O meu quarto de dormir dá para as traseiras. Como a maior parte dos quarteirões portugueses, essas traseiras são partilhadas com as traseiras de um sem-número de outros prédios, o que me impossibilita de saber onde estavam exactamente os inconscientes que estiveram até quase às cinco da manhã a cantar e tocar viola em altos berros, com enormes gargalhadas pelo meio, para lhes mandar um berro e pedir o especial favor de deixar as pessoas dormir. Não é a primeira vez que isto acontece, embora em rigor não aconteça para aí mais de uma vez de seis em seis meses; parece-me apenas sintomático daquela tendência bem portuguesa para fazer tudo aos gritos, desde falar ao telemóvel a conversar em casa, sem o mínimo respeito por quem está à volta.
O meu pai teria chamado a polícia, mas isso seria outro saco de gatos.
1 comentário:
Já vivi em situação semelhante – 3º andar – e todos os blocos de apartamentos davam para uma enorme praceta (frente e traseiras, o meu era as traseiras) e todas as noites à mesma hora chegava uma carrinha de venda de gelados que se fazia anunciar por sons de caixinha de música. Depois, durante quase meia hora (conforme a fila de clientes), ficava parada justo por baixo do meu apartamento, com o motor a trabalhar (suponho que por causa da alimentação contínua das máquinas frias que a equipavam) num ponto morto de roncos, os miúdos ocorriam aos magotes em gritaria, a música continuava como se o tipo abrisse continuamente a caixinha; eu, pessoa amantíssima do prazer de longos silêncios depois de um dia de trabalho, entrava literalmente em fúrias stressantes com aquilo. Quando mudei de casa (vivo agora num bairro tranquilo de pequenas casas, algumas só usadas em veraneio) ao fechar a porta, embora fosse de dia, disse-me: Até que enfim que me vou ver livre da carrinha de gelados e da música pimba! Acontece, meu caro Jorge, que faz umas semanas anda a rondar na rua onde habito uma carrinha que, para além de congelados, pizzas e quejandos, vende gelados. O toque é diferente, não é de caixa de música é mais de telemóvel com altifalante. A clientela é fraca, senão mesmo nula, mas temo o pior. E o pior é voltar a fazer as malas, empacotar e mudar-me, talvez para o campo.
(e é chato deixar um comentário que mais se parece com uma caixinha de música a que levanto a tampa continuamente... :) sory)
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