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29 de dezembro de 2005

SAO SEMPRE OS MESMOS QUE PAGAM A CRISE

Confesso que me causa alguma confusão ouvir na boca das centrais sindicais e dos seus sindicalizados velhos chavões de opressão laboral e luta de classes que me habituei a identificar com a esquerda de tendência socialista e com os "Verões quentes" do pós-25 de Abril mas que, hoje, em pleno século XXI, me parecem razoavelmente referir-se a um outro Portugal. Porque os ouço nas vozes dos representantes dessa classe pequeno-burguesa privilegiada que é a função pública, onde existirão certamente muitos trabalhadores oprimidos com problemas de sobrevivência mas onde existe também uma quantidade de gente que vive muito confortavelmente à conta do burocrático e intrincado sistema de regalias (eu sei, porque tenho duas funcionárias públicas na família que sempre tiveram muito empenho em jogar o jogo do sistema).

É perfeitamente compreensível que a função pública não goste que lhes vão aos ordenados — ninguém gosta. Só que, francamente, há gente que está muito pior do que a função pública e que não consegue recolher nem metade da atenção. Só que, francamente, começa a ser cansativa esta estética da indignação consecutiva da função pública quando a coisa tem um aspecto tão "Sim, Senhor Ministro" em que, realmente, são sempre os mesmos que pagam a crise desde que sejam os outros. Porque, não sei se repararam, o recurso ao crédito disparou, as pessoas cada vez se endividam mais, Portugal vive cada vez mais a prazo. E perante isto, os sindicatos da função pública pedem a intervenção do Presidente da República para proteger o seu sagrado aumentozinho. A mensagem não podia ser mais clara: os outros que paguem a crise, que nós não estamos para isso.

Infelizmente, isso é um clássico português, e não é um exclusivo da função pública.

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