Ontem, a RTP fazia grande alarde de uma reportagem que falava do desinteresse e do desprezo e dos maus tratos a que são votados os idosos pelas famílias modernas. Nada que me surpreenda, face àquilo que conheço do desconfiado e mal-educado espírito portuguesinho que tanto me irrita. Mas, sem ter visto a reportagem, não consegui deixar de pensar na minha avó materna, a única que na verdade conheci, porque da minha avó paterna, que morreu era eu muito criança, não me recordo, e nunca conheci os meus avôs.
A minha avó materna, após a morte do marido, limitava-se a esperar a morte, sentada numa cadeira da cozinha da minha tia ou num cadeirão da sala. Não tenho ideia de que ela falasse muito. A minha tia tomava conta dela — fazia-lhe a comida, dava-lhe os medicamentos, sem que no entanto isso a impedisse de ter uma vida profissional. Levava-a quando ia de férias para o Algarve, uma vez ou outra pediu-nos que tomássemos conta dela durante alguns dias. A minha avó materna, até morrer, limitava-se a existir. Nunca percebi se tinha a ver com a doença de que sofria (creio que não) ou com aquele luso carácter mórbido de que António Nobre falava, mas sei que a minha mãe, mesmo sabendo que o enfarte que teve há um ano lhe limita um pouco as tarefas que pode fazer, está a ir pelo mesmo caminho.
A verdade é que me debato muitas vezes com as questões do "ser bom filho/mau filho". Na reportagem que a Time dedicou há algumas semanas à moderna sociedade italiana, creio que era um sociólogo que comentava que em Itália há muitos pais que ainda esperam que os filhos abdiquem da sua vida pessoal para tomarem conta deles na sua velhice, mas que isso era também uma situação profundamente injusta para um filho que se vê assim privado de uma "vida normal" (seja lá isso o que fôr). Claro que não haveria comédia italiana (nem Almodóvar) sem essas famílias opressivas e opressoras. Mas querer ter uma vida pessoal é ser mau filho? Ter a consciência de que por vezes é mais apropriado entregar os nossos pais nas mãos de alguém que sabe cuidar de idosos melhor do que nós e que pode ajudá-los 24 horas por dia, tentar de algum modo melhorar a qualidade de vida deles do que se tomássemos nós conta deles é ser mau filho?
A verdade, mesmo, é que não há respostas fáceis para este tipo de perguntas. Por mim, confesso que gostava que as pessoas não se escondessem atrás de desculpas, mas isso talvez seja pedir demais.
Sem comentários:
Enviar um comentário