Sim, estou desiludido por Jorge Sampaio ter decidido não convocar eleições antecipadas. Mas, entre o frenesi da esquerda indignada e da direita satisfeita, entre a revolta daqueles que se dizem decepcionados e "enganados" com o Presidente e a satisfação daqueles que consideram ter sido feita justiça, dou por mim a considerar que, qualquer que fosse a decisão que Sampaio tomasse, a rápida radicalização dicotómica que a questão tomou tornou impossível uma qualquer unanimidade em volta da figura do Presidente. Qualquer que fosse a decisão, o outro campo clamaria sempre à injustiça. Se Sampaio tivesse decidido convocar antecipadas, a direita clamaria alto e bom som que o Presidente havia favorecido a família política socialista de onde é oriundo; Sampaio decidiu não o fazer e a esquerda grita bem alto à traição, ao "sellout" à direita. Assim é a política, esse mundo radical onde não há meios-termos: se não estás comigo, estás contra mim.
Mas, se tivesse havido antecipadas, quem nos garante que o PS, na fragilidade sem rumo em que se encontra, venceria? Quem nos garante que Santana Lopes não engrenaria uma daquelas suas operações de charme que lhe valeram as câmaras da Figueira e de Lisboa e acabaria por vencer as antecipadas, "condenando-nos" a um mandato completo de quatro anos em vez de um mandato interino rigorosamente vigiado por uma oposição em overdrive combativa e por um eleitorado cansado de promessas incumpridas?
A verdade é esta: o povo nem sempre vota bem. Prova disso é que pôs Durão no poder e elegeu Pedro Santana Lopes para a câmara de Lisboa.
Pior: o povo nem sempre vota. Prova disso é que a vitória do PS nas europeias corresponde a um universo de votantes inferior a metade da população nacional, levantando a pergunta: foi só o eleitorado do PSD que ficou em casa?
Mais ainda: todas as discussões públicas sobre este tópico nos últimos quinze dias pareceram limitar-se a uma luta de galos por um único poleiro, onde a política se tornara num fim em vez de um meio.
O que ontem se passou faz-me lembrar o título de um álbum dos Clash: give 'em enough rope. Dêem-lhes corda. Talvez eles se enleiem nela sozinhos, sem precisarem da nossa ajuda.
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