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12 de março de 2004

BLOGO, LOGO EXISTO #4: PODE ALGUÉM SER QUEM NÃO É?

Algumas pessoas, em comentários ou e-mails, têm manifestado a sua admiração, a sua incredulidade ou o seu espanto pela coragem de que fiz prova em alguns posts que fui deixando.

E, contudo, muitas vezes não tenho a noção, quando aqui escrevo, de me estar a expôr. Talvez porque a escrita começa sempre por ser um acto solitário: eu, sozinho, frente ao écrã do computador e ao teclado. Palavras que parecem, a partir de certa altura, organizar-se sozinhas sem eu poder influir no sentido em que elas se dirigem. E só essa organização me permite por vezes fazer luz das minhas contradições e dos meus mal-estares.

Escrever é, por natureza, um acto solitário; por vezes, tem também sido para mim uma espécie de terapia inconsciente, um modo de dar sentido ao que me rodeia, de o compreender. Ou talvez apenas de me compreender. Porque, em rigor, quando escrevo não escrevo para alguém, ou com o intuito de dizer qualquer coisa. Por vezes, escrevo apenas porque tenho de escrever, porque tenho coisas para dizer nem que seja apenas a mim próprio, e sinto a necessidade de lhes dar uma forma e um sentido. E, muitas vezes, nesse processo surpreendo-me a mim próprio com aquilo que faço.

A questão não é, creio, que eu me exponha demasiado ou de modo demasiado aberto. A questão é que não estou aqui a erigir uma fachada pública para projectar uma imagem junto de quem lê. Sou assim: contraditório, bipolar, procurando descobrir aquele equilíbrio difícil que nos permite atravessar a corda bamba sem correr riscos desnecessários. Já o perguntava o poeta Godinho: pode alguém ser quem não é?. Há muito tempo já que descobri que eu, pelo menos, não consigo ser aquilo que os outros querem à viva força que eu seja; e estas palavras são parte do processo de descobrir quem eu quero realmente ser.

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