Advanced Open Water é o nome oficial do curso; cinco mergulhos num fim-de-semana para dar o "salto" que, na certificação internacional do grupo PADI, permite passar a mergulhar abaixo dos 18 metros e adquirir técnicas específicas para mergulhos de dificuldade ou exigência um pouco maiores que o trivial Open Water.
Na prática, é um curso de técnicas; técnicas específicas, de um nível mais exigente que o básico, que só a experiência - e, sobretudo, a calma e a descontracção - permitirá fixar e automatizar na cabeça do mergulhador. Orientação, busca e recuperação, flutuablidade, mergulho fundo (até aos 30m), mergulho em naufrágio: as técnicas foram afloradas ao longo do fim de semana, primeiro teoricamente e depois na prática, dentro de água - uma água muito fria, 13 graus lia o meu computador mas eu não acredito, tal o frio que rapei durante sábado e domingo.
Frio que me faz perguntar mais uma vez - porque carga d'água alguém há de querer atirar-se com uma garrafa de ar às costas para dentro do mar em dias de algum vento ou de balanço oceânico pacatamente insistente? Depois de vomitar o almoço de ontem para alimentar a (pouca) fauna ao largo da baía de Sesimbra, e de ter hoje alguns arranques de estômago vazio à saída do Riva Gurara, enquanto tremo por baixo do fato de duas peças de 7mm mais colete térmico de 3mm por baixo (raios! porque não optei eu pelo fato semi-seco?), é mesmo essa a pergunta: que raio estou eu aqui a fazer?
Não lhe tenho resposta, a não ser que estar debaixo de água pode ser mágico e que, naquela contínua procura do prazer que dê sentido à nossa vida, é uma experiência que gosto de ir repetindo regularmente. E estes cursos "duros" acabam por ser o mal menor que nos permite repeti-la a contento de todos.
Ansiedade, nervosismo, medo? Claro que sim; a minha natureza temerosa e abrigada do mundo não ajuda para a minha descontracção quando me é pedido que mergulhe a 27 metros num mar espesso de verde, visibilidade menor de um metro. Acima de tudo, é precisa a humildade de compreender que, apesar de ter feito francos progressos desde que retomei a actividade há alguns meses, ainda me falta aprender muito, ainda me falta controlar alguns reflexos de pânico quando dou com uma garrafa de patamar que não debita ar pelo regulador onde sou suposto estar a respirar (e que não era o meu); a humildade de perceber que há profundidades que não estão lá para brincadeira ou apenas para experiência (os 27 metros foram assustadores, pelo frio, pelo escuro, pelo nada arenoso que se vai infiltrando); a humildade de ter respeito ao mar e de perceber que somos simples visitantes que nos aventuramos onde não é o nosso lugar.
Medo? Sim, tive medo. E voltei a mergulhar, depois do susto, para provar - nem que fosse a mim próprio - que o posso dominar, se quiser, e para perceber que é um factor que tenho de afastar. Do mergulho - que pode ser uma metáfora de muitas outras coisas na minha vida.
Momentos bons? Sim, claro, evidentemente. Muitos. Pela primeira vez percebi o apelo que o naufrágio do Riva, à beira do Cabo Espichel, tem para os mergulhadores da zona - pelo meio das chapas, tubagens, rodas de leme, uma profusão de vida, um encontro novo a cada passo. De certa maneira, esse mergulho foi uma pequena vitória para mim, um trauma ultrapassado - mesmo que a ondulação à superfície e a profundidade mais exigente não me atraiam mesmo nada. A certeza de que, tecnicamente, já desço e subo na velocidade lenta exigida, controlando cada vez melhor a compensação - do colete e dos ouvidos. As lições que ficaram aprendidas - sobre os meus próprios limites, sobre aquilo que preciso de rever e trabalhar, sobre aquilo que, sem dar por isso, já consigo fazer intuitivamente. (Pôr o relógio a contar no princípio do mergulho é que ainda não é uma delas, raios!)
A trabalhar? Ficou um mergulho por fazer ao grupo (primeiro pelo vómito, depois pelo cansaço): a flutuabilidade, o mais "fácil" ou menos "exigente" dos cinco em termos de profundidade. Ficou a necessidade de trabalhar técnicas de emergência para situações de aperto, de interiorizar as técnicas de orientação para lá da teoria de livro, de me situar fisicamente no espaço agora tridimensional em que me movo sem gravidade. Ficou desfeito o mito das pulseirinhas homeopáticas que, ao fim de seis meses, não funcionaram no exacto momento em que eram mais precisas (talvez que o misto de cansaço físico e frio tenha anulado o seu efeito, talvez apenas a própria ondulação da água seja mais forte que o equilíbrio interno do meu corpo).
Ficou a certeza de que foi importante para mim ter passado por esta experiência, certamente a mais dura e exigente da minha carreira ainda neófita de mergulhador de água doce que nunca fez a tropa nem passou por grandes provas físicas.
A fauna não me parece ter ficado grandemente agradecida pela "refeição", mas aprendi a lição: hoje já fui de estômago vazio.
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