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22 de setembro de 2006

LUFA-LUFA

Há algo de profundamente irónico em ouvir a "Ode aos Ratos" de Chico Buarque enquanto mudo de linha nos átrios da estação do Marquês de Pombal à hora de ponta da manhã.

rato de rua, irrequieta criatura
tribo em frenética proliferação
lúbrico, libidinoso transeunte
boca de estômago atrás do seu quinhão

vão aos magotes a dar com um pau levando o terror
do parking ao living, do shopping center ao léu
do cano de esgoto pró topo do arranha-céu

rato de rua, aborígene do lodo
fuça gelada, couraça de sabão
quase risonho profanador de tumba
sobrevivente à chacina e à lei do cão

saqueador da metrópole, tenaz roedor
de toda esperança estuporador da ilusão
ó meu semelhante, filho de Deus, meu irmão

rato
rato que rói a roupa
que rói a rapa do rei do morro
que rói a roda do carro
que rói o carro, que rói o ferro
que rói o barro, rói o morro
rato que rói o rato
ra-rato, ra-rato
roto que ri do roto
que rói o farrapo
do esfarra-rapado
que mete a ripa, arranca rabo
rato ruim
rato que rói a rosa
rói o riso da moça
e ruma rua arriba
em sua rota de rato


— Chico Buarque, "Ode aos Ratos" (in "Carioca", Biscoito Fino 2006)

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