Uma frase lapidar que me chamou a atenção na excelente entrevista que o António Pires faz a José Mário Branco no Blitz de hoje:
Porque é que ainda canto estas canções?... Vivo bem, tenho uma boa casa, tenho um carro à porta, o frigorífico cheio de comida, de que é que me queixo?... Queixo-me porque percebi que ser de esquerda é não conseguir viver bem com a dor dos outros. É não conseguir ser feliz.
Ou seja, ser de esquerda é ter uma consciência social que (cor)responde a um qualquer padrão de ética e moral (que, mais à frente e como já tem feito noutras entrevistas, JMB equaciona mais com uma origem cristã do que de ordem política ou sociológica) sublinhado pela noção "efeito-borboleta" de que — como diz o companheiro Godinho — "isto anda tudo ligado". Onde se descobre, então, que, nos nossos tempos eminentemente mediáticos, é necessário retroceder a um tempo em que o valor das palavras e o seu significado eram a um tempo mais limitados e mais livres, menos transformados pela carga histórica do que o são hoje. E, se equacionarmos a "solidariedade, amor, generosidade" de que JMB fala mais à frente com "ser de esquerda", como ele o faz, então todos aqueles que os praticam, independentemente do quadrante meramente político ou religioso que habitem, serão "de esquerda" por praticar essas virtudes do cristianismo primordial. Aí está um paradoxo que merece a meditação mais alargada.
Sem comentários:
Enviar um comentário