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19 de setembro de 2004

OS ANIMAIS SÃO NOSSOS AMIGOS

Aqui há uns tempos (talvez ano e meio, dois anos) participei nos foruns do Público numa discussão sobre o boicote ao sublime "Fala com Ela", de Pedro Almodóvar, por parte de alguns espectadores indignados pelo facto do filme incluir uma cena de tourada (o que seria natural, visto que uma das personagens é toureira) na qual o touro lidado teria sido morto (como, creio, é habitual em Espanha). No filme não se via nada disso; apenas breves cenas de lide e certamente nenhum touro a ser morto, mas os "boicotistas" insistiam em recusar-se a ir ver o filme por da sua rodagem ter resultado a morte de um animal.

(Aparentemente, segundo me recordo, Almodóvar ter-se-á limitado a aproveitar uma tourada verídica, ou seja, não propositadamente organizada para o filme, para aí captar as imagens necessárias — mas posso estar enganado. Meses mais tarde, soube que uma das contribuintes mais apaixonadas para a discussão continuava sem ter visto "Fala com Ela", mas não resistira a ir ver "Apocalypse Now Redux", onde um animal é sacrificado graficamente perto do final.)

Em qualquer dos casos, tirei as devidas ilações dessa discussão que se prolongou durante semanas: nos direitos dos animais, tal como na religião e no futebol, qualquer troca de opiniões corre o risco de descambar muito rapidamente para um surpreendente fundamentalismo peremptório que, muitas vezes, pura e simplesmente não reconhece a existência de opiniões discordantes.

Isto vem a propósito da manifestação ontem realizada em Lisboa contra as touradas, da qual vi algumas imagens nos noticiários da noite, e de uma outra de caçadores realizada hoje à porta da residência oficial do primeiro ministro, da qual vi algumas imagens nos noticiários do almoço. Também não gosto de touradas, e respeito quem não gosta do acto; a caça passa-me completamente ao lado (embora não me choque que, se os recursos cinegéticos puderem ser aproveitados como fonte de receita e mais-valia económica para o país, como uma querida amiga minha defendeu agora na sua tese de mestrado sobre turismo cinegético, ela deva existir); mas confesso que, com Portugal no estado em que está, com os políticos que temos, estas manifestações me pareceram puro folclore, meras distracções.

Haverá, certamente, coisas mais importantes para o bem-estar geral dos portugueses do que o protesto contra a ética das touradas e a defesa da caça. Mas isso é típico de um país que, em plena recessão económica, continua a encher as lojas e a comprar a crédito como se tudo estivesse normal; Portugal tem uma especial atracção pelo acessório em detrimento do essencial.

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