
- Não, acho-o sedutor mesmo apesar de mim própria. Acho-o sedutor fisicamente, quimicamente, mas de uma maneira que me é familiar. O Jean-Louis olha-me de uma maneira extremamente benevolente. Até o meu marido reparou. Não me sinto estranha com ele. Há pessoas cujo olhar nos melhora, também sinto isso com o meu amigo Léos Carax, é muito raro. Normalmente, olham-me sem me dar, para me levar. Segundo o olhar, as minhas possibilidades aumentam. E um olhar de través pode-me fazer dar um passo atrás. (...) É isso o amor e a amizade: dar às pessoas um belo olhar."
Carla Bruni e Jean-Louis Murat em entrevista aos Inrockuptibles, na edição de 30 de Março último.
(Claro que em francês tem muito mais charme.)
10 de abril de 2005
QUANDO FOR GRANDE
...quero escrever como a Nancy Gibbs, da Time.
Não por concordar com o que ela diz; mas porque ela sabe usar as palavras como matéria-prima moldável, plasticina transformável no que ela bem entender. É muito bom ver alguém que faz da palavra o seu mester; e muito raro ver alguém que sabe exactamente como obter o efeito pretendido.
Não por concordar com o que ela diz; mas porque ela sabe usar as palavras como matéria-prima moldável, plasticina transformável no que ela bem entender. É muito bom ver alguém que faz da palavra o seu mester; e muito raro ver alguém que sabe exactamente como obter o efeito pretendido.
8 de abril de 2005
INFORMAÇÃO AO CONDUTOR
Veículo pesado
Báscula de aço — não marrar!
Equipado com travões de disco às quatro rodas e ABS
Mantenha distância de segurança mínima — 10 metros
(escrita em tinta cinzenta, em letras maiúsculas bem legíveis, na traseira da caixa aberta metálica de uma camioneta Mitsubishi Canter vista no trânsito de Lisboa)
Báscula de aço — não marrar!
Equipado com travões de disco às quatro rodas e ABS
Mantenha distância de segurança mínima — 10 metros
(escrita em tinta cinzenta, em letras maiúsculas bem legíveis, na traseira da caixa aberta metálica de uma camioneta Mitsubishi Canter vista no trânsito de Lisboa)
7 de abril de 2005
BUCOLISMOS URBANOS
Por vezes, quando passo diariamente na Marginal junto à Cruz Quebrada, no cruzamento que leva ao Jamor, cruzo-me com os soldados da GNR que patrulham a zona a cavalo, com um trote descontraído, pela berma da estrada. O ruído compassado das patas dos cavalos pelo meio das buzinas e dos motores, a estranheza da visão quase arcaica de polícias a cavalo pelo meio do trânsito apressado cria um efeito de desajuste, uma espécie de ruptura espácio-temporal que coloca um certo passado e o presente lado a lado, que contrasta os modos antigos e descontraídos "de um tempo ausente" com a impiedosa velocidade dos nossos dias — sem que nenhum deles saia vencedor.
6 de abril de 2005
POLAROID HCL: CHAMA O FRANCISCO
Uma das auxiliares da Radiologia do Hospital de São José chega à porta automática da sala de espera cheia e começa a chamar pessoas a partir de alguns papéis que tem na mão, com uma voz de cana rachada (como os que identificamos com as cantadeiras de folclore) e um sotaque misto de província nortenha e suburbano. "Sr. Francisco. Sr. Francisco?" Chama três, quatro vezes o "sr. Francisco" sem obter resposta. Dirige-se a um senhor de idade deitado numa maca. "O senhor aí, como se chama?" O senhor da maca não responde, vira-se para a esquerda, talvez procurando alguém que o acompanhe, ou apenas a ver se a auxiliar está a falar com outra pessoa. "O senhor como se chama?" insiste a auxiliar. O senhor da maca percebe finalmente que é com ele. "Eu? Humberto Silva." "Não é Francisco, pois não?" insiste a auxiliar.
5 de abril de 2005
POEIRA
Ele voltou. E se o resto do álbum for desta (altíssima) craveira, ainda vale a pena ter heróis.
I got my finger on the trigger
but I don't know who to trust
when I look into your eyes
there's just devils and dust
we're a long, long way from home Bobbie
home's a long, long way from us
I feel a dirty wind blowing
devils and dust
I got God on my side
I'm just trying to survive
what if what you do to survive kills the things you love
fear's a powerful thing
it can turn your heart black you can trust
it'll take your God filled soul and fill it with devils and dust
well I dreamed of you last night
in a field of blood and stone
the blood began to dry
the smell began to rise
well I dreamed of you last night
in a field of mud and bone
your blood began to dry
the smell began to rise
we've got God on our side
we're just trying to survive
what if what you do to survive kills the things you love
fear's a powerful thing
it'll turn your heart black you can trust
it'll take your God filled soul
fill it with devils and dust
now every woman and every man
they want to take a righteous stand
find the love that God wills
and the faith that He commands
I've got my finger on the trigger
and tonight faith just ain't enough
when I look inside my heart
there's just devils and dust
well I've got God on my side
and I'm just trying to survive
what if what you do to survive kills the things you love
fear's a dangerous thing
it can turn your heart black you can trust
it'll take your God filled soul
fill it with devils and dust
it'll take your God filled soul
fill it with devils and dust.
— Bruce Springsteen, "Devils & Dust"
I got my finger on the trigger
but I don't know who to trust
when I look into your eyes
there's just devils and dust
we're a long, long way from home Bobbie
home's a long, long way from us
I feel a dirty wind blowing
devils and dust
I got God on my side
I'm just trying to survive
what if what you do to survive kills the things you love
fear's a powerful thing
it can turn your heart black you can trust
it'll take your God filled soul and fill it with devils and dust
well I dreamed of you last night
in a field of blood and stone
the blood began to dry
the smell began to rise
well I dreamed of you last night
in a field of mud and bone
your blood began to dry
the smell began to rise
we've got God on our side
we're just trying to survive
what if what you do to survive kills the things you love
fear's a powerful thing
it'll turn your heart black you can trust
it'll take your God filled soul
fill it with devils and dust
now every woman and every man
they want to take a righteous stand
find the love that God wills
and the faith that He commands
I've got my finger on the trigger
and tonight faith just ain't enough
when I look inside my heart
there's just devils and dust
well I've got God on my side
and I'm just trying to survive
what if what you do to survive kills the things you love
fear's a dangerous thing
it can turn your heart black you can trust
it'll take your God filled soul
fill it with devils and dust
it'll take your God filled soul
fill it with devils and dust.
— Bruce Springsteen, "Devils & Dust"
MISTÉRIO ANTROPOLÓGICO #1
Nunca percebi porque é que algumas pessoas prendem a fralda da camisa por dentro das cuecas. Pessoalmente, acho pouco higiénico. Mas parece que é uma prática bastante corrente.
4 de abril de 2005
MESA DE CABECEIRA
Uma garrafa de litro e meio de água do Luso, encetada; um rádio-despertador da Sony sintonizado na TSF; um corta-unhas; uma lata de creme Nivea; um tubo de Canesten fora de prazo (que ando para deitar fora há semanas, não é tarde nem é cedo, é mesmo hoje); uma caixa de Valdispert com um único comprimido lá dentro; uma calçadeira de plástico verde; um exemplar da edição de bolso da Penguin da tradução inglesa do tratado sobre a guerra de Clausewitz.
3 de abril de 2005
ROSEBUD
Morreu o Papa João Paulo II, e que descanse em paz; seja-se religioso ou ateu, praticante ou não, havia de facto qualquer coisa especial naquele homem, qualquer coisa digno de respeito e admiração.
Mas confesso que nada me pareceu tão longe desse respeito e dessa admiração como o cortejo mediático das últimas 48 horas, em que praticamente todos os canais terrestres portugueses (e não só) estiveram ininterruptamente em directo do Vaticano, como se nada mais tivesse acontecido nos últimos dois dias. Li, creio que no Público, que João Paulo II teria deixado instruções para que o seu sofrimento fosse mantido privado; nenhuma fotografia, nenhuma recolha de imagens, nenhuma gravação da sua voz deveria ser feita durante a sua doença. Por isso me fez ainda mais confusão este frenesi mediático com enviados especiais procurando deslindar os silêncios do Vaticano, com informações contraditórias, com um sofrimento que, mesmo que não efectivamente visto, acabou por ser visível. E há algo de sórdido neste prolongamento artificial das emissões, literalmente à espera que o Papa morresse.
Talvez fosse inescapável que um Papa tão mediático como este terminasse os seus dias sob o escrutínio, mesmo que distanciado, das câmaras. Talvez fosse esse o "preço a pagar" pela visibilidade do seu pontificado. Mas não consigo deixar de pensar que o homem por trás do Papa terá desejado, tão somente, partir com a mesma dignidade com que viveu.
Mas confesso que nada me pareceu tão longe desse respeito e dessa admiração como o cortejo mediático das últimas 48 horas, em que praticamente todos os canais terrestres portugueses (e não só) estiveram ininterruptamente em directo do Vaticano, como se nada mais tivesse acontecido nos últimos dois dias. Li, creio que no Público, que João Paulo II teria deixado instruções para que o seu sofrimento fosse mantido privado; nenhuma fotografia, nenhuma recolha de imagens, nenhuma gravação da sua voz deveria ser feita durante a sua doença. Por isso me fez ainda mais confusão este frenesi mediático com enviados especiais procurando deslindar os silêncios do Vaticano, com informações contraditórias, com um sofrimento que, mesmo que não efectivamente visto, acabou por ser visível. E há algo de sórdido neste prolongamento artificial das emissões, literalmente à espera que o Papa morresse.
Talvez fosse inescapável que um Papa tão mediático como este terminasse os seus dias sob o escrutínio, mesmo que distanciado, das câmaras. Talvez fosse esse o "preço a pagar" pela visibilidade do seu pontificado. Mas não consigo deixar de pensar que o homem por trás do Papa terá desejado, tão somente, partir com a mesma dignidade com que viveu.
2 de abril de 2005
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