Há largos meses que ja não vinha à Feira da Ladra. Já é tarde para os padrões do mercado — a longa rua de entrada está vazia de feirantes, há muitos espaços vazios de gente que já foi embora, fechou para almoço, não está (será que estes feirantes também tiram férias em Agosto?). Numa mesma banca improvisada podemos ver máquinas fotográficas, insígnias militares, roupas que já não servem a ninguém, gira-discos ou gravadores de cassettes de modelos antigos, livros e revistas amarelecidos pelo tempo, bibelots, discos.
Pergunto-me sobre a proveniência destes objectos perdidos e achados, descartados ou esquecidos, romances que talvez nunca tenham sido lidos, livros práticos que o tempo tornou irremediavelmente obsoletos, camisas e calças de cortes e cores que provavelmente nunca mais voltarão à moda. Olho para quem está atrás das bancas e não consigo tirar um azimute — à imagem da frequênbcia, a conjugação habitual de turistas em busca do pitoresco local, emigrantes em busca de roupas baratas ou utensílios em segunda mão que lhes são vedados em primeira mão pelo preço, coleccionadores que buscam raridades a preço de pechincha, transeuntes que gostam de passear por entre a esquizofrenia de bric-à-brac que ali partilha espaço com bancas temáticas de moedas, discos, livros, calçado, artigos militares, ferragens, roupas.
Não consigo impedir-me de pensar que muita dessa esquizofrenia corresponde ao recheio de vidas que o tempo, a doença, a morte esvaziaram. Pergunto-me se os nossos livros, os nossos discos, os nossos bibelots também acabarão na Feira da Ladra, levados por algum descendente com esperanças de poder ganhar uns trocos com as velharias poeirentas que já ninguém quer na família, irrelevantes porque obsoletas. E, contudo, por vezes esse pó tem uma patine que lhe dá consistência e peso; houve gente para quem aquele objecto significou alguma coisa.
A Feira da Ladra é um enorme armazém de passados à espera de serem reimaginados.
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