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22 de abril de 2004

APOCALIPSES PARALELOS

Coincidências dos calendários de estreias cinematográficas. Em "Northfork", de Mark Polish (estreia hoje no Quarteto, em Lisboa, e no AMC, no Porto), conta-se o fim de um mundo: o de uma pacata cidadezinha rural americana, prestes a ser afogada por uma barragem, mas também o de um órfão doente que ninguém quer adoptar e que vive dentro dos seus sonhos. Em "O Renascer dos Mortos", de Zack Snyder (estreia hoje em todo o país), conta-se o fim de um mundo: a civilização ocidental tal como a conhecemos, dizimada por um vírus inexplicável que mata os vivos e os ressuscita como zombies.

Evidentemente, os filmes não podiam ser mais diferentes entre si. "Northfork" é uma elegia onírica e surreal, bizarramente lynchiana, onde rapidamente deixamos de perceber onde termina a realidade e começa o sonho febril, mas que consegue transmitir como poucos filmes o conseguiram o sentimento de se ter perdido algo que nos fazia falta. Em tempos T. S. Eliot escreveu que o mundo terminaria, "not with a bang, but with a whimper" — "Northfork" é uma crónica desse final silencioso, entendido aqui como a possibilidade de um recomeço noutro sítio.

"O Renascer dos Mortos", por seu lado, é um festim gore de sangue e vísceras, remake ágil e fiel de um clássico de culto que George A. Romero dirigiu em 1977. Sem a acidez do original nem a sua espontaneidade amadora (e quem conhece o original sabe como Romero consegue o máximo efeito com o mínimo de efeitos), esta remake de Zack Snyder consegue, contudo, criar, sobretudo no prólogo pré-genérico e em toda a primeira parte, o ambiente de horror incompreensível que qualquer boa história apocalíptica deve ter, acompanhando, de modo brutal e quase documental, uma enfermeira na transição do normalíssimo "dia antes" para o "dia zero" em que, sem explicação aparente, o mundo parece ter-se transformado no seu exacto negativo. O fim do mundo em directo, visto por meia-dúzia de sobreviventes que se refugiaram num centro comercial — a ironia do último reduto da civilização ocidental ser um altar do consumismo onde os zombies, alheios a outra coisa que não a sobrevivência pura e dura, não conseguem entrar já vem do filme original, mas ganha outra dimensão vista nos dias de hoje. Quem quiser vê-lo como filme de género fará lindamente, mas são os subtextos (herdados do original e relativamente respeitados, mesmo que diluídos) que ficam a remoer, sem sequer o conforto de um final feliz. Não se recomenda, mesmo nada, a almas sensíveis.

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