— Sabe que este cinema está assombrado?
Este cinema está assombrado.
Fantasmas...
— Sou japonês.
— Sayonara.
— Sayonara.
— Professor Miao?
— Shih Chun!
— Veio ver o filme?
— Já há muito tempo que não venho ver nenhum...
— Já ninguém vem ao cinema.
E já ninguém se lembra de nós.
As doze linhas acima são todo o diálogo falado pelo elenco de "Adeus, Dragon Inn", de Tsai Ming-Liang, agora em exibição em Lisboa, ao longo da totalidade da duração do filme. E é falado por apenas quatro dos oito actores do filme; os restantes quatro não dizem nada. Em rigor, "Adeus, Dragon Inn" não é um filme convencional; é uma atmosfera texturada, uma experiência radical, um objecto-limite. Fosse este filme português, haveria quem se insurgisse contra o seu hermetismo; na sessão a que fui, houve bastante gente a sair durante a projecção. Lembrei-me de "Comboio de Sombras", de José Luís Guerin, com uma diferença: eu não gostei nada de "Comboio de Sombras", enquanto que "Adeus, Dragon Inn" me tocou bem fundo na nostalgia do "velho" cinema, porque este é um filme sobre um cinema moribundo, sobre uma sala de Taipei que projecta a sua última sessão (precisamente com o filme "Dragon Inn", um clássico das artes marciais de King Hu). O cinema Fu-Ho povoado de fantasmas (mas serão realmente fantasmas?) poderia ser um qualquer Monumental, Império, Condes, São Jorge, Avis, salas grandiosas de uma outra era projectando uma última sessão para um auditório vazio. "Adeus, Dragon Inn" poderia ser apenas um filme nostálgico, mas o modo como trabalha essa nostalgia, dilatando a experiência da última sessão, desintegrando-a na distensão de todas as rotinas quotidianas dos empregados da sala, empresta-lhe uma dignidade e uma transcendência especiais.
"Adeus, Dragon Inn" exige entrega e não se desvenda facilmente. É um filme-limite; ou se ama ou se odeia. Mas quem ama o cinema só pode amá-lo.
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