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2 de janeiro de 2005

NOT EVERYONE CAN CARRY THE WEIGHT OF THE WORLD

Hoje, uma semana depois, todos os noticiários ocupam 30 minutos a esmiuçar os pormenores da tragédia da Ásia; a repetir até à exaustão os mesmos dados que já todos ouvimos esmiuçados nos últimos sete dias; a convocar os sobreviventes portugueses da tragédia para contarem as suas experiências (como se elas pudessem fornecer-nos um qualquer insight precioso sobre os desígnios insondáveis da natureza). Perturba-me esta exploração, quase pornográfica, da tragédia; perturbam-me os lugares comuns que ouço repetidos vezes sem conta ao dia, perturbam-me as pequenas histórias que todos os dias surgem do milagre da sobrevivência, perturbam-me as imagens de valas comuns e cadáveres que me entram pela sala dentro sem pedir licença.

Não estou a protestar contra a necessidade de informar, porque é urgente ajudar, é urgente tomarmos consciência que este é um só mundo e todos somos afectados por uma tragédia destas, é importante que não nos esqueçamos que as consequências da tragédia afectarão os países durante meses, anos. Mas onde se desenha a fronteira da informação? Quando é que a dignidade cede o lugar à exploração dos sentimentos de culpa ocidentais?

Quando vejo sobreviventes ingleses a chorarem convulsivamente face às câmaras de televisão, sinto-me um intruso num momento catártico que não é, não pode ser público, que tem de ser privado. Quando vejo cadáveres embrulhados em plástico a serem despejados numa vala comum, sinto-me um voyeur perverso, porque aquele é um momento demasiado impressionante para ser repetido ad infinitum num écrã de televisão, que não é para ser visto levianamente à mesa do jantar por entre discussões de futebol e política. E não quero com isto invocar preceitos morais ou éticos de qualquer espécie — apenas que há um respeito que estas incontáveis vítimas merecem que não se compadece com os horários rígidos dos telejornais, com a medição das audiências.

O sofrimento é, sempre foi, algo de privado, de pessoal. Não acredito na sua exibição pública. E há momentos em que o que me parece ver, na procissão de imagens televisivas, é uma mera exposição da dor. Para que os outros se possam considerar sortudos. E essa é a pior das razões para querermos ajudar.

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