Não tenho nada contra as listas. Não gosto de as organizar por "preferências" — sempre as fiz alfabeticamente. Pistas para explicar o meu 2005:
em discos
AIMEE MANN The Forgotten Arm (SuperEgo/V2/Edel)
BENJAMIN BIOLAY À l'origine (Virgin/EMI)
BLIND ZERO The Night Before and a New Day (Mercury/Universal)
BRIAN ENO Another Day on Earth (Hannibal/Edel)
BRUCE SPRINGSTEEN Devils & Dust (Columbia/Sony BMG)
COCTEAU TWINS Lullabies to Violaine (4AD/Popstock)
CRISTINA BRANCO Ulisses (Emarcy Classics/Universal)
DANIEL LANOIS Belladonna (Anti-/Edel)
ERASURE Nightbird (Mute/EMI)
JUNE TABOR Always (Topic/Megamúsica)
KATE BUSH Aerial (EMI)
THE MOUNTAIN GOATS The Sunset Tree (4AD)
OLD JERUSALEM Twice the Humbling Sun (Bor Land)
RICHARD THOMPSON Front Parlor Ballads (Cooking Vinyl/Farol)
RY COODER Chávez Ravine (Nonesuch/Warner)
TOM ZÉ Estudando o Pagode na Opereta Segregamulher e Amor (Trama/Megamúsica)
VINCENT DELERM Vincent Delerm e Kensington Square (Tôt ou Tard)
em filmes
ALICE de Marco Martins
AVENGE BUT ONLY ONE OF MY TWO EYES de Avi Mograbi
O CASTELO ANDANTE de Hayao Miyazaki
CLEAN de Olivier Assayas
A DESCIDA de Neil Marshall
DE TANTO BATER O MEU CORAÇÃO PAROU de Jacques Audiard
ELIZABETHTOWN de Cameron Crowe
FOLLOWING SEAN de Ralph Arlyck
KING KONG de Peter Jackson
NO DIRECTION HOME: BOB DYLAN de Martin Scorsese
A NOSSA MÚSICA de Jean-Luc Godard
UM PEIXE FORA DE ÁGUA de Wes Anderson
UMA RAPARIGA CHEIA DE SONHOS de Anand Tucker
SARABAND de Ingmar Bergman
SONHOS VENCIDOS de Clint Eastwood
VELHO AMIGO de Chan-Wook Park
WALLACE & GROMIT: A MALDIÇÃO DO COELHOMEM de Nick Park e Steve Box
Bom ano a todos.
Blog-notas de ideias soltas; post-it público de observações casuais; fragmentos em roda livre, fixados em âmbar. Eu, sem filtro. jorge.mourinha@gmail.com
Pesquisa personalizada
31 de dezembro de 2005
30 de dezembro de 2005
POLAROID: PEQUENOS ANUNCIOS
Subindo a avenida da Liberdade do lado esquerdo vindo dos Restauradores, dá-se por pequenos anúncios, escritos à mão em autocolantes de grande dimensão com marcador de feltro em letras de imprensa que traem uma caligrafia de idoso, colados em caixas de derivação ou postes de lâmpada, quase sempre abaixo do nível a que um transeunte normal os leria, todos com a mesma mensagem expressa de maneiras diferentes e com um número de telemóvel impresso no fim.
A mensagem básica é esta: "Professor viúvo procura senhora para relação séria. Dá casa de graça"
A mensagem básica é esta: "Professor viúvo procura senhora para relação séria. Dá casa de graça"
29 de dezembro de 2005
SAO SEMPRE OS MESMOS QUE PAGAM A CRISE
Confesso que me causa alguma confusão ouvir na boca das centrais sindicais e dos seus sindicalizados velhos chavões de opressão laboral e luta de classes que me habituei a identificar com a esquerda de tendência socialista e com os "Verões quentes" do pós-25 de Abril mas que, hoje, em pleno século XXI, me parecem razoavelmente referir-se a um outro Portugal. Porque os ouço nas vozes dos representantes dessa classe pequeno-burguesa privilegiada que é a função pública, onde existirão certamente muitos trabalhadores oprimidos com problemas de sobrevivência mas onde existe também uma quantidade de gente que vive muito confortavelmente à conta do burocrático e intrincado sistema de regalias (eu sei, porque tenho duas funcionárias públicas na família que sempre tiveram muito empenho em jogar o jogo do sistema).
É perfeitamente compreensível que a função pública não goste que lhes vão aos ordenados — ninguém gosta. Só que, francamente, há gente que está muito pior do que a função pública e que não consegue recolher nem metade da atenção. Só que, francamente, começa a ser cansativa esta estética da indignação consecutiva da função pública quando a coisa tem um aspecto tão "Sim, Senhor Ministro" em que, realmente, são sempre os mesmos que pagam a crise desde que sejam os outros. Porque, não sei se repararam, o recurso ao crédito disparou, as pessoas cada vez se endividam mais, Portugal vive cada vez mais a prazo. E perante isto, os sindicatos da função pública pedem a intervenção do Presidente da República para proteger o seu sagrado aumentozinho. A mensagem não podia ser mais clara: os outros que paguem a crise, que nós não estamos para isso.
Infelizmente, isso é um clássico português, e não é um exclusivo da função pública.
É perfeitamente compreensível que a função pública não goste que lhes vão aos ordenados — ninguém gosta. Só que, francamente, há gente que está muito pior do que a função pública e que não consegue recolher nem metade da atenção. Só que, francamente, começa a ser cansativa esta estética da indignação consecutiva da função pública quando a coisa tem um aspecto tão "Sim, Senhor Ministro" em que, realmente, são sempre os mesmos que pagam a crise desde que sejam os outros. Porque, não sei se repararam, o recurso ao crédito disparou, as pessoas cada vez se endividam mais, Portugal vive cada vez mais a prazo. E perante isto, os sindicatos da função pública pedem a intervenção do Presidente da República para proteger o seu sagrado aumentozinho. A mensagem não podia ser mais clara: os outros que paguem a crise, que nós não estamos para isso.
Infelizmente, isso é um clássico português, e não é um exclusivo da função pública.
POLAROID: FARMACIA
Aguardo a minha vez para ser atendido na farmácia. Escassos minutos depois da senhora que estava a ser atendida à minha frente sair, o senhor idoso e a filha que estão ainda a ser atendidos pela outra farmacêutica dão pela falta do saco com medicamentos que já estavam prontos para pagar e que foi levado inadvertidamente pela senhora que tinha acabado de sair. Com impecável presença de espírito, a farmacêutica pega imediatamente no telefone para apanhar a senhora ao telemóvel, enquanto a filha do senhor idoso sai porta fora à procura da senhora. Escassos minutos depois, a filha e a senhora aparecem à porta da farmácia — e sim, o saco de medicamentos tinha sido levado pela senhora que estava convencida que eram dela.
28 de dezembro de 2005
ALIVIO
Reencontrar quase intacta a capacidade de engolir após os tormentos causados por uma garganta inflamada é um bálsamo. A garganta inflamada é sempre a primeira manifestação da constipação/gripe que se aproxima e equivale quase sempre a dificuldades em engolir todo e qualquer tipo de alimentos — chegar ao ponto em que já se consegue voltar a engolir (mesmo que ainda com alguma dificuldade) sem que a garganta se incendie e quase quase ao ritmo de degustação normal, ainda por cima depois de quatro dias em dificuldades, é, por isso, uma enormíssima felicidade. É como o velho anúncio dos Cornettos — "e a vida sorri"...
27 de dezembro de 2005
A POLCA E O SOUTIEN
Há aqui uma qualquer ironia paradoxal: quando se está doente, o tempo ora passa demasiado depressa ora se move demasiado devagar. No interim, descobre-se que Oprah Winfrey dedicou um programa inteiro à ciência de como fazer uma mulher sentir-se bem no soutien perfeito (sabiam que existem "bra fitting consultants"? eu também não) e que num programa infantil do canal 2 há quatro animaizinhos que interpretam muito felizes uma "Polca da Minhoca" composta por Evan (irmão de John) Lurie. Depois não digam que televisão não é cultura.
25 de dezembro de 2005
AND THE WINNER IS...
E o prémio da melhor mensagem de Natal enviada via SMS vai para... Jorge Manuel Lopes, com a sua entrada assinada "o terço ateu da mansão JML", que reza "um aprazível usufruto do solstício de Inverno e do novo ciclo solar".
WATERLOO
Passar o Natal com uma amigdalite não é exactamente topo das preferências de qualquer um de nós, creio eu. Louvados sejam, então, para além do bacalhau no vapor com azeite aquecido com alho picado e do chá de limão com mel da Mansão Bardajona, perdão, Barjona de Freitas (o vate, sensibilizado, agradece), os divinos Abba, perfeita abertura de serão via a fetichista caixa das gravações completas.
Nostalgia de outros tempos (e eu recordo-me dos Abba ganharem a Eurovisão com "Waterloo", em 1974, três semanas antes do 25 de Abril)? Reavaliação de uma banda que foi demasiado tempo cantonada na azeiteirice pindérica do "bubblegum" descartável? Admito que possa haver fragmentos de ambas (e quando eles queriam eram verdadeiramente azeiteiros do pior — vide o inqualificável "Fernando" ou o indesculpável "Thank You for the Music"), mas a verdade é só uma — Benny Andersson e Björn Ulvaeus, os dois Bs, tinham um faro imbatível para compôr canções que sempre souberam ser fáceis e contagiantes sem serem estúpidas, e cuja sofisticação era muito maior do que temos o hábito de atribuir a quem anda nisto da pop de consumo rápido e não escondia que andava em perseguição das modas (o disco sound desavergonhado de "Dancing Queen" e "Gimme! Gimme! Gimme!", a tecno-pop de "Under Attack"). Eram, literalmente, umas atrás das outras e, com raras excepções, nenhuma pior do que a anterior.
Os Abba sabiam-na toda e a magia — como trabalhos posteriores a solo do quarteto provaram — só funcionava naquela peculiar combinação alquímica. Numa véspera de Natal que trouxe algumas estimulantes descobertas auditivas, o facto é que os Abba soaram a "comfort food" — aquele prato fácil, simples, rústico que nunca entrará nos guias Michelin mas que teimamos em não desalojar da nossa lista de preferidos. Agora, desculpem-me enquanto vou ali ouvir mais um bocadinho de Abba.
Nostalgia de outros tempos (e eu recordo-me dos Abba ganharem a Eurovisão com "Waterloo", em 1974, três semanas antes do 25 de Abril)? Reavaliação de uma banda que foi demasiado tempo cantonada na azeiteirice pindérica do "bubblegum" descartável? Admito que possa haver fragmentos de ambas (e quando eles queriam eram verdadeiramente azeiteiros do pior — vide o inqualificável "Fernando" ou o indesculpável "Thank You for the Music"), mas a verdade é só uma — Benny Andersson e Björn Ulvaeus, os dois Bs, tinham um faro imbatível para compôr canções que sempre souberam ser fáceis e contagiantes sem serem estúpidas, e cuja sofisticação era muito maior do que temos o hábito de atribuir a quem anda nisto da pop de consumo rápido e não escondia que andava em perseguição das modas (o disco sound desavergonhado de "Dancing Queen" e "Gimme! Gimme! Gimme!", a tecno-pop de "Under Attack"). Eram, literalmente, umas atrás das outras e, com raras excepções, nenhuma pior do que a anterior.
Os Abba sabiam-na toda e a magia — como trabalhos posteriores a solo do quarteto provaram — só funcionava naquela peculiar combinação alquímica. Numa véspera de Natal que trouxe algumas estimulantes descobertas auditivas, o facto é que os Abba soaram a "comfort food" — aquele prato fácil, simples, rústico que nunca entrará nos guias Michelin mas que teimamos em não desalojar da nossa lista de preferidos. Agora, desculpem-me enquanto vou ali ouvir mais um bocadinho de Abba.
23 de dezembro de 2005
FOUR LITTLE WORDS
Quatro palavrinhas apenas fazem toda a diferença do mundo. É só preciso saber dizê-las: "Gosto muito de ti".
Há, contudo, pessoas a quem custa muito dizê-las. E outras a quem não é fácil ouvi-las.
Há, contudo, pessoas a quem custa muito dizê-las. E outras a quem não é fácil ouvi-las.
22 de dezembro de 2005
CHOCOLATE
Percebe-se que o francês é uma língua sensual quando pegamos numa tablete de chocolate no supermercado e lemos em voz alta "chocolat noir dégustation - noir intense aux éclats de cacao".
21 de dezembro de 2005
CIVILIZAÇAO
Não sei se já repararam, mas foi a partir desse país exemplar que é o Reino Unido que se popularizaram uma das mais civilizadas e uma das mais incivilizadas bebidas do mundo: o chá e a cerveja. O equilíbrio é exemplar.
20 de dezembro de 2005
MONUMENTO
Isto, meus senhores e minhas senhoras, acabadinho de ver na sua íntegra (e estamos a falar de três horas e meia em dois DVDs; e nem pensem que, uma vez a máquina em movimento, vão conseguir interromper — porque não vão) é um monumento: cultura pop, ensaio sociocultural, documentário clássico, cinema moderno, montagem, pesquisa, arquivo, História. Ou, apenas, mais um dos singulares destinos americanos que Martin Scorsese tanto gosta de contar — e que só ele sabe contar. "No Direction Home" é uma pedra rolante: vai por aí fora. A nós de segui-la, maravilhados.
19 de dezembro de 2005
18 de dezembro de 2005
PEROLA
É uma canção escrita no feminino, por uma cantora/compositora da qual há muito não tenho notícias (e que Peter Gabriel revelou ao mundo quando a foi buscar para fazer as vezes de Sinéad O'Connor na sua digressão Secret World de 1992/93). Mas, se olharmos para o que "Pearl" exprime de universal, está aqui muito do que eu próprio tenho andado (e ainda estou) a viver ao longo de 2005. And David will understand.
Humility on Bleecker Street
exposed my faults until I'm left defeated
it's been three years into this relationship
this is longer than I ever could commit
but I feel
I'm near
but I feel
my fear
I'm standing at the edge of another precipice in life
gotta face my steppenwolf
gotta drag you through the mud
when I get there I will see myself
I will look for strength within
I will be a better woman
hang in there baby, I'm the grain of sand
becoming the pearl
there are no role models in rock'n'roll
no women who could have it all
the long career, the man, the happy family
and here I stand and God I do demand it
and I feel
I'm near
but I feel
my fear
I'm standing at the edge of another precipice in life
gotta face my steppenwolf
gotta drag you through the mud
when I get there I will see myself
I will look for strength within
I will be a better woman
hang in there baby, I'm the grain of sand
becoming the pearl
it's dark in here
don't know who I am
memories come
I'm wading through the moon
evil side
wants to drag me down
will power
God, please give me some
(I'm hanging onto hope now)
I'm standing at the edge of another precipice in life
baggage from my family
going back to therapy
I will kneel, be humble, tow the weight
I will look for strength within
I will be a better woman
hang in there baby, I'm the grain of sand
becoming the pearl.
— Paula Cole, "Pearl", in "Amen" (Imago/Warner Bros., 1999)
Humility on Bleecker Street
exposed my faults until I'm left defeated
it's been three years into this relationship
this is longer than I ever could commit
but I feel
I'm near
but I feel
my fear
I'm standing at the edge of another precipice in life
gotta face my steppenwolf
gotta drag you through the mud
when I get there I will see myself
I will look for strength within
I will be a better woman
hang in there baby, I'm the grain of sand
becoming the pearl
there are no role models in rock'n'roll
no women who could have it all
the long career, the man, the happy family
and here I stand and God I do demand it
and I feel
I'm near
but I feel
my fear
I'm standing at the edge of another precipice in life
gotta face my steppenwolf
gotta drag you through the mud
when I get there I will see myself
I will look for strength within
I will be a better woman
hang in there baby, I'm the grain of sand
becoming the pearl
it's dark in here
don't know who I am
memories come
I'm wading through the moon
evil side
wants to drag me down
will power
God, please give me some
(I'm hanging onto hope now)
I'm standing at the edge of another precipice in life
baggage from my family
going back to therapy
I will kneel, be humble, tow the weight
I will look for strength within
I will be a better woman
hang in there baby, I'm the grain of sand
becoming the pearl.
— Paula Cole, "Pearl", in "Amen" (Imago/Warner Bros., 1999)
17 de dezembro de 2005
RELATORIO DE PROGRESSO
Ao fim de 24 horas, o paciente confirma que a garganta está já significativamente menos inflamada, mas o grosso da inflamação desviou-se agora para as mucosas nasais, que, desde o primeiro espirro de consequência esta tarde, já começa a dar sinais de bloqueio.
16 de dezembro de 2005
ILUSAO DE OPTICA
Descendo a Rua de Campolide em direcção a Sete Rios, a paisagem em movimento dos edifícios tapa o S do letreiro luminoso do Sana Malhoa Hotel.
14 de dezembro de 2005
POLAROID: LICEAIS EM CAFE EM TRES MOVIMENTOS
movimento I
O café está cheio. Três meninas chamam insistentemente o sr. Lopes para ele chegar à mesa; a empregada acaba por compreender que uma delas quer trocar uma nota em moedas.
movimento II
Numa mesa com quatro ou cinco liceais, dois deles insistem em falar de uma única maneira: muito alto.
movimento III
Uma jovem cumprimenta os amigos numa mesa, sem reparar na bengala do senhor idoso sentado na mesa de trás, que atira para o chão, entornando o copo de água sobre a mesa e o chão sem sequer dar por isso antes do senhor, gritando "menina!", lhe chamar a atenção para o incidente.
O café está cheio. Três meninas chamam insistentemente o sr. Lopes para ele chegar à mesa; a empregada acaba por compreender que uma delas quer trocar uma nota em moedas.
movimento II
Numa mesa com quatro ou cinco liceais, dois deles insistem em falar de uma única maneira: muito alto.
movimento III
Uma jovem cumprimenta os amigos numa mesa, sem reparar na bengala do senhor idoso sentado na mesa de trás, que atira para o chão, entornando o copo de água sobre a mesa e o chão sem sequer dar por isso antes do senhor, gritando "menina!", lhe chamar a atenção para o incidente.
13 de dezembro de 2005
POBRE HOMEM
Algumas coisas houve que me fizeram imensa confusão em todo este triste episódio do ex-combatente que se atirou a Mário Soares em Barcelos no domingo. Toda a gente foi lesta em condenar, com inteira razão, a lamentável agressão ao candidato, o comportamento menos digno do homem — mas passou quase despercebido o facto de Mário Soares, ou alguém da sua "entourage", ter tratado o homem logo a seguir, com uma condescendência que me pareceu quase chocante, de "atrasado mental", "é um pobre homem" (não percebi a quem os gritos de populares femininas de "fascista, fascista" eram dirigidos, mas presumo que ao agressor). Depois, o bruá mediático que se gerou à volta do episódio quase obscureceu que, em períodos bem mais duros da história portuguesa, Mário Soares se aguentou à bronca em situações bem piores do que esta — e, contudo, quem visse as reportagens pensaria (como eu a princípio pensei) que o candidato teria sido ameaçado com uma arma ou agredido selvaticamente (em vez disso, foi apenas um murro no braço). Finalmente, a condenação quase unânime da acção do homem relegou-o para um papel quase de "maluquinho de serviço" — talvez por ele ter um exemplar do jornal "O Crime" nas mãos, ninguém se interessou em saber quem era o agressor, o que o levava a protestar daquela maneira contra Mário Soares. O episódio serviu apenas para unir todos os candidatos e para elevar o perfil do candidato — para quem, a julgar pelas sondagens, a atenção não podia ter surgido em melhor altura. Mas não consigo deixar de pensar que havia aqui uma história humana, daquelas que os noticiários tanto gostam de explorar e que, desta vez, não exploraram.
12 de dezembro de 2005
JOIA
Esta canção tem 20 anos em cima e continua a soar como nada mais no mundo, a um tempo dos anos 80 que a geraram e de um outro tempo que nunca se mediu pelos relógios e cronómetros. Esta música nunca fez parte de nada e continua, hoje, a desafiar aqueles que nela procuram alguma coisa de legível, de simbólico, de significativo. Mas com os Cocteau Twins nunca serviu de nada querer perceber — a resposta sempre esteve em sentir.
11 de dezembro de 2005
ÁRVORE
Há muitos, muitos anos, quando Dezembro começava, os meus pais iam comprar um pinheiro de Natal que colocávamos no canto da sala, junto ao televisor, num vaso de barro com terra em cima de um banco baixo, enchendo a casa com o aroma. Numa tarde, depois, eu e a minha mãe montávamos a árvore com enfeites herdados dos meus irmãos mais velhos e de tempos financeiramente menos desafogados, guardados em duas caixas fechadas na despensa — uma estrela de cartão forrada a prata de chocolate; bolas e lanterninhas de plástico colorido, grinaldas de cores brilhantes, algodão a fingir de flocos de neve, luzes coloridas em forma de estrela guardadas numa caixa de cartão que denunciava a sua origem asiática que acendiam e apagavam a ritmos descontínuos durante toda a noite e dia de Natal. E o presépio montado à volta do vaso de barro, em cima de papel de lustro verde, com um pequeno espelho a fingir de lago, e uma combinação de figuras religiosas e bonecos populares portugueses que a minha mãe ia comprando nas viagens que fazia, nos anos 50 e 60, para ver os jogos do Benfica com o meu pai. A árvore ficava montada até depois do aniversário do meu irmão, no dia de Reis (pratinhos de arroz doce com muita canela em cima da mesa), e só depois era desmanchada.
Hoje, tenho uma pequena árvore verde de plástico e metal que monto em cima de um móvel de CDs na sala de estar, e enfeito com uma estrela suspensa da ponta, algumas grinaldas brancas e douradas e meia dúzia de bolas prateadas. Porque a árvore é o único ritual de Natal que sempre me tocou de alguma maneira e não o quero deixar fugir.
Hoje, tenho uma pequena árvore verde de plástico e metal que monto em cima de um móvel de CDs na sala de estar, e enfeito com uma estrela suspensa da ponta, algumas grinaldas brancas e douradas e meia dúzia de bolas prateadas. Porque a árvore é o único ritual de Natal que sempre me tocou de alguma maneira e não o quero deixar fugir.
10 de dezembro de 2005
PAGAMENTO
Desço no elevador e saio na 1ª cave do estacionamento do Amoreiras para pagar o parque. Enfio o ticket do estacionamento na máquina num átrio de elevadores vazio de gente. Tiro as moedas do bolso num átrio de elevadores que encheu repentinamente com pessoal que também quer pagar o parque, praticamente empurrando-me para cima da máquina, desde a criancinha que não tem altura para chegar aos botões a quem o pai diz que é mal educado estar em cima das outras pessoas até ao semi círculo de gente com tickets na mão a puxar das carteiras à espera que eu me despache.
9 de dezembro de 2005
PONTE
Pouco antes da hora do almoço, em todas as carruagens de metropolitano menos cheias do que seria normal no dia de hoje, parece haver uma epidemia de bocejos, reflexo do sono que se recuperou na manhã de feriado e voltou a ser encurtado pela solitária sexta-feira de trabalho desirmanado no meio do que poderia (deveria?) ser um fim-de-semana prolongado.
8 de dezembro de 2005
BEM-VINDOS AO SECULO XXI
Esta coluna de Andrew Sullivan na edição desta semana da Time explica muito bem algumas das razões pelas quais alguns são menos iguais do que outros aos olhos daqueles que pregam a palavra de Deus. Lembrei-me de quando Maria Bethânia disse que deixou de frequentar a igreja porque queria acreditar num Deus redentor e compreensivo, um Deus que acolhe, ama e perdoa e não um Deus que recusa e castiga.
7 de dezembro de 2005
DERBY
Pelo meio-dia, o Colombo já fervilhava de adeptos de camisola e cachecol benfiquista. Pela uma da tarde, o metro no Marquês de Pombal ouve um cântico do Manchester United a caminho do estádio da Luz.
6 de dezembro de 2005
EQUILIBRIOS
Uma das coisas que mais me agrada quando ouço música é o facto de um disco nunca me soar igual consoante eu o ouça no CD da sala, no CD do escritório, no discman, no MP3 ou no computador. Isto parece uma verdade de La Palisse ou uma qualquer palermice, mas é absolutamente fascinante perceber como todos eles revelam frequências diferentes, sublinham pontos diferentes da mistura no jogo da equalização e do equilíbrio acústico — às vezes basta apenas ajustar o auscultador para o som ganhar outro corpo. Cada vez mais me convenço que, na realidade, nunca ouvimos o mesmo disco da mesma maneira.
5 de dezembro de 2005
RELATIVO
Martin Gore está a falar dos Depeche Mode (acho eu), mas podia estar a falar de muita gente que eu conheço. Até mesmo da minha família.
precious and fragile things
need special handling
my God what have we done to you
we always tried to share
the tenderest of care
now look what we have put you through
things get damaged
things get broken
I thought we'd manage
but words left unspoken
left us so brittle
there was so little
left to give.
— Depeche Mode, "Precious", in "Playing the Angel" (Mute/EMI, 2005)
precious and fragile things
need special handling
my God what have we done to you
we always tried to share
the tenderest of care
now look what we have put you through
things get damaged
things get broken
I thought we'd manage
but words left unspoken
left us so brittle
there was so little
left to give.
— Depeche Mode, "Precious", in "Playing the Angel" (Mute/EMI, 2005)
3 de dezembro de 2005
O ALGODAO NAO ENGANA
De vez em quando, dá-me para as limpezas — esta tarde, foi a vez do tampo da cómoda do quarto, que estava um caos. Um saco de plástico recebeu uma série de medicamentos fora de prazo (desde anti-alérgicos a Ultra Levur 250). Outro recebeu: embalagens vazias de amostras de perfumes, bilhetes de metro antigos, etiquetas de preço de roupa, clips plásticos de camisas, uma lata de desodorizante vazia, uma esponja de limpar sapatos inutilizada, entre outras coisas. Esta limpeza permitiu-me igualmente reencontrar o passaporte que eu pensava que já não tinha e a chave sobresselente da mala de viagem, perceber que tenho uma boa meia-dúzia de relógios Swatch que já passaram a fase do conserto e outros tantos que ainda estão aí para as curvas e instalar um pequeno pratinho com um pot-pourri do IKEA para dar algum ambiente ao quarto. Acabou-se-me o Polo Sport e o Boss In Motion está a acabar, mas, fora isso, é espantoso como o tampo da cómoda — reduzido aos perfumes e desodorizante, relógios, medicamentos de uso mais regular, utensílios de engraxe de sapatos e lenços de papel — de repente parece vazio. Há quanto tempo mesmo é que eu não o limpava?
1 de dezembro de 2005
WORLD AIDS DAY
Segundo os dados citados hoje pelo Público, apenas 10% dos portugueses infectados com o vírus do HIV o contrairam por relação homossexual, contra 64% por relação heterossexual. Pareceu-me importante sublinhar isto — é mais uma acha para a fogueira da irresponsabilidade nacional.
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