Pesquisa personalizada

1 de abril de 2004

TUDO ISTO É FADO

Facto curioso e inédito: dois filmes portugueses com ambições de sucesso estreiam no mesmo dia. Dir-se-ia que os responsáveis poderiam perfeitamente ter-se entendido para não se canibalizarem mutuamente; afinal, tanta gente se queixa do desinteresse do público no cinema português, mas quando chega o momento os produtores e distribuidores preferem entrar em picardias em vez de decidirem o que é melhor para o filme. (Ironia significativa: "Tudo Isto é Fado" estreia com 30 cópias - das quais só três em Lisboa - contornando completamente o circuito de salas da Atalanta Filmes de Paulo Branco, produtor de "Lá Fora", que o estreia com 15 cópias das quais nove no seu circuito e cinco em Lisboa. Cá estaremos para ver os números de bilheteira do ICAM, daqui a duas semanas.)

Não que eles saibam o que é melhor para o filme - basta olhar para os cartazes e anúncios de cada um deles. O cartaz de "Lá Fora", de Fernando Lopes, usa como imagem uma obra de arte (ilustração? pintura?) de cores vivas e formas estilizadas, muito pop, que pretende simbolizar os principais temas do filme, sobre a qual os créditos são sobrepostos em fontes banais tiradas de computador básico. À imagem do filme, é uma imagem fria, mais estética que calorosa, mais teórica que emocional, pouco apelativa, que nada diz a quem a vê e projecta uma imagem de aspiração artística e/ou intelectual. Como obra de arte, pode ser bonito, mas como objecto de marketing é ineficaz.

Ao pé do cartaz de "Tudo Isto é Fado", de Luís Galvão Teles, contudo, o cartaz de "Lá Fora" parece uma obra-prima. Veja-se o anúncio que saiu hoje no Diário de Notícias a promover o filme, que comete o pecado capital número um do marketing: a informação mais importante - o nome do filme - está de lado à esquerda, sem leitura de espécie alguma, e a imagem dos três actores por si só não é especialmente atractiva. Como anúncio, é completamente desastroso: a imagem forte nada diz do filme e surge afogada por um sem-número de informações paralelas que apenas criam ruído visual.

Esta tendência para descurar o marketing de um filme é clássica no cinema português. Continua a achar-se que o nome do realizador ou dos actores é que leva o público às salas - se isso fosse verdade, Manoel de Oliveira teria sempre grandes êxitos de bilheteira. Continua a achar-se que o simples facto de o filme ser português é suficiente para o lançar - quando, cada vez mais, a nacionalidade local afasta as pessoas do cinema, cansadas de apanharem secas monumentais com filmes que geralmente assumem que o público ou é mais estúpido ou é mais inteligente do que realmente é.

As duas estreias de hoje não são excepção, infelizmente - "Lá Fora" é um filme a espaços belíssimo, mas que não passa de um exercício elíptico de cinema de autor, ilustração sábia de um argumento essencialmente teórico, sem uma narrativa linear que mantenha a atenção do espectador médio presa. "Tudo Isto é Fado" é uma tentativa bem-intencionada de fazer uma comédia "à antiga portuguesa", confrangedor pela incapacidade de construir um argumento com um mínimo de solidez, pelo resguardo no humor bacoco e boçal de sub-produtos revisteiros tipo "Os Malucos do Riso", pelo desperdício do talento envolvido.

Se calhar, eu é que ainda acredito no Pai Natal quando penso que ainda pode haver esperança para o cinema português - este ano ainda não vi nada que justifique essa esperança.

Sem comentários: