Havia qualquer coisa de unificador em António Variações: o modo como nas suas canções se conjugavam a sabedoria ancestral passada de pais para filhos, um saber telúrico quase atávico, e a vontade de o levar mais além, de o tornar numa chave para o futuro em vez de um tesouro perdido no passado. A modernidade com que soube enfeitar a simplicidade popular dos seus bordões e a verdade da sua identidade portuguesa é algo de tanto mais notável quanto se percebe ser inteiramente intuitiva e nada calculada. Se outro mérito não tivesse (e tem muitos), "Humanos" valeria a pena pelo modo certeiro como resgata ao esquecimento algumas pérolas que concentram em duas, três frases de uma simplicidade de estarrecer mundos inteiros de emoções contraditórias — como esta, cantada por Manuela Azevedo com a medida exacta de sedução insegura, entrega abandonada, esperança louca e resignação melancólica. Porque não podemos fugir àquilo que somos.
a culpa não, não é do Sol
se o meu corpo se queimar
a culpa não, não é do Sol
se o meu corpo se queimar
a culpa é da vontade
que eu tenho de te abraçar
a culpa não, não é da praia
se o meu corpo se ferir
a culpa não, não é da praia
se o meu corpo se ferir
a culpa é da vontade
que tenho de te sentir
a culpa é da vontade
que vive dentro de mim
e só morre com a idade
com a idade do meu fim
a culpa é da vontade
a culpa não, não é do mar
se o meu olhar se perder
a culpa não, não é do mar
se o meu olhar se perder
a culpa é da vontade
que eu tenho de te ver
a culpa não, não é do vento
se a minha voz se calar
a culpa não, não é do vento
se a minha voz se calar
a culpa é do lamento
que sufoca o meu cantar
a culpa é da vontade
que vive dentro de mim
e só morre com a idade
com a idade do meu fim
a culpa é da vontade.
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