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17 de junho de 2004

A LINGUAGEM É UM VÍRUS



Esta semana estreiam-se oito filmes — estamos, afinal, em época de "refugo", com o público ausente das salas escuras, entregue aos prazeres da praia ou do futebol, e os exibidores em pãnico com salas vazias, numa espiral desesperada e suicida de estrear filmes sem rei nem roque para manter o sistema a rodar. Mas, desses oito, só há mesmo um filme a recomendar.

"Agente Triplo", de Eric Rohmer (no cinema Nimas, em Lisboa), só à superfície é um filme de espionagem, ambientado na França popular do pré-II Guerra Mundial, ficcionalizando e extrapolando a partir de um fait-divers verídico — o que fascina o venerando cineasta francês, hoje com 84 anos, é encenar a espionagem não como uma sucessão de peripécias heróicas ou impossíveis, mas como um meticuloso trabalho de artesão, burilando a filigrana da linguagem até ela significar exactamente apenas aquilo que se quer que ela signifique. Numa excelente entrevista aos Cahiers du Cinéma, Rohmer revelou um pequeno mas significativo pormenor: todos os diálogos do filme foram escritos em francês corrente dos anos 30, com especial atenção à utilização de expressões idiomáticas que cairam entretanto em desuso ou viram o seu significado alterado com o evoluir da linguagem.

Rohmer, além do mais, filma estes duelos verbais como se fossem a coisa mais excitante do mundo — e, durante as duas horas de "Agente Triplo", são-no. Como diria o Luís, é um filme de palheta — mas de palheta superior, superiormente interpretada e ainda mais superiormente filmada. Vale a pena desafiar o calor e refugiar-se no ar condicionado do cinema para ver esta jóiazinha de artesanato académico, sim, mas profundamente moderno.

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