Cabo Espichel: Riva Gurara, sábado, 3 de Setembro, 11h22: 24.5m, 19 min, 18º C
Persistência, diz-me a Isabel enquanto espero que o equipamento seque mais um pouco para o arrumar na mala do carro — persistência, e, acho eu também, um pouco mais de calma, de auto-confiança. É tudo uma questão psicológica: não é a primeira vez que mergulho no Riva Gurara, o cargueiro nigeriano que naufragou ao largo do Cabo Espichel, nem é a primeira vez que me intimido com a sua profundidade nem com as condições de mergulho. Ao início disto de mergulhar, há uns anitos largos, o Riva assustava-me; primeiro pelo totoloto que implicava apanhar quase sempre mar agitado, numa altura em que não existiam as pulseirinhas mágicas e eu enjoava significativamente no barco (alguns mergulhos ficaram mesmo por fazer devido a esse mal-estar hoje minimizado); depois porque era o mergulho mais profundo que Sesimbra possibilitava (na cota mais baixa, entre os 18 e os 25 metros, junto ao hélice; na cota mais funda, junto à proa, 32) e, para mim, tornou-se no exemplo do "mergulho difícil" ou "puxado". Mesmo que, das duas vezes que lá mergulhei no último ano e meio (o "mergulho em naufrágio" do curso avançado e um mergulho posterior), tudo tenha corrido bem, a intimidação continua presente.
Hoje, contudo, as condições são perfeitas, numa conjugação de circunstâncias que leva a que, ao largo das falésias, umas milhas antes do Cabo Espichel, o mar esteja chão, quieto, estanhado, pela primeira vez neste spot nos oito anos e quase 80 mergulhos que levo. O Rui, um dos divemasters do centro, está a bordo e vai mergulhar com o grupo simpático que se formou misturando veteranos e mergulhadores menos experientes, e largamos o ferro mesmo em cima da hélice. A descida faz-se pelo cabo por entre as bolhas dos mergulhadores de outros barcos que ali passeiam, a visibilidade está para cima dos dez metros (há quem fale de 18 metros, à saída do mergulho, podendo ver os destroços da superfície).
Chegado lá a baixo, tudo começa bem; páro para ajustar melhor o equipamento, o colete funciona na perfeição depois de uma ligeira revisão à traqueia e à válvula, o Rui começa-nos a mostrar os destroços do navio; a minha lanterna varre o interior de algumas chapas. Mas há alguma corrente no fundo, e o esforço acrescido à respiração acaba por me cansar depressa, enquanto o Rui toma a liderança do nosso trio com o Luís.
Levamos 10 minutos de mergulho, faço-lhe sinal para não ir tão depressa, páro, agarro-me a uma chapa bem fixa para recuperar a respiração, sem pressas; o Rui pergunta-me se quero subir, faço-lhe sinal para esperar, decido que é melhor, estou demasiado stressado sem ter razão para isso. Faço-lhe que sim e agarro-lhe a mão para garantir que ele não nada mais depressa do que eu. Seguimos para o cabo para voltarmos a subir e fazemos uma subida pelo cabo, autêntica subida de manual, lenta, pausada, metro a metro, sempre a controlar o computador, em perfeita compensação, com um breve patamar aos cinco metros.
Cá em cima, o computador dá-me 19 minutos de mergulho (provavelmente 15 minutos "limpos" de tempo de fundo, muito mais do que eu estava à espera; tenho 110 bares à chegada à superfície dos 210 com que desci, sinal de que, mesmo stressado, mantive uma respiração normalíssima), o Rui explica-me que o Luís tinha respirado muito depressa e já estava nos 60 bares quando subimos pelo que teríamos subido de qualquer maneira. Ainda na água faço um debriefing pormenorizadíssimo, tanto para o Rui como para mim: estive sempre tranquilo, nunca entrei em pânico, e abortei o mergulho em plena consciência, porque, quando passo mais tempo a controlar o ar e a profundidade do que a desfrutar do que me rodeia, o prazer desvanece-se. E é pelo prazer que eu faço isto.
Persistência? Antes calma e paciência para ultrapassar a inexplicável intimidação. O mergulho do Riva em si não é difícil, ainda há algumas semanas, nas Berlengas, fiz um mergulho muito semelhante (o Primavera, a 22 metros) sem problemas, e muita gente com menos anos disto do que eu fá-lo sem problemas. É uma questão de tempo e experiência até me sentir tão à vontade aqui como na Ponta da Passagem. E o dia estava tão fantástico que só a viagem de barco (com peixes não identificados a saltar na água quase ao pé de nós) fica na memória.
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