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21 de fevereiro de 2004

POUCA TERRA, POUCA TERRA

Viajar de comboio não me preocupa nem me perturba tanto como outro tipo de viagens. Não tenho uma explicação plausível ou linear para isso. Gosto da pacatez sem pressas com que a paisagem vai desfilando pela janela; do embalo hipnótico do som dos carris (mesmo que, nos comboios de modelo mais recente, um pouco abafado pelo ar condicionado que me faz sentir num avião com janelas).

Uma viagem de comboio é - ou devia ser - uma espécie de oásis. Estar "em trânsito" é um intervalo: uma espécie de limbo de passagem, nem cá nem lá, fora e dentro ao mesmo tempo, sempre com uma referência visível a que nos agarrarmos. Já sabemos onde é que vamos chegar e o percurso até lá chegarmos, e sabemos sempre onde estamos, com vista panorâmica sobre a rota. Mas, ao mesmo tempo, somos meros observadores distanciados do mundo lá fora, em posição de vantagem.

Ou talvez não. Pela janela, as encostas à beira da linha estão cobertas de flores amarelas que, como bom citadino irredutível, não consigo identificar. Não sei os seus nomes e tenho pena disso. Para nós, citadinos irredutíveis, o país real é a paisagem vazia de gente, apenas cheia de casas, quintas, carros, prédios que vemos durante uma viagem de carro ou de comboio, apenas populada a espaços pelos passageiros que esperam nas estações. Como se tudo isto fosse apenas um país de brincar, ilusão de óptica causada pela perspectiva e pela distância. Como quando o comboio dá uma curva elevada rente a casas que parecem, com o movimento, rodar sobre um eixo central que não existe.

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