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23 de março de 2004

PONTO DA SITUAÇÃO

Chamo-me Jorge Mourinha. Tenho 1m90, 85kg, olhos castanhos, 7,5/6 de miopia, cabelo curto, bigode e pêra, dois irmãos mais velhos. Sou solteiro e vivo sozinho em Lisboa. Faço mergulho e ginásio. Gosto de chocolates. Gosto de tomar banho de água quente e não sou capaz de tomar duches frios. Tenho dois romances inéditos na gaveta. Não fiz a tropa; sou teimoso, dou-me mal com o "porque sim" e teria dado um péssimo soldado, mas sou mandão, gosto de o aplicar aos outros e talvez tivesse dado um bom sargento. Fiz psicologia clínica durante vários anos. Formei-me em Letras. Escrevo em jornais. Preparo compilações e reedições para editoras. Sou Carneiro de signo e, segundo algumas vozes mais maldizentes, também de feitio.

Gosto (muito) de escrever. Gosto de desenhar com as canções que vou acumulando mapas do que sou e do que sinto. Gosto dos meus amigos. Gosto que gostem de mim, mas nunca farei nada para que os outros tenham de gostar de mim. Sou triste por natureza lusa, céptico por experiência própria, secretamente optimista mas lucidamente realista. Os amigos dizem-me que sou boa pessoa, quem não gosta de mim acha-me insuportável. A verdade haverá de estar algures no meio; a Maria sempre me diz que tudo correrá muito melhor quando aceitar que tenho um lado escuro em vez de o querer esconder.

Vivo dentro do universo restrito que delimitei para me proteger daquilo de que não posso ser protegido. Vivo para o trabalho porque dele fiz a única vida que quis ter, demasiado assustado com os compromissos que nunca quis assumir. Passei a maior parte dos meus 36 anos a fugir à vida real, convicto que o que fazia me daria tudo aquilo que sentia que faltava à minha vida. Depois, comecei a aprender a viver e percebi que não era bem assim; para citar os outros, true life is elsewhere.

Procuro erguer-me a observador frio e imparcial da natureza humana, mas nesse processo apenas afino a parcialidade com que olho para mim mesmo. Vivo na corda bamba entre aproveitar o que tenho e desejar o que não tenho.

Faço hoje 36 anos e ainda estou longe de perceber quem sou; por vezes isso desespera-me, por vezes sinto que quanto mais perto mais longe, mas depois olho para o caminho que já percorri e admiro-me com os progressos que já fiz. Faz parte da minha natureza bipolar.

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