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1 de maio de 2004

ALL CHANGE

Gosto destas frases que parecem fósseis de outras eras do transporte público, que transportam uma pesada carga civilizacional (no caso, da rígida cultura inglesa, da correcção espartana e elegante da sua língua infinitamente flexível — até espanta como um país tão engomadinho deu origem a uma língua de tal liberdade, que pode ser moldada e esticada sem nunca perder a sua simplicidade gramatical intuitiva).

"All change" é a expressão usada para o "interface" entre linhas ou comboios, quando se tem obrigatoriamente de mudar de linha para prosseguir viagem. Lembrei-me dela ao sair do comboio que vinha da "linha verde" direcção Alvalade-Cais do Sodré na estação do metro da Baixa-Chiado e dar apenas alguns passos para me encontrar no cais da "linha azul" direcção Baixa-Chiado-Pontinha; depois quando sai na estação do Marquês de Pombal (ainda alguém se lembra de quando só havia um cais, corredores infinitos e se chamava Rotunda?) para ir apanhar a "linha amarela" direcção Rato.

Por um momento senti-me no labiríntico e gigantesco mas sempre perfeitamente sinalizado metro de Londres. Lembrei-me também daquela célebre frase, "mind the gap", que foi entretanto adoptada para nome de um dos meus grupos rap portugueses preferidos (sim, eu tenho grupos rap portugueses preferidos; sim, eu gosto de rap; OK, não é caso para caírem para o lado), e que se ouvia nas estações, numa voz metálica e ríspida, quando o comboio abria as suas portas, para exortar os passageiros a terem cuidado ao subir e descer das carruagens: "Mind - the - gap. Mind - the - gap."

Foi só por um momento; a sair no Marquês, uma adolescente de bochechas rechonchudas e longos cabelos louros, a correr para apanhar o comboio apesar de este não ter ainda sequer parado para deixar sair os passageiros, quase tropeça nas bainhas ridiculamente longas das suas calças de ganga esbranquiçadas à boca de sino, tapando por completo o calçado, com a bainha dobrada para cima e já ruça de roçar o chão.

Já no cais da linha amarela, estamos quatro, talvez cinco pessoas que, no cais longo e vazio, se acumulam todos na zona da frente, da primeira carruagem, como se não suportássemos a ideia da solidão, mesmo durante os breves instantes enquanto se espera pelo próximo comboio, mesmo que não haja sequer um esboço de tentativa de contacto entre os passageiros.

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