O Diário de Notícias propõe hoje uma reflexão sobre o divórcio entre o público português e o cinema português, numa peça de Maria João Caetano que, apesar de dar voz a vários intervenientes na discussão, não é capaz de propor uma leitura diferente das coisas.
António-Pedro Vasconcellos fala da "má qualidade dos filmes" - falso, "O Milagre Segundo Salomé" é um bom filme que só fez 20 mil espectadores, "Balas e Bolinhos - O Regresso" é um péssimo filme que já vai em 45 mil, "Zona J" era um telefilme banal e fez 360 mil, "Pesadelo Cor de Rosa" não era bom e fez 185 mil. Está na altura de se abandonar a falácia da qualidade vs quantidade. Sintomático dessa falácia é o destino de "Sorte Nula", de Fernando Fragata, que nem sequer foi mostrado à imprensa, ter feito 46 mil espectadores com uma brutal campanha de marketing.
Mais sintomático ainda dessa falácia é o facto de 46 mil espectadores não ser sequer um número significativo. Um filme estrangeiro (ou seja: americano), lançado com toda a parangona publicitária da praxe, que faça 46 mil espectadores é um fracasso. Segundo os últimos números, "Ocean's Twelve" já vai nos 250 mil em apenas duas semanas: é mais do que o total de espectadores que foram ver filmes portugueses em 2004, segundo os números publicados no Diário de Notícias.
Está, por isso, na altura de nos deixarmos de merdas. João Mário Grilo aponta, com alguma razão, que não se sabe vender o cinema português (fala do caso da Atalanta, mas, francamente, a Atalanta também não sabe vender o cinema português fora do seu nicho), José Carlos Oliveira defende, com alguma razão, que é preciso incentivar o cinema mainstream em português, mas que, pela vossa saudinha, não se confunda uma definição do alvo que se quer atingir com qualidade. Se isso acontecer, óptimo, mas convém recordar que ter espectadores não é sinónimo de qualidade do filme, e ser um bom filme não é sinónimo de sucesso comercial instantâneo. E, acima de tudo, que o filme português de maior sucesso de 2004 só tenha feito 46 mil espectadores não é sinal de que seja um filme de sucesso, quando qualquer filmezinho de segunda linha que a Lusomundo lança no seu circuito faz facilmente 50 mil espectadores em fim de carreira. Convém relativizar.
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