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25 de setembro de 2004

NA VIDA REAL

Francamente, já não sei o que é pior nesta história da menina desaparecida que parece ter sido morta pela própria mãe: se o horror indizível do crime em si, se o horror indizível do circo mediático que se montou à sua volta. Ou melhor: o crime em si é certamente o indesculpável e irredimível pior de tudo, mas é um acto único, isolado (ou assim, pelo menos, a nossa consciência nos leva a pensar). Tudo o que o tem rodeado, contudo, levanta-me seriíssimas questões sobre o país e a sociedade em que vivemos.

Como, por exemplo, sobre a moralidade que rodeia os mirones que, acompanhados às vezes pela família toda, fazem esperas à porta dos tribunais, dos postos policiais, até da zona onde a família habitava, à espera de ver não se sabe exactamente o quê, talvez apenas pela vontade de estarem num sítio onde aconteceu qualquer coisa, por mais horrível que seja. Sobre o espírito de matilha que leva a populaça a acossar os criminosos, a insultá-los publicamente, a agruparem-se à sua volta como se quisessem fazer justiça pela suas próprias mãos. Sobre a justificação de os telejornais perderem 15, 20, 25 minutos com reportagens que nada trazem de novo e apenas aumentam a especulação e o mistério que rodeia o caso, numa espécie de pescadinha de rabo na boca. Como, há pouco, na RTP-1, quando se mostravam imagens da deslocação dos investigadores, acompanhados por um dos suspeitos, à zona de residência da família, para logo a seguir se verem os populares (um dos quais de calções e camisa aberta) a seguirem os investigadores, a mandarem "bitaites" sobre a situação, a fazerem ameaças até a GNR chegar.

Tudo isto me parece patético, uma tragédia (que o é, realmente) distorcida e exagerada até ao melodramatismo mais rasteiro e boçal pela sofreguidão de procurar desvalorizar o cinzentismo acabrunhado da vida em Portugal pensando que há sempre alguém pior do que nós. E o mais triste é que este Portugal provinciano é muito mais o país real do que o Portugal dinâmico e cosmopolita que os políticos querem fazer passar e em que muitos de nós preferimos acreditar.

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