O barbeiro fica inquieto quando entro no salão. Nenhum dos seus colaboradores está, sairam para tomar café, ele está a fazer arrumações e limpezas e procura-os por um instante antes de pôr as limpezas de lado algum tempo para me cortar o cabelo. A um canto do salão, a esposa, cabelo branco e óculos, retrato-robot de uma avozinha portuguesa de subúrbio clássico, entoa num tom paternalista e condescendente uma ladainha destinada a embalar o neto ainda bebé, que não deixa por isso de soltar exclamações pontuais e ameaçar choro. Por um momento, penso que ele está a protestar por ter de ouvir repetido durante tanto tempo "quem é o queridinho da avó", naquela linguagem palradora e perfeitamente irritante que os adultos fazem ideia (errada) que as crianças percebem. Por um instante pensei que era isso que o bebé estava a querer dizer — "cala-te, já estou farto de te ouvir com essa patetice, achas que eu não te topo?". O barbeiro também já parece farto de ouvir a ladainha, às tantas pergunta à mulher num tom ríspido porque não vê se o menino está sujo. Mas a senhora insiste.
E, quando a filha regressa, descobre-se que o bebé estava realmente sujo.
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