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2 de dezembro de 2004

POSSO PEDIR UM DISCO?

A parte aborrecida das arrumações é perceber, de repente, a bagagem que já se transporta connosco. Quando, no Verão, comprei estantes para acomodar a sempre em crescimento colecção de discos, comprei-as já a contar com os velhos vinis que estavam arrumados a um canto (o gira-discos já há muito tempo que não sei onde está, perdido em alguma mudança, e há outro tanto que vou adiando a aquisição de um novo). E, de repente, no outro dia, passeando pelos velhos singles de vinil dos meus 15, 20 anos, dei por uma série de canções que nunca mais apanhei em CD (muitas delas descatalogadas). Não as considero clássicos absolutos, são apenas canções que por uma razão ou outra me bateram na altura e que, hoje, ao ouvi-las, me transportam, como máquinas do tempo instantâneas, para momentos específicos da minha vida.

Algumas, vim a perceber entretanto, nem nunca cheguei a possuir fisicamente em disco, tive-as apenas em cassete, esse formato "pirata" que tanto usei para gravar discos de amigos ou da rádio durante os anos 80. Como "Laß mich dein Pirat sein", baladinha oceânica com citação de Sondheim no solo de saxofone final, cantado muito suavemente pela mocinha Nena dos "99 Luftballons" que teve a dúbia honra de ser a única cantora alemã a atingir os primeiros lugares dos topes anglófonos na sua língua natal (1984). Como "Like Flames", uma cavalgada louca em formato de rock épico de guitarras propulsionado a sequenciador electrónico desvairado ambicionando a Jim Steinman dos pobrezinhos que é a única coisa decente jamais gravada pelos Berlin desse pesadelo chamado "Take My Breath Away" (1987, 1988? a memória falha-me e não estou para ir à procura do single). Prazeres culpados, certamente, mas prazeres ainda assim. E prazeres que não enjeito e ainda hoje me dão grande gozo a ouvir.

Como eu deve haver milhares, milhões de pessoas em todo o mundo à procura de memórias como estas, canções que perderam de vista e nunca mais reencontraram. E é nestas alturas em que me pergunto porque é que as editoras discográficas têm tão pouca vontade de abraçar as novas tecnologias digitais. Num belo artigo na Wired de Outubro, Chris Anderson explica que, no novo mundo dos downloads digitais, tudo — literalmente tudo — pode ter procura. Aquela canção que se tornava incomportável para a editora ter disponível porque a procura mínima e a rotação inexistente não o possibilitava pode, agora, estar disponivel 24 horas sobre 24 para todos aqueles que a quiserem. E todos ganham.

Claro que, até isso acontecer, as leis do mercado continuarão a impossibilitar-me de me recordar até que ponto as coisas de que gostava há 20 anos me parecerão ridículas hoje — ou, pelo contrário, me continuarão a seduzir.

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