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1 de dezembro de 2006

A PROPÓSITO DO LUGAR-COMUM

Tenho estado a acompanhar à distância o cortejo de diatribes anti-crítica-de-cinema dos leitores do blog do meu amigo Nuno Markl (façam o favor de consultar as caixas de comentários deste e deste posts) a propósito daquilo que seria uma unificação da "classe crítica" portuguesa contra "Borat: Aprender Cultura da América para Fazer Benefício Glorioso à Nação do Cazaquistão", de Larry Charles, que ontem estreou por cá.

Não vou entrar em nenhuma defesa acérrima da "classe crítica" porque não existe uma "classe crítica" — existem indivíduos com gostos diferentes, vivências diferentes e expressões diferentes, graças a Deus que somos todos diferentes e gostamos todos de coisas diferentes. Mas é curioso como a opinião de quase toda a gente que para ali comenta (mais do que o próprio Nuno Markl, que, honra lhe seja feita, esclarece bastante bem que a crítica não é uma "classe" sindicalizada mas um aglomerado de gente muito diferente, embora não se furte a uma ou outra generalização menos feliz) é uma opinião extremamente negativa para com os críticos de cinema, apelidando-os de intelectuais, de snobs, de elitistas, de gente que só gosta de filmes chatos, que odeia o sucesso de bilheteira, que horror, o filme está a fazer bem vamos dizer mal etc., etc., etc. É significativo de uma atitude bastante generalizada (e generalista) sobre esses chulos que ganham a vida a dizer mal daquilo que as pessoas gostam (reparem que "as pessoas" é sempre uma grande massa amorfa que, na vida real, nunca se comporta com essa movimentação de massas quase unânime).

O que a maior parte das "pessoas" esperam da crítica de cinema hoje em dia, no fundo, não é que quem critique emita uma opinião pessoal, mais ou menos fundamentada, pior ou melhor argumentada. O que as pessoas esperam da crítica de cinema (e não é só da de cinema) não é uma opinião — melhor, não é uma outra opinião: esperam apenas que o crítico valide a opinião de quem lê. Se a validar, é um excelente crítico; se não, não percebe nada do que faz. As pessoas no fundo não querem ler nem querem ter de pensar: querem o oráculo dos telejornais, saber o essencial em duas linhas para não terem de ler uma página que as faça pensar e confrontar a sua própria opinião com uma outra que não forçosamente igual. As pessoas não se querem dar ao trabalho. (A unanimidade de quase todos os comentários a chamar "genial" ao "Borat..." é tão suspeita como a unanimidade de quase todos os críticos que dizem mal do filme — o que só prova que os radicalismos são por natureza parciais).

Ora, o engraçado é que "Borat..." é um filme que se dá ao trabalho de desmontar ideias feitas, à volta dessa necessidade de desafiar a preguiça e o lugar-comum. E que isso parece ter passado ao lado quer de quem o acha genial quer de quem o acha indigente. A verdade, claro, está algures no meio, como a virtude.

1 comentário:

Anónimo disse...

Não podia estar mais de acordo (excepção feita à tua avaliação do BORAT, mas antes assim. Pena seria que achássemos todos graça à mesma coisa).