Pesquisa personalizada

22 de novembro de 2004

PALMA, VEZES DOIS

Duas letras do Jorge Palma para definir, melhor ou pior, as amplitudes térmicas das últimas semanas. São as duas do desigual disco novo, "Norte" (Virgin/EMI).

Esta, "Passeio dos Prodígios", porque é pessoal e intransmissível.

vamos lá contar as armas
tu e eu, de braço dado
nesta estrada meio deserta
não sabemos quanto tempo as tréguas vão durar
há vitórias e derrotas apontadas em silêncio
no diário imaginário
onde empilhamos as razões para lutar
repreendo os meus fantasmas
ao virar de cada esquina
por espantarem a inocência
quantas vezes te odiei
com medo de te amar
vejo o fundo da garrafa
passando mais outro cigarro
tudo serve de cinzeiro
quando os deuses brincam
é para magoar
vamos enganar o tempo
saltar para o primeiro comboio
que arrancar da mais próxima estação
para quê fazer projectos
quando sai tudo ao contrário
pode ser que por milagre
troquemos as voltas aos deuses

entre o caos e o conflito
a vontade e a desordem
não podemos ver ao longe
e corremos sempre o risco de ir longe demais
somos meros transeuntes
no passeio dos prodígios
somos só sobreviventes
com carimbos falsos
nas credenciais
vamos enganar o tempo
saltar para o primeiro comboio
que arrancar da mais próxima estação
para quê fazer projectos
quando sai tudo ao contrário
pode ser que por milagre
troquemos as voltas aos deuses
para quê fazer projectos
quando sai tudo ao contrário
pode ser que por milagre
troquemos as voltas aos deuses
troquemos as voltas aos deuses.


Esta, "Os Demitidos", porque raras vezes terei visto tão bem traduzida a mesquinhez de (do?) ser português.

estás demitido
obviamente demitido
tu nunca roubaste um beijo
e fazes pouco das emoções
és o espantalho dos amantes

estás demitido
obviamente demitido
evitas a competência
não reconheces o mérito
és um pilar da cepa torta

e assim vamos vivendo na província dos obséquios
cedendo e pactuando enquanto der
filósofos sem arte
afugentamos o desejo
temos preguiça de viver

estás demitido
obviamente demitido
subornas os próprios filhos
trocaste o tempo por máquinas
tu és um pai desnaturado

estás demitido
obviamente demitido
arrasas a obra alheia
às vezes usas pseudónimo
tu és um crítico de merda

e assim vamos vivendo na província dos obséquios
cedendo e pactuando enquanto der
filósofos sem arte
afugentamos o desejo
tanta preguiça de viver

estás demitido
obviamente demitido
encostas-te às convergências
nunca investiste num ideal

tu sempre foste um demitido
tu foste sempre um demitido
já nasceste
demitido.


O disco? É só meio disco — mas que grande meio disco.

Sem comentários: