Nunca pensei dizer isto, mas Francisco Louçã esteve bem ao dizer que o Bloco de Esquerda vai apresentar uma moção de censura ao governo que aí vem. E esteve bem porque relembrou publicamente que o importante agora, para os partidos de esquerda, é deixar de diabolizar Jorge Sampaio, como aconteceu durante o fim-de-semana, e começar a fazer oposição ao governo que defendem ser ilegítimo; é fazer "marcação cerrada", como se Santana Lopes fosse Wayne Rooney ou Nuno Gomes em perigosa oportunidade de marcar golo no meio-campo adversário.
Confesso que a parte que mais me incomodou nas últimas 72 horas políticas foi precisamente essa estupefacção perante a decisão de Sampaio, essa sensação de que Sampaio teria traído o clube de esquerda a que era suposto pertencer (mesmo sendo o mais alto magistrado da nação e, por inerência do cargo, alheio a posições de simpatia ou polarizações políticas), cristalizada nos comentários despropositados de Ana Gomes (pode-se louvar a frontalidade sincera da opinião, mas a gaffe é preocupante pela atitude "ela-não-se-enxerga" que dá a entender; é o tipo de coisa que se esperaria de um político populista, não de uma diplomata com a experiência e o crédito de Ana Gomes).
A esquerda ocupou o essencial do fim-de-semana a renegar Sampaio, em vez de começar desde logo a posicionar-se para garantir que, quando as eleições chegarem (daqui a dois anos, ou antes), estará em condições de disputar uma maioria eleitoral legislativa (que, no fundo, é o seu objectivo desde que o PSD subiu ao poder). Em vez disso, o PS acaba de se estilhaçar numa busca de candidatos à sucessão de Ferro Rodrigues; quando o importante seria ter um PS forte e unido para se credibilizar como oposição ao governo, o partido acaba de desviar as suas atenções para a escolha de um novo líder. Custa até a acreditar que Ferro Rodrigues, que a tanto resistiu estoicamente, escolhesse logo a altura em que o partido precisaria de ter uma fachada unida para abandonar o barco (e, numa opinião estritamente pessoal, perdesse toda a moralidade para criticar o que foi definido como a "fuga" de Durão Barroso), considerando que a opção pela continuidade de Sampaio era uma derrota sua pessoal — o que implica que Ferro estaria, assim, a assumir-se como líder (que não era) de uma esquerda unida pelas antecipadas. (E não me estou a esquecer que a esquerda entendida num sentido lato e global não se reduz ao PS, mas convenhamos que o PCP e o BE não são por si só alternativas elegíveis a um governo PSD/PP.)
Ou seja, a sensação que tudo isto me dá é que a esquerda se decidiu a eleger Sampaio como seu "inimigo", quando o verdadeiro "inimigo" é outro. Não me parece que diabolizar Jorge Sampaio sirva os interesses de quem quer que seja, a não ser os da direita; e, neste momento, Portugal, como qualquer democracia parlamentar, precisa de uma oposição segura e forte como "fiel da balança" de um governo que se começa já a adivinhar impopular. Não creio que seja essa a oposição que agora temos. E parece-me que não é para amanhã que ela se vai endireitar.
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