Pesquisa personalizada

2 de julho de 2004

AS MURALHAS DE SAMARIS (COM LUCY LIU)



Se fosse um objecto, "Cypher", de Vincenzo Natali (estreou ontem: Alvaláxia, Corte Inglés, Twin Towers, Freeport Alcochete, Braga, Caldas da Rainha, Faro e Santarém), seria a sala de espelhos da "Dama de Xangai" de Orson Welles, onde cada porta abrisse para uma outra sala de espelhos até já não sabermos onde estamos nem quem somos. É apropriado para uma história que é uma metáfora sobre os desafios de assumirmos sermos quem somos: um executivo desempregado aceita tornar-se um espião industrial para uma corporação informática. Jeremy Northam é impecável no papel do homem que assume uma identidade que nunca existiu para poder redescobrir quem é realmente e recuperar a sua própria vida, como Cary Grant na "Intriga Internacional" de Hitchcock.

Vincenzo Natali usa o guião bizantino de Brian King como mera superfície plana para erguer uma elaborada fachada onde o digital substitui o papelão, uma cidade de sombras como a obscura Samaris de Schuiten e Peeters, como a Matrix irreal dos manos Wachowski. E sim, há Hitchcock e Philip K. Dick e muito mais num filme que sabe moldar num todo seu as referências que inevitavelmente surgem. Vincenzo Natali dirigiu antes "Cubo", que teria sido um excelente episódio da "Twilight Zone" se se tivesse ficado pela meia hora; não repetiu o erro em "Cypher", que é um filme de corpo inteiro.

Vi "Cypher" há ano e meio, num Fantasporto onde fui jurado (e lutei para que o filme levasse mais do que meros prémios de consolação), e as suas imagens marcaram-me. Só agora, depois de quase dois anos em carteira, estreia, condenado a perder-se pelo meio dos refugos de Verão. Portugal é dos poucos países onde estreou até agora. O que se passa para que um filme destes se perca miseravel e injustamente?

Sem comentários: