Gosto destas frases que parecem fósseis de outras eras do transporte público, que transportam uma pesada carga civilizacional (no caso, da rígida cultura inglesa, da correcção espartana e elegante da sua língua infinitamente flexível — até espanta como um país tão engomadinho deu origem a uma língua de tal liberdade, que pode ser moldada e esticada sem nunca perder a sua simplicidade gramatical intuitiva).
"All change" é a expressão usada para o "interface" entre linhas ou comboios, quando se tem obrigatoriamente de mudar de linha para prosseguir viagem. Lembrei-me dela ao sair do comboio que vinha da "linha verde" direcção Alvalade-Cais do Sodré na estação do metro da Baixa-Chiado e dar apenas alguns passos para me encontrar no cais da "linha azul" direcção Baixa-Chiado-Pontinha; depois quando sai na estação do Marquês de Pombal (ainda alguém se lembra de quando só havia um cais, corredores infinitos e se chamava Rotunda?) para ir apanhar a "linha amarela" direcção Rato.
Por um momento senti-me no labiríntico e gigantesco mas sempre perfeitamente sinalizado metro de Londres. Lembrei-me também daquela célebre frase, "mind the gap", que foi entretanto adoptada para nome de um dos meus grupos rap portugueses preferidos (sim, eu tenho grupos rap portugueses preferidos; sim, eu gosto de rap; OK, não é caso para caírem para o lado), e que se ouvia nas estações, numa voz metálica e ríspida, quando o comboio abria as suas portas, para exortar os passageiros a terem cuidado ao subir e descer das carruagens: "Mind - the - gap. Mind - the - gap."
Foi só por um momento; a sair no Marquês, uma adolescente de bochechas rechonchudas e longos cabelos louros, a correr para apanhar o comboio apesar de este não ter ainda sequer parado para deixar sair os passageiros, quase tropeça nas bainhas ridiculamente longas das suas calças de ganga esbranquiçadas à boca de sino, tapando por completo o calçado, com a bainha dobrada para cima e já ruça de roçar o chão.
Já no cais da linha amarela, estamos quatro, talvez cinco pessoas que, no cais longo e vazio, se acumulam todos na zona da frente, da primeira carruagem, como se não suportássemos a ideia da solidão, mesmo durante os breves instantes enquanto se espera pelo próximo comboio, mesmo que não haja sequer um esboço de tentativa de contacto entre os passageiros.
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