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3 de janeiro de 2004

OS MARINHEIROS AVENTUREIROS #1

playlist: In Her Space: "No Body Needed" (Bor Land, 2003); Alexandre Desplat: "Girl with a Pearl Earring" (Decca, 2003)

O Público da passada terça-feira (30) trazia uma deliciosa notícia sobre o recorde nacional de 81m de profundidade atingido pelos mergulhadores da Armada portuguesa utilizando aparelhos de respiração semi-fechados. A notícia é deliciosa não só pelo ridículo da situação - lá fora até mergulhadores desportivos amadores, os chamados "techies", vão mais fundo do que isto respirando ar ou misturas gasosas em circuito aberto, e os recordes de profundidade atingidos, quer em apneia quer com aparelhos de respiração, ultrapassam em muito os 81m - como pelas questões que levanta relativas à legislação portuguesa do mergulho amador e perante aquilo a que hoje em dia se convencionou considerar jornalismo.

A discussão tem sido acesa no Forum Mergulho, mas penso que vale a pena extrapolar um pouco. Muitos apontaram a notícia como exemplo de um jornalismo de desinformação que parece estar a ganhar terreno na nossa imprensa, sobretudo face a algumas incorrecções técnicas presentes no texto.

Num dos posts colocados no Forum Mergulho, diz-se que na comunicação social não se comunica - informa-se. A questão não é que a comunicação social informe em vez de comunicar, visto que a sua função sempre foi informar e continua a sê-lo – geralmente, só aos colunistas ou críticos residentes é permitido emitir uma opinião, necessariamente pessoal e intransmissível, sobre um assunto, já que as regras fundamentais do jornalismo favorecem a neutralidade face a qualquer assunto e a apresentação clara e concisa dos vários pontos de vista de uma mesma questão.

Mas é realmente possível, face à multiplicidade de pontos de vista que hoje em dia existem – e estou já a extrapolar para fora do caso específico que deu origem a este post -, que ainda exista essa isenção e neutralidade? Sobretudo num momento dramático em que jornais lutam para sobreviver, em que são os DVDs e os livros que efectivamente puxam a carroça das vendas dos diários, sugerindo que não são já os jornais aquilo que as pessoas compram, mas sim os "extras"? Sobretudo face à multiplicidade de "casos da vida", de questões sociais que quase exigem uma tomada de partido, ética ou moral ou apenas sensata, que parecem ser o cerne dos noticiários televisivos? Onde está o espaço para a informação rigorosa quando já se provou que é o sensacionalismo que ganha audiências?

Toda a gente viu, falou ou ouviu falar do momento em que Miguel Sousa Tavares e Manuela Moura Guedes se degladiaram num noticiário da TVI – mas alguém se lembra do assunto que o originou? E será que isso tem alguma importância? Toda a gente se lembra da polémica que se gerou à volta da questão da atribuição dos subsídios a "Branca de Neve", a "obra ao negro" de João César Monteiro. Muito se protestou, muita tinta correu nos jornais e nas televisões (é para subsidiar isto que está a ir o dinheiro dos contribuintes?), mas nunca ninguém se preocupou em verificar se o subsídio tinha sido atribuído ao projecto quando ele ainda era um filme "normal", antes de Monteiro ter feito a sua "birra cósmica" e ter decidido que o filme não teria imagem, nem em investigar as sequelas (o subsídio foi efectivamente gasto? se não, foi devolvido?).

A notícia do Público, que considero um fait-divers sem especial importância para o futuro da nação (embora talvez não para os bolsos dos contribuintes...), é um daqueles casos típicos de "silly season" cíclica em que a ausência de outros assuntos mais estimulantes puxa para destaque notícias que normalmente passariam mais despercebidas. Mas ela, e a reacção apaixonada que mereceu da comunidade subaquática, é também um sintoma. De que os padrões estão a baixar e de que ainda há quem não o admita; da consciência que os jornalistas têm de que estão, cada vez mais, a falar para o boneco; da consciência que os leitores têm de que, cada vez mais, não se revêem naquilo que lêem. Mas o filão desta questão está ainda longe de estar esgotado.

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