Confesso que nem tinha feito a ligação entre as duas coisas até me recordar que "Portugal S. A." estreia já amanhã. Mas as declarações de José Manuel de Mello ao Expresso de sábado passado - título em parangonas: "Façamos a Ibéria" - são perturbantemente próximas do cenário ficcional que o filme de Ruy Guerra coloca, onde um magnata financeiro (Henrique Viana) também se manifesta descrente das capacidades dos portugueses e pretende colocar o seu império nas mãos de interesses espanhóis.
Isto não me chatearia por aí além se não fosse o caso de "Portugal S. A." ser mau - porque a história que conta fica sempre pela rama, nunca aprofunda as boas pistas que vai lançando, recorre aos lugares-comuns mais básicos e maniqueístas da ideia que as pessoas fazem dos corredores do poder. As pessoas são muito mais complexas do que os estereótipos gritantemente demagógicos que o filme propõe (a esposa ninfomaníaca, o padre manipulador, o ministro secretamente homossexual, o alto funcionário drogado, etc, etc, todos eles corruptos até à quinta casa e sem um átomo de bondade no seu corpo). "Portugal S. A." é uma telenovela a fingir (e a fingir, ainda por cima, sem grande convicção) que é cinema.
E, num momento em que a crise das instituições em Portugal apenas dá razão à descrença generalizada dos portugueses no seu país, um filme destes, que não hesita em lançar mais achas para a fogueira e parece querer confirmar as piores suspeitas relativamente à venalidade de quem nos governa, não podia chegar em pior altura. Mesmo que essa conjugação de circunstâncias seja perfeitamente acidental, como acredito que é, e que o lado tópico da questão lhe garanta o sucesso comercial.
(Para que conste: também não tenho ilusões em relação ao sistema, mas não caio no erro primário de correr tudo pela mesma bitola. Como em tudo, há bons e maus e assim-assim, embora a percentagem de maus seja significativamente superior.)
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