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29 de junho de 2004

O MELHOR DO MUNDO

De vez em quando a minha mãe começa a recordar a minha infância com a ternura com que só uma mãe consegue recordar a infância dos filhos, pontuada regularmente pela frase, "ai filho tu foste muito mau de criar".

Não gosto de recordar a minha infância. Não por ter sido boa, má, assim-assim. Apenas porque já ficou para trás, e já não me é possível recuperar a dicotomia simples e ingénua que a norteou, a distinção branco/preto que a idade vai progressivamente erodindo.

Mas a minha mãe gosta muito de recordar a minha infância, de me dizer como aos três anos eu já sabia ler (pudera, crescendo à volta da infindável biblioteca dos meus pais onde Jorge Amado e a Colecção Vampiro coexistiam alegremente) e como uma professora quis falar comigo por eu poder ser um sobre-dotado e a minha mãe recusou-se porque não queria que eu fosse um menino diferente dos outros. Não faço ideia se era ou não sobre-dotado (tenho as minhas dúvidas) mas I have got news for you, mãezinha: falhaste redondamente. Por muito que tentasses, os outros meninos sempre preferiram ver-me como diferente: gordinho, metido consigo, com óculos. A vítima perfeita das brincadeiras cruéis de intervalo para o recreio.

Por isso é que eu não gosto quando tu recordas com ternura a minha infância: porque a passei à espera de crescer, para poder finalmente fugir à impotência de ser criança.

E, nos momentos mais escuros e solitários, tenho medo de nunca o ter conseguido.

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