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20 de março de 2004

A PERSISTÊNCIA DA MEMÓRIA #6: A ÚLTIMA SESSÃO DO MUNDIAL

Fechou o cinema Mundial. A notícia veio no Diário de Notícias de quinta-feira - os proprietários da sala decidiram que a sua rentabilidade já não justificava mantê-la em actividade.

Lembro-me do Mundial quando ainda era uma sala única (teria para aí 700, 800 lugares?), com plateia e balcão e estreias chiques à quinta-feira. Foi um dos cinemas que marcou a minha infância e adolescência - não ficava longe de minha casa e tinha aquele aspecto de cinema de bairro da Lisboa perdida dos anos 60, embutido num edifício de escritórios, sossegado e confortável (e, contudo, apesar da lotação e do écrã grandote, era acanhado, com pouco espaço para as pernas entre as filas, os foyers escondidos na cave, junto à plateia, e a casa de banho numa subcave à qual se acedia por um íngreme lanço de escadas). Foi lá que vi "Os Salteadores da Arca Perdida", em 1981, no fim-de-semana da estreia, numa sessão das sete que estaria quase vazia e em nada faria prever o ano de cartaz que o filme teve só em Lisboa... Mas foi lá também que vi grandes enchentes, nos anos 70, como com "O Abismo" (Jacqueline Bisset, volta, tudo te perdoamos).

Quando o Mundial foi retalhado em três salas, nos anos 80, para garantir a sobrevivência, tornou-se então em mais uma sala de bairro que subsistia a custo, ligada ao ventilador, sem rei nem roque, até que o sucesso do "Carteiro de Pablo Neruda" a veio fugazmente ressuscitar. O Mundial de hoje - que até tinha levado obras há pouco tempo! - era um cinema parado no tempo, com as duas salinhas cá de baixo com um som inaceitável (apesar de terem as velhas cadeiras do Star) e só a sala 1, equivalente ao antigo balcão, ao nível do que devia ser um cinema moderno.

Ninguém vai chorar pelo Mundial como se chorou pelo velho Monumental quando o camartelo tomou conta dele. Ninguém se vai indignar como se indignaram quando se anunciou o fecho do São Jorge. O Mundial já morreu há muito tempo; e, como o Avis, ou o Roma, ou o Roxy, ou o Pathé, ou as inúmeras salas de bairro que nunca fizeram parte do circuito de prestígio dos cinemas de Lisboa, ninguém lhe vai sentir a falta.

Mas eu vou.

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