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29 de março de 2006

PRAGMATISMO

"We came, we saw, we wasted a year of our lives. At least we got the fuckers to vote"

— grafitti rabiscado por um soldado americano numa casa de banho de uma base americana no Iraque, citado na Economist desta semana

28 de março de 2006

TRÂNSITO

Um jogo europeu do Benfica é a única coisa que consegue entupir o trânsito de Lisboa mais do que um dia de trovoada chuva intensa.

27 de março de 2006

OUTRAS VIDAS

Acho que foi o Alexandre que em tempos falou das suas "outras vidas". Quando olho para trás e para tudo aquilo que já fiz nos meus 38 anos — que foi muito ou pouco segundo os pontos de vista — não consigo evitar sentir que muito desse muito/pouco pertence a "outra vida" que fez de mim aquilo que sou mas já pouco tem a ver com quem sou hoje. Muitas vezes, nem consigo reconciliar esse meu "ontem" com o meu "hoje"; é como se fôssemos pessoas diferentes. Mas é espantoso como, na realidade, não somos. Como sobra sempre algo desse passado para ajudar a moldar quem passámos a ser.

25 de março de 2006

ENID BLYTON

A menina Alice fala dos Cinco. Eu era mais o Clube dos Sete — lido na íntegra nas edições cartonadas com as ilustrações originais que herdei dos meus irmãos mais velhos. Quando saí de casa dos meus pais, trouxe-os comigo. Estão ali, fechadinhos numa caixa de arquivo, para quando me apetece lá voltar. Os Cinco li-os só depois, mas nunca achei tanta graça (porque os Cinco eram só Quatro, que eu nunca contei com o cão, e porque a série televisiva que vi nos anos 70 não tinha nada a ver com a ideia que eu me fazia das personagens).

OUTROS TEMPOS

Título de um livro visto hoje nas bancas de alfarrabistas do Chiado: "Organização Social e Económica dos Bijagós".

24 de março de 2006

38 + 1 (a ressaca do urso)

Qualquer coisa que seja menos de seis horas de sono deixa-me completamente zombie no dia a seguir. Pior ainda é deitar-me às tantas e saber que no dia a seguir vou ter de me levantar mais cedo do que me é habitual — na véspera de partir para Berlim, nem quatro horas dormi (adormeci às quatro da manhã para me levantar às sete e meia) porque, claro, o sistema funciona logo para não termos sono quando mais precisamos dele. Exactamente a mesma coisa de ontem: hoje tinha de me levantar às oito sem falta, e ontem às duas e meia da manhã ainda estava a pé e com a espertina toda. Claro que, hoje, passei o dia a rastejar pelos cantos. E claro que há muito boa gente que vive muito bem com seis horas de sono por dia (e o professor Marcelo diz que só dorme quatro, o que me deixa completamente escandalizado e automaticamente doente). Mas eu não. Deve ser alguma coisa de metabolismo de urso: seis-sete horas sossegadas é do que eu preciso. (E também não consigo hibernar. Nem fazer sonecas à tarde — acordo mal-disposto e a rosnar.)

23 de março de 2006

38 (zen bear-thday)



Digam lá que assim não dá gosto fazer figura de urso. 

CAFÉ E TORRADAS

Adoro uma fatia de pão de forma fresco acabada de sair da torradeira, quente e estaladiça; adoro pegar na faca, barrar o mínimo essencial de manteiga e vê-la derreter-se lentamente, colorindo de humidade a fatia ainda morna. Gosto menos das torradas grossas das cafetarias, porque cortam sempre a fatia muito grossa, mas em contrapartida deixo sempre para o fim as tiras do meio onde a manteiga humedeceu completamente o pão.

(Esclareço desde já que em casa uso Becel. O efeito gustativo é o mesmo.)

22 de março de 2006

O LIVRO DE CABECEIRA

Gosto deste livro porque me devolve a infância perfeita que sei que não tive. É o meu novo livro de cabeceira.

"When Pooh saw what it was, he nearly fell down, he was so pleased. It was a Special Pencil Case. There were pencils in it marked "B" for Bear, and pencils marked "HB" for Helping Bear, and pencils marked "BB" for Brave Bear. There was a knife for sharpening the pencils, and india-rubber for rubbing out anything you had spelt wrong, and a ruler for ruling lines for the words to walk on, and inches marked on the ruler in case you wanted to know how many inches anything was, and Blue Pencils and Red Pencils and Green Pencils for saying special things in blue and red and green. And all these lovely things were in little pockets of their own in a Special Case which shut with a click when you clicked it. And they were all for Pooh.

"Oh!" said Pooh.

"Oh, Pooh!" said everybody else except Eeyore.

"Thank-you", growled Pooh.

But Eeyore was saying to himself, "This writing business. Pencils and what-not. Over-rated, if you ask me. Silly stuff. Nothing in it."


— A. A. Milne, "Winnie the Pooh" (1926)

CARÊNCIAS EFECTIVAS

Juro-vos que acabei de olhar para o meu rato e onde está a palavra "mouse" li "mousse".

21 de março de 2006

A PROPÓSITO DE PROTESTOS

Será possível, hoje em dia, fazer política séria sem populismo?

JANTAR DE FAMÍLIA

A criancinha brinca ao lado da mesa enquanto a família vê o jogo do Sporting no écrã de plasma do restaurante. Um pouco mais à frente, os pais, que parecem ainda muito jovens (ele de cabelo com gel e T-shirt branca justa, ela de cabelo louro penteado à moda e roupa também de moda), começarão a trautear o tema do "D'Artacão e os Três Moscãoteiros", antes de o porem a tocar no seu telemóvel topo de gama com música, enquanto os avós tiram fotografias, não sei se com telemóveis se com câmara digital, o flash a ricochetear pela parede de espelhos e vidros do restaurante.

19 de março de 2006

A ETIQUETA DE COMER UM CROISSANT

(Estou a falar de um croissant a sério. Com massa folhada verdadeira. Sem recheios de espécie nenhuma. Não estou a falar daquelas anémicas invenções industriais que alguns cafés insistem em fazer passar por croissants mas que têm tanto a ver com o verdadeiro croissant de massa folhada como o sucedâneo de chocolate da viúva Solano com o chocolate negro a 70% de cacau.)

1. Morder as pontas.
2. Tirar a "folha" de cima que "fecha" a meia-lua do croissant e comê-la devagarinho.
3. Ir desfazendo a parte de baixo, mais bem cozida, e comê-la devagarinho.
4. Ir desenrolando a "folha" da meia-lua, e ir comendo devagarinho até apenas restar o centro suave e mal cozido do bolo.
5. Comer com requintes de luxúria o centro suave e mal cozido do croissant.
6. Arvorar um enorme sorriso de orelha a orelha durante o resto da manhã.

18 de março de 2006

A PRIMEIRA VEZ

Já tinha ouvido falar das birras colossais de Keith Jarrett nos seus concertos de piano solo, mas nunca tinha ouvido nada dele até ter ido ver o Querido Diário de Nanni Moretti e ter apanhado com aquele excerto do Concerto de Colónia em fundo da meditação sobre Pasolini. Não muito depois, comprei o álbum (The Köln Concert, ECM 1975) e, ouvindo-o outra vez esta tarde de sábado, entre uma passagem pelo supermercado e uma visita à família, percebo porque é que continuo a gostar tanto.

16 de março de 2006

AS CRIANÇAS HOJE EM DIA CRESCEM TÃO DEPRESSA

A mãe trintona com ar de tia lisboeta que não tem nada de mais interessante para fazer do que andar a levar e trazer as crianças à e da escola ou ao e do ginásio chama a filha que está ao topo das escadas. "Catarina! A menina despache-se que estamos a ficar atrasadas!".

Ao topo das escadas, a filha com coisa de quatro anos começa a descer devagarinho os degraus demasiado grandes para ela agarrada o melhor que pode ao corrimão.

14 de março de 2006

O NOME

No outro dia, fui atendido numa loja de sanduíches por uma empregada brasileira que se chamava Silvineide. Eu juro que não estou a inventar.

13 de março de 2006

I LEFT MY HEART IN ...

Há canções de embalar que dizem tudo o que me vai cá dentro. Não a ouvia há três anos. Mas hoje faz todo o sentido.

when the heart of the Hundred Acre Wood is beating
and time is passing through
there's a shadow looking like a rainbow's halo
and there I'm resembling you

more than fame
a name on a tree
more than power or might
sweeter than the treats of a honey bee
I'll be here through the night

it's comforting to know

silent as the moon at dawn
soothing as a bed filled with hay
strong as a hero in the land of old
I'll be there through the day

it's comforting to know

grayer than gloom on a rainy afternoon
sadder than being sorry for me
finer than finding my tail again
I'll be here for all of thee

it's comforting to know

you only get a few good friends in this life
who are devoted and true
and right here in this now and near
it's clear that it's all of you

I'll find you when you're hard to see
I'll look for you everywhere
you'll know just how I'm feeling when
I show you that I care

it's comforting to know.


— Carly Simon, "Comforting to Know" (in "Piglet's Big Movie", Walt Disney, 2003)

12 de março de 2006

AFORISMO

Há momentos em que mergulhar a fundo no trabalho para tentar esquecer apenas nos recorda mais.

10 de março de 2006

A IRMANDADE DA MASALA DE ESPERA #3

Depois desta refeição no Assuka (rua S. Sebastião da Pedreira, 150) com os experts Paulo e Lena, confesso-me absolutamente rendido às delícias da culinária japonesa. Com um suave chá verde a ferver na caneca, o paladar deslumbrou-se inicialmente com os delicados gyoza (ravioli salteado) e ebi shumai (ravioli de gamba no vapor), finas crostas de massa envolvendo uma gamba inteira que se mergulham levemente em molho de soja e mostarda picante. Mesmo para quem não gosta de sushi, dificilmente se resiste ao uramaki California (sushi de camarão, abacate e pepino) e, sobretudo, ao uramaki salmão skin (sushi de pele de salmão crocante e pepino), com a imprescindível mostarda verde wasabi a dissolver na soja e a sublinhar a delicadeza subtil da combinação de sabores. A fenomenal tempura (o misto de legumes era precioso, as gambas inteiras extraordinárias) e o sublime maguro tataki (sashimi de atum braseado) abrem novos mundos ao paladar. A comida japonesa pode ser um gosto adquirido, mas quando a comida é assim tão boa dá vontade adquiri-lo (e €27 por pessoa para a alarvidade que nós comemos até nem é estupidamente caro para os padrões estupidamente caros da comida japonesa, mesmo que seja preciso reservar mesa para o jantar, tão concorrido é o restaurante). Dominar os pauzinhos é que vai levar mais tempo.

9 de março de 2006

TOMADA DE POSSE

Às oito e meia da manhã estava já um helicóptero militar a pairar sobre a Assembleia da República e a zona de São Bento, e as sirenes dos batedores da polícia ouviam-se de cinco em cinco minutos a abrir alas para as personalidades convidadas para a tomada de posse do novo Presidente. Nunca pensei que um helicóptero fosse uma coisa tão barulhenta e incomodativa — os meus vizinhos devem ter tido uma manhã gira.

OLHÓ ESQUIMÓ FRESQUINHO

Fiquei hoje a saber que há quem considere as bolas de Berlim do Califa, essa instituição de Benfica, perfeitamente pornográficas (à imagem da porno-tikka masala do Natraj, do porno-cheesecake de framboesa da Cristina e do porno-gelado de canela do Ben & Jerry's).

Pois eu contraponho à porno-bola de Berlim do Califa o porno-esquimó do Califa. Se não sabem o que é, peçam e depois me digam.

(Não, não provei bolas de Berlim em Berlim, para quem quiser saber.)

8 de março de 2006

PEQUENA QUESTÃO EXISTENCIAL

Esta manhã, quando saia de casa, vi passar pela rua um Kia Picanto verde eléctrico. Nunca tinha visto um Kia Picanto até há duas semanas atrás e os dois que vi eram vermelho vivo e verde eléctrico. A pergunta é: será que há realmente gente que compra Kias Picanto desta cor, ou são aqueles carros que se dão nos concursos de televisão porque ninguém os compra?

7 de março de 2006

PARADOXOS

A minha amiga Cristina diz que nem sempre temos consciência de que estamos a esconder alguma coisa. Eu digo que nem sempre temos consciência do que estamos a mostrar.

6 de março de 2006

GAROTAS DO METRO

Não reparei onde é que a adolescente loura entrou na carruagem (não sei se no Campo Grande, se na Cidade Universitária ou se já vinha de Odivelas), mas reparei que a adolescente morena com auscultadores e um livro de código da estrada na mão entrou em Entre-Campos e sentou-se ao meu lado. Como era algo corpulenta, senti-a sentar-se e senti-me mais apertado. A adolescente loura, sentada no banco em frente, levanta-se para cumprimentá-la e durante os minutos seguintes conversam animadamente sobre o código e sobre as festas e sobre as muitas festas que têm planeadas, até que uma outra adolescente sentada ao lado da loura, que a passou a ignorar completamente, se levanta para sair e recebe um adeus descartado da loura, que pede logo a seguir à morena, que acabou de desligar o leitor de música, enrolar os auscultadores e guardá-lo na mala sem se desfazer do livro de código, que se venha sentar a seu lado.

5 de março de 2006

NÓS E OS OUTROS #6

"Do meu ponto de vista, esse filme [O Fim da Aventura, baseado no romance de Graham Greene] tratava de examinar o isolamento de um escritor, o ciúme com que um escritor observa o mundo, porque um escritor não vive realmente no mundo e tem ciúmes da textura da experiência da realidade. De certa maneira, os escritores escolheram uma vocação que é quase sacerdotal, onde a sua abordagem da sexualidade ou da emoção será sempre alvo do seu próprio exame, por isso eles invejam quem vive e quem sente."

— Neil Jordan (escritor e realizador de Jogo de Lágrimas, Entrevista com o Vampiro, Michael Collins ou Breakfast on Pluto) em entrevista a Geoffrey Macnab, na edição de Janeiro de 2006 da revista inglesa Sight & Sound

4 de março de 2006

PASSAGEM DE PEÕES

O trânsito pára quando o sinal para os carros ameaça passar a vermelho — ou melhor, não pára, porque há dois carros que aceleram para passar com o amarelo. Um ainda passa com o amarelo, perante um agastado quarentão de bigode, que não resiste a soltar um cínico "e outro ainda! vá, passa lá!" quando o segundo já passa com o sinal vermelho. O senhor agastado pelo desrespeito dos condutores para com o sinal de trânsito atravessa em seguida a rua Alexandre Herculano com o sinal vermelho para os peões.

3 de março de 2006

MAE QUERIDA, MAE QUERIDA

Não há como os pais para, enquanto nos dizem que gostam muito de nós e que sempre fomos muito queridos, nos dizerem aquelas coisas que dão literalmente cabo de nós.

2 de março de 2006

LISBOA A PE

A caminho da minha consulta anual no oftalmologista, que fica na zona do Bairro das Colónias, perto da Igreja dos Anjos (e é curioso que só depois de eu ter saído do bairro onde nasci e cresci é que tenha mudado para um oftalmologista na minha antiga zona), dou por mim com tempo nas mãos depois do almoço e decido ir a pé da Praça de Londres. Sei que não levará mais de meia hora, é um trajecto que muitas vezes fiz a pé noutros tempos; quer apanhando a Almirante Reis no Areeiro, quer cortando pela Guerra Junqueiro.

Faz-me confusão ver o antigo cinema Império, onde passei parte significativa da minha adolescência, em melhor estado de conservação externo sob a Igreja Universal do Reino de Deus do que nos últimos anos da sua existência como cinema. A Almirante Reis parece-me mais degradada do que há 20 anos, mas a verdade é que lá continuam as intermináveis cervejarias, pastelarias, lojas de mobiliário, sucursais de bancos que me habituei a ver, e também os micro-centros-comerciais-galerias improvisados que surgiram em todos os recantos possíveis nos finais dos anos 70 e sobreviveram a muito custo. Passando à Praça do Chile, pergunto-me como estará o edifício pintado a verde do cinema Pathé, numa paralela à Almirante Reis, onde há muito não passo, mas continuo a descer a avenida e a sentir que, se calhar, a Almirante Reis entre a Alameda e os Anjos sempre foi assim e eu é que, habituado, não tinha dado por nada.