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7 de novembro de 2004

5 DE NOVEMBRO DE 1929

A minha mãe fez 75 anos na sexta-feira. Recordo-me que, quando o meu pai fez anos, em Março, coloquei aqui um post sobre a ocasião, mas não fiz o mesmo com a minha mãe. Provavelmente, para alguns isto equivalerá a ser um filho desnaturado, ou então será lido como uma manifestação freudiana da clássica preferência por um dos pais.

Lamento desiludi-los; entre o laconismo reservado e repetidamente silencioso do meu pai e os monólogos cada vez mais amargos e histriónicos da minha mãe, não prefiro nenhum. E gosto muito de ambos os meus pais, por muitas dificuldades de relacionamento que tenha com eles. Acontece, apenas, que a minha mãe é uma figura complicada. Uma mulher que cresceu no "obscurantismo" de um tempo onde a célula familiar era rigidamente estruturada e o lugar da mulher era em casa, a tomar conta dos filhos.

A minha mãe sempre se dividiu entre a vontade (em alguns casos, quase necessidade) de se revoltar contra o papel meramente utilitário que a sociedade lhe impunha e o medo de ser incapaz de se aguentar sozinha se mandasse tudo ás urtigas e se revoltasse efectivamente. A minha mãe sempre nos usou a nós, os três filhos que teve, como a sua desculpa para se resignar ao papel que lhe tinham destinado mas que ela nunca quis aceitar. A minha mãe sempre diz que, graças a Deus, criou três bons rapazinhos, honestos e trabalhadores — como se tudo isso fosse a única coisa que valesse a pena. Mas a minha mãe sempre viveu no mundo fechado das quatro paredes do apartamento do Bairro das Colónias onde nos criou, e nunca visitou o mundo fora dessas quatro paredes que tanto gostaria de ter visto. E criou-nos de acordo com valores e experiências de um outro tempo, que não era nem nunca foi o nosso.

A minha mãe fez 75 anos na sexta-feira e não celebrou a ocasião. Há vários anos que ela se recusa a celebrar o que quer que seja, nos diz sempre que não gastemos dinheiro com ela (embora fique ofendidíssima se não gastamos), que se calhar para o ano que vem já cá não está. A minha mãe está uma mulher amarga, que, chegada à velhice e à doença, lamenta tudo aquilo que nunca teve a coragem para fazer, sacudindo muito lusamente a água do capote como se não fosse culpa dela mas um conjunto de circunstâncias. Talvez seja a única maneira que ela tem de não sucumbir ao desespero mais absoluto de se ver uma mulher velha e doente confinada a quatro paredes. E, por isso, este fim-de-semana voltou a ser um fim-de-semana de jantares crispados, em que a palavra mais casual ou a afirmação dita em tom jocoso é virada contra nós para se transformar numa denúncia da santidade dela, numa defesa da sua ser a única verdade possível e existente. A minha mãe é possessiva, centralizadora, sábia (mesmo que inconsciente) manipuladora; daria uma óptima ditadora, mas infelizmente criou filhos libertários. E é por isso que eu não escrevi nada quando a minha mãe fez anos; porque gosto muito dela, mas há alturas em que é muito difícil estar com ela.

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