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27 de maio de 2004

A PERSISTÊNCIA DA MEMÓRIA #8: MIND THE GAP

Hoje tive que ir aos Olivais e decidi fazer o trajecto de metro, pelo "caminho mais longo" — mudando duas vezes de linha (Rato-Campo Grande, mudo para a linha verde Campo Grande-Alameda depois faço a vermelha até Olivais; é mais uma estação do que se fizesse o caminho no trajecto inverso, mas aí mudo de linha quatro vezes em vez de três — Rato-Marquês de Pombal, azul Marquês-Baixa Chiado, verde Baixa-Chiado-Alameda, depois vermelha até Olivais).

Desde que entrei na estação do Rato até sair nos Olivais, cronometrei 40 minutos de viagem. Lembrei-me das minhas primeiras viagens no metro de Londres — deslumbradas pela extensão da linha, pela venerável antiguidade de tudo aquilo, pela claríssima compreensão, a cada passo do trajecto, a cada corredor da estação, de onde estava e por onde devia ir para onde queria ir — e, depois, lembrei-me de há trinta anos atrás, quando o metro de Lisboa era uma única linha que saía de Alvalade e depois bifurcava na Rotunda (hoje Marquês de Pombal) para Sete-Rios (hoje Jardim Zoológico) ou Entre-Campos, consoante o destino que se iluminava no velho painel analógico.

Nota-se à distância a diferença arquitectónica entre as estações "novas" — aquelas que surgiram quando a linha original prolongou para Benfica e para o Campo Grande, mais claras, mais modernas, forradas a pedra — e as velhas, escuras, cinzentas, com a arquitectura em semi-círculos e abóbodas. As que ainda resistem assim — toda a linha verde do Intendente para cima — são hoje relíquias tristes e apagadas de uma era em que a arquitectura do metro era de um funcionalismo ascético (os bancos de madeira ripada, os nomes das estações em relevo branco sobre tábuas longas de cor bordeaux). Hoje, pelo contrário, há algo de opulentamente soviético (por analogia com o metro soviético) nas estações da linha vermelha, com os seus grandiosos cais, acessos e pés-direitos, os poços de escadas rolantes que parecem não acabar, as ornamentações geométricas. No equilíbrio entre ambas, criou-se uma outra entidade, um metro que flutua entre a minha memória e a realidade presente.

De repente, hoje, nos Olivais, percebi que este metro da Lisboa de hoje está muito mais próximo de Londres do que eu próprio achava.

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