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5 de fevereiro de 2005

TRÊS SEMANAS

Faz, amanhã, três semanas que a minha mãe sofreu um enfarte, uma coisa extensa mas sem gravidade de maior. A surpresa foi tanto mais desagradável quanto ela era a última pessoa da família que nós achávamos atreita a problemas cardíacos, ainda por cima quando o meu pai usa um pacemaker há alguns anos e o meu irmão mais velho também tem problemas de coração. Depois de um rápido cateterismo que desbloqueou a artéria e uma semana em observação no Hospital de Santa Marta, onde foi impecavelmente tratada, regressou a casa — e, hoje como há duas semanas, passa o dia na cama, apavorada que possa sofrer um segundo enfarte, paralisada pelo pânico.

Antes do enfarte, era uma senhora frágil que se movia com dificuldade devido aos seus problemas reumáticos e de ossos, mas que fazia um esforço titânico para não ficar confinada às quatro paredes do seu quarto e, sobretudo, que mantinha a força de vontade que lhe permitia resmungar e refilar com a família toda como se fosse a dona da razão. Depois, é uma senhora frágil e abalada que não sai da cama, lamenta a sua "pouca sorte" e a sua dificuldade de restabelecimento, que desistiu de fazer qualquer tipo de esforço. Cada visita minha equivale a meia hora, uma hora em que faço a minha melhor cara de refilão bem disposto e lhe digo que aquilo não é vida, que ela está outra vez como nova (o que, segundo o cardiologista, é verdade) e que não há razão para se agarrar à cama, mas ela moita carrasco, e sou eu que regresso a casa bem menos bem disposto do que entrei.

Mas também é verdade que a minha mãe sempre foi uma casmurra de primeira apanha e nunca fez aquilo que nós achávamos melhor para ela mas sim aquilo que ELA achava melhor. Porque haveria esta vez de ser diferente? Será que é só uma questão de tempo até ela se capacitar ela própria da pasmaceira em que se está a enterrar, cada vez mais próxima da minha avó materna que passou os seus últimos anos sentada numa cadeira em casa da minha tia?

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