A Feira do Livro é daqueles anacronismos que não se percebe muito bem que sentido ainda fazem, quando os descontos oferecidos não são nada significativos. Mas é um anacronismo ternurento, de valor sentimental, pois recordo-me bem da alegria que tinha em miúdo quando o fim de Maio chegava e eu ia completar as minhas colecções de álbuns de banda-desenhada da Bertrand, ainda a feira decorria ao longo do passeio público central da Avenida da Liberdade. Hoje, as minhas visitas à Feira do Livro são mesmo pelo valor sentimental; já pouco compro e o pouco que compro é nos alfarrabistas ou aquelas edições que apanho só aqui, que quando procuro nas livrarias dificilmente encontro.
Por toda a Feira surge um cartaz da União dos Editores Portugueses a exigir a abolição do IVA nos livros, à semelhança de Itália e Inglaterra, à imagem do 1% de IVA nos livros em Espanha. Não percebo é porque é que a União dos Editores Portugueses conclui o cartaz com a pergunta (gramaticalmente incorrecta) "De que espera Portugal?".
São 20h45. De passagem por um dos pavilhões, ouço um senhor ao telefone: "Mas ainda queres ir trabalhar hoje?" (como se a vontade de trabalhar a estas horas o transformasse num louco furioso).
Mais à frente, conversa entre assistentes de dois pavilhões em lados opostos: ela, do lado de cá, "então, ele vai ser padrinho do noivo e da noiva", ele, brasileiro, do lado de lá, pavilhão da Difusora Bíblica, "pois eu nunca fui padrinho de ninguém".
Algures pelo meio das ruas, um homem alto, em camisa Sacoor Brothers e óculos escuros, de ar saudável e bronzeado e pêra bem aparada, comenta para a amiga: "depois não têm dinheiro para comprar drogas, é só comprar livros, livros, livros..." Que ideia estimulante: a literatura como uma droga.
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